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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Miguel Schreck: "Temos uma cultura riquíssima, mas sinto que há coisas a desaparecer"

Na antiga prisão de Miranda do Douro, a associação Lérias "trabalha e luta todos os dias pela cultura". A toque de gaita, caixa e bombo.
Miguel Schreck no pátio da sua prisão TERESA PACHECO MIRANDA

Gaita, caixa e bombo. O nome tem que ser dito com energia e ritmo. Como a Lérias - Associação Cultural com sede na aldeia de Palaçoulo fundada em 2008 e que em 2016 recebeu o edifício da antiga prisão de Miranda do Douro para transformar numa incubadora cultural e artística. Miguel Schreck, que um dia decidiu subir o rio Douro, é hoje presidente da Lérias, uma equipa de artistas que "trabalha e luta todos os dias pela cultura".


O carro de Miguel é uma espécie de centro cultural ambulante. Entre mil adereços ainda cabemos nós e Guincho, o cão com um nome mirandês. "Significa finório", explica Miguel Schreck enquanto abre o portão da prisão. À direita estão os instrumentos espalhados pela sala de ensaios e aulas, à esquerda a sala das Las Çarandas, e a seguir o escritório da Lérias onde costumava ser a sala de convívio das mulheres (com um pátio exíguo). "Era uma cadeia mista para pequenos casos de contrabando e rixas familiares", apresenta o presidente da Associação com tantos braços como o rio. Há duas celas femininas, seis masculinas — congeladas no tempo: lavatório, persianas que são grades, mesa de dobrar presa à parede, portinhola do penico, cama de ferro, colchão esburacado de palha e a bandeirola de ferro com que os presos chamavam o carcereiro — e um corredor onde foram colados 120 cartazes das actividades de dez anos da Lérias. "Na altura do regime, houve uma comitiva de Lisboa que veio a Miranda. E houve um tocador, um grande gaiteiro aqui da terra, que resolveu assinalar o momento, tocou o hino nacional na gaita de fole e foi preso. Consideravam que tocar o hino num instrumento como a gaita era uma ofensa à pátria."
Miguel e o cão Guincho TERESA PACHECO MIRANDA

A história da Lérias também já é a história de Miguel, artista plástico e actor que em 2011 resolveu fazer uma viagem de três meses pelo Douro, "desde a foz à nascente". Parou em Miranda, onde ficou um dos três meses dessa odisseia. Encontrou um grande movimento associativista e pessoas que partilhavam o interesse pelo meio rural. "Desde miúdo que sentia uma atracção pelo meio rural. Decidi que era o sítio onde eu queria viver. Há sítios que andam a inventar coisas para serem um chamariz cultural. E em Miranda do Douro está tudo inventado. Isto é um diamante superlapidado. Isto tem uma cultura riquíssima, a língua, os pauliteiros, a gastronomia, o vestuário, a música, os instrumentos com um timbre único. Tem é um bocadinho de pó por cima."

A missão da Lérias é mesmo essa. "Tirar o pó à cultura da região." Trabalhar "à volta" dessa cultura. Dinamizar uma escola de musica tradicional que ensina pelo método antigo (os músicos da região sempre aprenderam "de ouvido, de olhar e sem a mínima noção de pauta; aprendiam sozinhos, a ir para as festas e olhar para o caixeiro e para o gaiteiro"), fazer mexer um grupo de teatro (o T.R.E.T.A.S. — Teatro Rural Experimental Terreiros Auditórios e Salões, criado juntamente com a Rita Melo e o Pedro Almeida, trabalha o imaginário rural e textos de autores transmontanos), assegurar o futuro de instrumentos tradicionais em vias de extinção (a gaita de fole está segura, a fraita tamborileira ou flauta pastoril para lá caminha) e promover todas as formas de cultura tradicional através das aldeias e vilas vizinhas (seja no formato de poesia pendurada ou no de uma escola de música itinerante). "Neste território, e apesar de as estradas serem boas, não há transportes públicos e as aldeias estão separadas por muitos quilómetros", justifica Miguel, apontando alunos desde os quatro anos com expressão musical à turma de Matela com alunos de sessenta e muitos "com muita energia e cheios de vontade de tocar".

"O principal intuito foi sempre o de promover e de assegurar esta cultura tradicional riquíssima", sublinha Miguel, que conhece a Lérias mal subiu o Douro. "Conheci e aproximei-me. Comecei como aluno de gaita de fole." Em 2016, Artur Nunes, presidente da Câmara de Miranda do Douro, desafiou a Lérias a tomar conta da prisão. "Queremos que se torne um espaço público e aberto. Mas para isso necessita de apoios financeiros", lembra o presidente da Lérias, que tem um incentivo municipal de 1200 euros anuais. "Uma vez parti uma costela e tive que fazer quase 50 quilómetros até Mogadouro. Aí senti mesmo as dificuldades. Há uma falta de investimento muito grande num país que tem uma cultura riquíssima. Aqui em Miranda a coisa é igual. Há uma noção de que Miranda do Douro é um caso único de cultura em estado puro. Mas o apoio é insuficiente."

Como a cultura tradicional, também a Lérias "vai sobrevivendo". "Somos todos voluntários. E sinto que há coisas a desaparecer. Os artesãos e as técnicas. Isto morre com as pessoas. É um cliché, mas é verdade. E há casos de sucesso. O burel, a gaita de fole. Neste momento há gaiteiros e está assegurado o futuro. Já há ensino em algumas artes, mas é uma luta iniciada por nós. É muito frágil. Há coisas que estão em risco de se perder. É um discurso tristíssimo, mas é verdade." Não são Lérias.
Obra "L gueiteiro eilectrico", de Pedro Almeida, para o projecto Voltagem EDP TERESA PACHECO MIRANDA

Esta malta está parada

Só por não haver quem cante
Agora que cheguei eu
Siga a malta p'ra diante.
Siga a malta, siga a malta
Siga a malta, trema a terra
Venha de lá quem vier
Esta malta não arreda.
Ó que ranchinho de moças
Ó que bela mocidade
Criadinhas numa vila
Parecem duma cidade.
Declamado:
Ronda ronda i torna a rundar
Apuis de la ronda bamos merendar.

Sem Fronteira
Uma reportagem feita na viagem da Fugas e P3 por Portugal: de 4 a 11 de Março vamos de autocaravana de Bragança a Fronteira ao sabor das histórias. Siga o diário de viagem e dê SUGESTÕES.

Luís Octávio Costa e Teresa Pacheco Miranda (Fotografia e vídeo)
Fugas
Jornal Público

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