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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

A Istória da Mula Preta

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)
Me alembrei hoje dum causo lá na fazenda de café, adonde ieu nací, fui criado i vivía:  num é que naceu u´a mula preta, fía da égua castanha do patrão, cum jumento véio, que parecia tár aposentado pros tróços!.

A mula era uma belezura de potranca i era ojeto de muitos agrados de tudas as pessoa que conhecêro iela.

Anssim, quár uma "minina" mimada, cunvencida da sua beleza; iela creceu cheia de "dengos", i num admitia que niguém subisse no seu lombo; nem de brincadeira!

Cum o passá do tempo, a mula ficô ainda mai bunita, i mais dengosa!

Divido às precisão de mais montaria na fazenda, chegô o dia em que decidíro domar a mula preta: foi chamado o Dito Preto, o pião dos mais-mió da região, que botô preço "sargado";mêmo anssim foi aceitado; iele marcô a doma prum sábado, às sete hora da minhã.

No tár dia, ieu i meus amiguinho da colonha da fazenda, levantemo muito cedo i fumo, um na casa de unzunzotro, chamano nossa turma, pra garantí um lugá mióde bão pra vê a doma, que asconteceu dentro do piquete (*).

Táva lá u Dito Preto, u Izartino, u Antenor, meu pai - Seu Joaquim(administrador da fazenda), minha turma (Tu, Ném, Manézinho, Ditinho, Bastião Goiaba, meu irmão Nérso i u Mané Barrinha), além dargumas cumadre de minha mãe. Tamém tava lá, num canto, o Maurinho, u maior cachacêro da região, compretamente bêbadoi mamado.

O Dito Preto se apresentô enfatiotado; de bota de cano árto marrom, tinino de brío i lustro, carça de brim cáqui, camisa amarela de tricoline i uma belezura di um lenço de seda vermêia, amarrada no pescoço. Na cintura, iele usava uma guaiaca(*) de côro preta, adonde  inté um punhár de prata i um revórve calibre 32 tavam discansano.

I deu a hora: meu pai, mandôlogo u Dito Preto para começá a doma. Convidô tamém u Izartino i u Antenor, para ajudá na lida, dano apoio pras precisão do Dito Preto, para fazê a doma. O Antenor tomô u laço trançado de oito tiras de côro, i se aperparô pra laçá a mula preta, que táva num canto do piquete, i fungava forte, tár cumo que subésse que seria vítima daquele povaréu que ali se formô. Ao que parecia, iela num ia cedê, nem ajuda, apois suas intenção, Cuma ieu pensava, era a num se deixá domá.

O Izartino foi incantuano a mula preta, estalando seu rêio (*), pra que iela ficasse numa distânça boa, pro Antenor pudê laçá iela cum mais facilidade.

Anssim, us dois conseguiro laçá a mula preta, que esperneava i iscoiceava pra tudos os lado, tentano se livrá do aperto do laço no pescoço da mula.

Nêsse intirim, entra no piquete o Dito Preto que, apesar de tudos os esforço da mula preta, conseguiu coloca nela uma rédia cum bridão i ainda conseguiu jogá uma sela no lombo da mula. Mai, quando se apreparava pra apertá a barrigueira (*), a mula vortô a curcuviá i dár coices. I ficô istabelecida aquela luta do Dito Preto cum a mula: quando iele conseguiu repôr a sela, a mula preta se conturcia i derrubava a sela! O Dito Preto, antão quis duminá a mula por força de seus músculo; mai a força da mula era muito maió de grande!

I o Dito Preto, tão afamado, se sentia duminado pela mula, invergonhado, i angustiado por ainda num tê amuntado na mula, mêmo dispois duma hora de luta.

Foi antão que u Antenor i o Izartino conseguiro infiá um saco de aniage istôpa na cabeça da mula, que por uns instante ficô sem ação;  o Dito Preto se aproveitô da ocasião, nesse intirim, muito mai que depressa, colocô a sela i apertô a barriguêra. Tàva tudo pronto pra doma!

A mula, segurada pelo Izartino i o Antenor, pelo laço i pelas rédias, bufava de raiva. Foi aí que u Dito Preto amuntô no lombo da mula preta.

I o que a mula preta fez? Se deito no chão, cum o Dito Preto amuntado nela, coisa que quase causô um acidente com as perna do peão Dito Preto que se livro, por pôco, de tê sua perna quebrada. E ai começô  u martírio du peão. O Dito subia na mula, e batia nela cum o rabo-de-tatu (*), mai a mula num se alevantava, só ficava abanado as zorêia, em sinár de grande revórta.

I mai uma hora se passô, indesde que a mula se deitô tuda arriada i cum o Dito Preto amuntado na sua cacunda.

Já passava das deiz hora da minhã, i a doma parecia que nunca mai ía sê feita. Tudos távam cós nervo, cum a mamparra da mula preta, tanto que argumas muié já táva inté se desinteressano; ielas queria í pra casa i aperpará u armoço do sábado. Ieu i meus amiguinho, cumeçamo a achá tudo aquilo sem graça e cumeçamo a tratá de fazê um jogo de futebol, lá na Colonha (*).

Foi ai antão que arguma coisa assucedeu! O Maurinho, u bêbado mais bêbado da região, curtido em pinga, acordo. Iele drumiu purquê tinha perdido u interesse em acompanhá a lengalenga de colocá a sela i apertá a barrigueira na mula; dispois sortá a barriguêra e tirá as ela, dispois botá a sela e apertá a bariguêra.... .

O Maurinho, que acabô de acordá dispois de um cochilo rápido, se inteirô do evento naquele momento, viu o esforço de tudo mundo pra que a mula preta se alevantasse do chão pra que o pião Dito Preto tivesse antão a chancha de fazê a doma, cumo tratado i esperado. As gente que ali táva inté aquela hora, táva desesperançosa i certa que a doma num se realizava.

Aí, o Maurinho vai até o peão, que sem pisca um ôio, táva sentado na sela, mêmocuma mula deitada no chão. Antão, o Maurinho fala arguma coisa nos ovídos do Dito Preto; b em no pé-da-orêia.

Dispois disso, ieu sei porque ieu vi, u pião desmontô da mula i se afasto inté aonde nóis táva; ieu i a minha turma. Perguntei ao Dito Preto:

- O quê que o Maurinho te falô?

- Ocê há de vê cum seus zóio; respondeu o pião.

Lá no meio do piquete, no locár adonde táva deitada a mula preta, vimo, cum esses zóio que a terra há de comê, o seguinte: o Maurinho se abaxô, aparpô us borso i, muito perto da zorêia da mula, parecia tár dizeno arguma coisa pra mula; parecia mêmo tár rezano! Iscundido, o Maurinho fez sinár pro Dito Preto í inté lá i amuntar de novo na mula; i o Dito Preto, mêmo cum a mula deitada, amuntô em riba da hora!

O Maurinho se agachô mai uma veiz i falô arguma coisa muito dijunto da zorêia da mula. Houve antão uma exprosão de grito, hurra i muita, formando um grande banzé, que inté os cachorro da fazenda cumparecêro, fazeno forrobodó, pra sabê de que se tratava. A mula preta táva de pé, i na cacunda dela táva o incríve pião Dito Preto, que segurava as rédia cum firmeza. Carcô as espora na mula i feiz a mula preta gemê de raiva e de dor. Pôcos minutos dispois, a mula preta táva totarmente susjugada pelo Dito Peto que, para prová a doma, feiz cum que o Izartino i o Antenor, um de cada vez, desse uma vórta amuntado na mula.

A mula preta táva domada; finarmente!

O Dito Preto enxugava a testa moiada de suor, quando nóis cheguemo perto dele,ique ieu fiz uma pergunta pra iele:

- O quê que o Maurinho disse pra que a mula preta dexasse de mamparra (*), parasse de fingí i se levantá pra que vancê pudesse fazer a doma?

- É que ocêis num viro: iele táva cum um pito acesso na boca i tacô fogo na orêia da pobre da mula preta. Inté ieu fiquei com dó da coitada, que teve que se alevantá!

- Enfim, isso são memórias da minha infância.


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

Glossário:(*)

- Barriguêra: apetrecho de material forte e macio, que é colocado sob a barriga da montaria e amarrada por tiras de couro. É a barrigueira que prende a sela ao animal

- Piquete: espécie de curral cercado por tábuas, onde o gado fica aguardando para ser vacinado, marcado ou separado devido convalescência.

- Guaiaca: espécie de cinto dotado de pequenas bolsas, onde o caipira leva dinheiro, fumo, binga (*), palha de cigarro, canivete, punhal, revólver e etc..

- Rêio: espécie de chicote feito de tiras trançadas de couro, dotado de um cabo de madeira.

- Colonha: agrupamento de casas, onde moram os "colonos", ou seja, as pessoas que fazem o trabalho principal da fazenda que é plantar, cuidar e colher café.

- Binga: isqueiro rudimentar, cujo pavio pode ser de barbante ou tiras torcidas de tecido. Usa como combustível querosene ou gasolina. Um dispositivo mecânico em contato com uma pedra de silício, quando acionado, faz a ignição a partir de fagulhas, provocando a combustão do pavio.

- Rabo-de-tatu: chicote curto, cujo corpo é uma tala plana de dupla face de couro costurada, dotada de uma argola e cabo de couro trançado, que se leva às mãos e algumas talas (fitas) de couro na extremidade, para atiçar a montaria.

- Mamparra: fingimento; confrontamento; comportamento teatral.

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