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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 31 de maio de 2019

MEDIDAS DE PROFILAXIA. O CEMITÉRIO PÚBLICO

Os progressos continuados das ciências médicas e a sua divulgação por diversos meios fortaleceram a consciência sobre o valor e efeitos das medidas preventivas contra a doença e em prol da saúde pública. Entre os argumentos que pretendiam fomentar a sua preservação inscreviam-se as orientações tomadas em junho de 1832, as quais relegavam a venda de carnes frescas para localizações específicas, sempre afastadas do núcleo urbano, como as que ficavam “adiante da cruz da Rua do Loreto, outra nos palheiros do Terreiro de Santo António e nos campos defronte da Capela de S. Sebastião ou nos açougues aonde era costume, nos quais sempre conservaram os matadouros”. Independentemente dos maus cheiros e das sujidades resultantes da atividade, só por si, a resolução municipal permite concluir sobre as condições em que os animais eram abatidos e sobre a conservação rudimentar das matérias alimentícias.
Capela de S. Sebastião em Bragança
Por outro lado, as medidas profiláticas eram mais incisivas quando havia rebate de epidemia, que às vezes se anunciava ter origem no reino vizinho. Foi o medo da cólera que aconselhou a vereação que estava em exercício em 16 de setembro de 1834 a tomar diversas medidas. Destacamos: proceder à limpeza geral de toda a Cidade, tirando os entulhos e imundícies “que existirem nas testadas das casas”, devendo os moradores transportá-los para fora da Cidade; impedir que os porcos vagueassem pelas ruas; remover o matadouro da casa que ocupava, no prazo de três dias, para “a Quinta do Ferreira no sítio da Coxa de Trás do Forte”, nos subúrbios da Cidade; proibir o lançamento para a rua de imundícies e de águas sujas, antes da meia-noite.
O primeiro e último destes quatro pontos parecem-nos especialmente elucidativos e podem ser complementados com os efeitos de certas práticas profissionais. Como exemplo, podemos nomear Pedro Videira, mestre ferrador que exercia o ofício em plena Rua da Amargura, uma vez que a sua recusa em “tirar o banco que tem no fundo da rua”, responsável pelo embaraço do trânsito de gente, obrigou-o a desembolsar 6 000 réis para pagamento de uma multa. Sem preocupações de sermos exaustivos, pretendemos afirmar que um simples percurso urbano podia apresentar dificuldades de vária ordem a quem transitava a pé ou a cavalo. Contudo, na maioria dos arruamentos, o desconforto seria muito maior em dias de chuva, pois os pavimentos de terra batida rapidamente se transformavam em grandes lodaçais. Note-se, no entanto, que um ambiente tão cáustico não coloca Bragança no rol das singularidades urbanas, uma vez que o retrato traduz integralmente o quadro urbano nacional, sem exclusão dos centros em que os requintes e modismos de importação primeiro seduziam os salões e afetavam as atitudes.
Cemitério do Toural em Bragança
Outras razões trouxeram para um plano de destaque o tema dos cemitérios. A ideia não era completamente nova mas a sua localização extra-urbe ia além do triunfo mundividencial das perspetivas higienicistas, visto que o corpo e a morte, tradicionalmente na esfera da Igreja, resvalavam para a administração política e organizativa da sociedade. Curiosamente, em 1833, a Câmara de Bragança debruçou-se sobre um requerimento do bispo, D. José António da Silva Rebelo, em que considerava a falta que havia de um cemitério “fora desta Cidade”, destinado principalmente para os recrutas que faleciam nos hospitais locais. Enquanto o Município refletia sobre o terreno mais adequado para o efeito, avançava com a autorização de se fazerem inumações dos recrutas que morressem, no adro da Capela de S. Sebastião, de que a Câmara era padroeira. Em outubro do ano seguinte, a Câmara voltou a tratar o mesmo assunto, agora em resposta a um ofício emanado da Prefeitura da Província de Trás-os-Montes, decidindo “que se fizesse um só cemitério no Sítio da Trajinha, no Alto do Sapato, por ser mais central para toda a Cidade”. Em novembro de 1835, uma comissão de louvados avaliou o terreno em 100 000 réis, e em dezembro do ano seguinte faziam-se diligências para que a vereação não faltasse com o dinheiro necessário para a continuidade das obras que deviam ter sido concluídas pouco antes de novembro de 1837, altura em que se mandou passar uma portaria de 48 834 réis do resto que se devia ao arrematante da obra. O cemitério de Bragança acabou por ser construído entre 1838-1839.
Assim se desenhou uma nova referência espacial que se associava a uma poderosa mudança de mentalidades, visto que os enterros deixariam de se fazer nas igrejas e nos seus adros. Há poucos anos, no âmbito do programa Polis, quando os arruamentos situados no casco antigo da Cidade sofreram uma intervenção profunda, causou grande admiração o aparecimento de ossadas humanas sob o pavimento do trânsito, junto das igrejas. Gerações sucessivas habituaram-se a ver essas igrejas sem adro e por isso nunca refletiram sobre a importância do sagrado e da relação com a morte, usualmente preparada com antecedência, que, sucessivamente, levou muitos dos nossos antepassados a fazerem-se sepultar junto dos santos a que votavam mais devoção. Por isso, terá interesse deixarmos uma nota relativa à existência do adro da Igreja da Misericórdia, um espaço que iria desaparecer em resultado do processo de regularização das ruas da Cidade.
Seria em novembro de 1867, na sequência da reconstrução da calçada da Rua de Santa Clara, que se iriam perfilar certos desentendimentos entre a Câmara e a Santa Casa da Misericórdia, essencialmente por causa do adro da Igreja.
Igreja da Misericórdia em Bragança
Interessa-nos a parte em que a Irmandade declarava estar na “posse de mais de noventa anos”, “da regalia do adro que se pretende demolir” para o melhoramento da rua. Estabelecida a indemnização, demorou a ser paga e foi preciso que o provedor, em junho de 1868, esgrimisse os efeitos de uma conjuntura pouco favorável, dando a conhecer ao Município as dificuldades que passavam para continuarem a manter o hospital aberto. A crueza da realidade permitiu recordar a existência de dívidas que foram saldadas depois de se passar “uma portaria em favor da Santa Casa pela quantia de cento e cinquenta mil réis valor da indemnização do adro da igreja que… foi desfeito”.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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