quinta-feira, 14 de março de 2019

Há já uns dias que nada escrevo!

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Tenho assim estes hiatos com alguma frequência, mas desculpo-me com alguma incerteza, porque não foi propriamente a escrever que passei os últimos cinquenta e nove anos da minha vida. 
Tempo houve que não chegava a ler seis livros por ano, o que me desgostava e inquietava.
A necessidade de trabalhar para manter níveis de produção em quantidade e qualidade impediam tal desidério, mas mesmo assim sempre fui lendo alguma coisa, mas escrever, quase só o que se relacionava com Relatórios de Produção, Requisições de Matéria Prima ou Correspondência Institucional da A C D os Lusitanos ou da Comissão Organizadora do Dia de Portugal, 10 de Junho, da qual fui relator incumbido da feitura das Atas e outras minutas e correspondência com o Consulado e Patrocinadores. 
A esta atividade dei bastante atenção e posso afirmar que lidei com portugueses de grande capacidade e honestidade, dos quais me tornei amigo e ainda hoje mantenho com todos uma relação de amizade e coincidência de pontos de vista no que se refere à Diáspora portuguesa na sua complexidade.
Vem esta introdução a propósito de um certo atavismo que sinto quando hoje o impulso latente e que reage aos desafios não se anula e me retira a vontade de participar em fóruns ou atividades, onde sei, poderia aprender algo que não aprendi no tempo passado que preenchi com o trabalho manual que sem preconceito foi o meu ganha-pão desde os meus dez anos. Apenas para dizer a quem faz o favor de me ler que um homem pode desempenhar bem a sua função profissional e desejar e até conseguir auto didaticamente cultivar o gosto por matérias que se digam culturais. Afinal "O saber não ocupa lugar". 
Não resulta do que eu digo, que me julgue um homem culto ou realizado, outrossim, que é possível, bastando o querer e ter sorte ou fortuna q.b. 
Da minha vida em Portugal, da qual tenho dado notícia nas minhas crónicas, não escreverei hoje, senão residualmente, antes falarei do tempo que se passou estando eu emigrado.
Quando cheguei a Londres e comecei a familiarizar-me com a cidade e nos meus tempos livres, concluí que ali poderia, se fosse do meu interesse, aprender muita coisa, bastando para tal eu ter curiosidade e aproveitar os tempos livres sempre que o cansaço físico ou mental, ou ambos, mo permitissem.
Assim fiz dentro de um quadro de secundarização de tal ambição. "Piano piano," fui-me aventurando por museus, galerias de arte e mais tarde, por teatros e outros espetáculos e eventos. Tive a fortuna de ter sempre por companhia as minhas amigas Gorgueira que ainda hoje me aplanam as veredas para aceder ao principal, excluindo o acessório. 
Mas as primeiras impressões indelevelmente impressas no meu espírito foram de ordem sociológica. Sempre que estávamos com amigos(as) ingleses ou que viviam lá há alguns anos, aproveitando o facto que presumi negativo de eu não falar inglês e apenas deduzir o fio da conversa, reparar que os grupos que se formavam, à mesa ou caminhando, o diálogo era fluido e jamais o que usava da palavra era interrompido enquanto não terminasse o seu raciocínio. Ora eu, ido daqui, onde cada qual pugna o mais que pode por sobrepor o seu argumento aos outros, fazendo com que ninguém se entenda por sobreposição dos discursos, dizia eu, tive tempo para ver que uma regra simples de socialização usada com sensatez facilitava o entendimento entre todos os putativos intervenientes no diálogo.
Foi a primeira coisa, utilíssima, que aprendi na Inglaterra e conservo ainda hoje, lutando contra o meu instinto primário de seguir a regra nossa que é a exceção dos outros. Foi o facto de não falar inglês que me permitiu esta descoberta que afinal deveria ser algo ensinado na família e na Escola. Vem esta particularidade a propósito, dada a recorrência cada dia mais frequente no que nós pretendemos que seja um diálogo e se transforma rapidamente em monólogo, pois de repente damos por nós a falarmos sozinhos pois falamos todos à uma. E eu que não sou propriamente um pessimista, sinto que esta é uma batalha perdida.
Dos cafés ou outros locais de encontro, onde isto se repete sem que alguém, eu incluído, tenha a lucidez de corajosamente dizer, basta, por respeito pelos outros ou apenas por acharmos que não vale a pena, erradamente, penso eu, resignamo-nos a continuarmos a achar que falar para o boneco, já que o outro não nos ouve, é um ato de grande valor social, pois o resultado final é sempre, termos dito, sem ninguém nos ter ouvido. Para concluir que assim é, basta pararmos para assistirmos a um programa de televisão, tipo Prós e Contras ou outros menos conceituados, como os de ordem futebolística ao domingo à noite e rapidamente concluímos que o que refiro é mal nacional que é urgente extirpar. 
Se ainda os Senhores da Educação, não equacionaram este problema e defeito nacional, foi tão só porque eles também são portugueses e adoram o facto de assim, como quase sempre não nos entendemos, eles poderem fazer-nos as piores malandrices que o seus brilhantes intelectos imaginam sem que da nossa parte haja discordância declarada, pois dificilmente conseguiremos entendimento entre nós, para em ação conjunta ripostarmos inequivocamente.
Era tempo de refletirmos nisto, que parece coisa de somenos importância, mas que é um defeito nosso e que nunca vi referenciado por parte da nossa "Inteligentzia ou Opinion Makers". Porquê? Respondo: -Porque estamos todos no mesmo barco, que é como quem diz, sofremos todos do mesmo mal, ou seja, todos achamos que a nossa ideia ou experiência é mais importante do que a do outro. ... 
E assim se faz Portugal, uns vão bem e outros mal! (Fausto/Madrugada dos Trapeiros / álbum)





Bragança 07/03/2019
A. O. dos Santos 
(Bombadas)

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