Desta vez fomos até ao concelho de Vila Flor para lhe dar a conhecer duas lendas. Uma na vila mais propriamente na fonte de S. Sebastião e outra na aldeia de de Assares a cerca de uma dezena de quilómetros. Dois lugares que merecem uma visita.
A Fonte das Bestas
Diz-se por Vila Flor que na bica da fonte de S. Sebastião, também chamada Fonte das Bestas, se ouvem os lamentos duma moura que acreditam que seja de uma beleza encantada.
Abrimos o livro do escritor Alexandre Parafita “Património Imaterial do Douro (Narrações Orais), Vol. 2” que nos diz que uma vez um rapaz de Lodões (aldeia do concelho de Vila Flor) que costumava ir à vila frequentemente e, quando passava pela fonte de S. Sebastião, curvava-se sobre a tigelinha de ferro para matar a sede, até porque se dizia ser aquela água boa para fazer bom estômago.
Uma noite, regressando da feira dos 15, cheio de calor, sentou-se na beira dos tanques da fonte e, ao dar a meia-noite no relógio da torre, levantou-se e foi debruçar-se para beber uns goles de água, antes de seguir viagem até a sua aldeia.
De repente, estremeceu. Lá de dentro do cano pareceu-lhe ouvir uma voz que cochichava. Com as fontes a latejar, a respiração suspensa, apurou o ouvido. Não havia engano. Uma voz maviosa com harpejos celestes segredava-lhe carinhosamente, com acento estrangeiro:
– O teu amor sou eu. Vem buscar-me. Salva-me e eu te darei o carinho com que sonhas, meu nobre redentor.
O rapaz ficou desorientado, quis arrombar a porta da mina e ir lá dentro buscar a donzela que assim lhe falava. Mas um tropel de butes na calçada fê-lo pegar no casaco e desandar caminho fora. Nos dias que se seguiram, o único pensamento que o dominava era o segredinho da fonte.
Magicou, magicou, e, uma noite, munido duma alavanca de ferro subiu a costa do Vale da Cal e chegou à fonte, doze badaladas batidas. Seguro de que o lugar estava deserto, estourou a lingueta da fechadura e, cautelosamente, internou-se na frescura da mina, chamando pela sua moura. Mais uma chamada, alguns ruídos surdos… e o silêncio.
Ao amanhecer, algumas raparigas que passavam ali, vendo a mina arrombada aproximaram-se e olharam lá para dentro. O pobre rapaz jazia morto em plena mina, com o rosto imerso no veio de água. Infortunado jovem, que assim desposou a sua moura, encantada há mil anos, mas que lhe custou a vida.
A moura das Fragas do Rugido
E continuando com as mouras também na aldeia de Assares, a cerca de dez quilómetros da de Vila Flor, há umas fragas que são conhecidas pelas “Fragas do Rugido”, e dizem os mais antigos, segundo o autor Alexandre Parafita, que há lá uma moura encantada na figura de uma grande cobra.
Perto daquelas fragas havia antigamente uns tanques onde as mulheres iam lavar a roupa. Certo dia uma mulher da aldeia, quando estava a lavar, ouviu nas suas costas o ruído de uma grande cobra a rastejar, vinda das fragas. E tão aflita ficou que abandonou a roupa e fugiu para casa. À noite contou ao marido. Este, no entanto, não deu importância ao sucedido. E disse:
– Só pode ser uma cobra como outra qualquer. Vai mas é lá buscar a roupa, que às tantas ainda ta roubam!
No dia seguinte, a mulher voltou ao local para apanhar a roupa, e, quando estava a chegar lá, voltou a ouvir o mesmo ruído, logo cuidando que era a mesma cobra que ali estaria. Por isso, apenas pensou em pegar na roupa e ir-se embora. Qual não foi, porém, o seu espanto quando, ao pegar na roupa, encontrou dez reais numa beira dos tanques.
Chegou a casa com eles e contou ao marido. E este o que pensou foi que só podia ser dinheiro que tinha ido na roupa de alguma mulher que lá fora lavar antes. Disse-lhe, por isso, para lá ir com o dinheiro no dia seguinte, pois alguém poderia andar à procura dele.
Desencanto em dia de São João
A mulher voltou lá. E ao passar junto das fragas voltou a ouvir o mesmo ruído. A seguir olhou para o tanque e, na mesma pedra, lá estavam outros dez reais. Ficou toda contente e, ao pegar neles, aparece-lhe então uma grande cobra, que tinha cabelos negros e compridos, e que lhe disse:
– Sou uma mulher como tu, e fui encantada ainda no berço. Se quiseres, podes desencantar-me. Só tens de vir todos os dias aqui, onde encontrarás sempre dez reais. E depois, haverá um dia, dia de S. João, em que me deixarás subir por ti acima até poder beijar-te. Ficarei então livre, e tu serás uma mulher rica. Mas não poderás nunca dizer a ninguém este segredo.
A mulher foi para casa e disse ao marido que tinha devolvido o dinheiro à dona, nada contando sobre o encontro que teve. Nos dias seguintes passou a andar feliz, com boas roupas e muito luxo, e sempre a esconder ao marido a proveniência do dinheiro. A dada altura o marido começou a desconfiar da mulher, julgando que ela teria algum amante que lhe andava a dar aqueles luxos. E pediu-lhe explicações.
Ela então não teve outro remédio se não confessar ao marido que andava a receber dinheiro por conta da ajuda que prometera dar à moura encantada. E no dia seguinte foram lá os dois, esperando encontrar os reais do costume. Só que desta vez já lá não havia dinheiro nenhum. E ouviram então uma voz chorosa de mulher, que soava entre as fragas, dizendo:
– Ah, sua maldita, que me dobraste o encanto!
E nunca mais apareceu. Nem ela nem os reais. A mulher deixou de ter direito a eles porque não cumpriu a sua parte no acordo, que era guardar segredo. Ficou, no entanto, mais descansada pois ganhou a confiança do marido.
Depois foram gastando os reais que ainda tinham, e, acabados os reais, ficaram de novo pobres. E assim continuam.
Por Cátia Barreira
Revista Raízes
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