quinta-feira, 30 de maio de 2019

Aceder à Cidade de Bragança e Circular no seu Interior

Durante grande parte do ano, percorrer os caminhos que levavam à Cidade era um mar de dificuldades e as deslocações no seu interior não eram nada cómodas. Para minorar os incómodos é que se lançaram obras que, em última análise, visavam tornar menos penosas essas deslocações. Desta maneira, justificavam-se as ordens emanadas da sessão municipal em 9 de setembro de 1829 e que deviam ir ter à casa dos juízes das povoações de Vila Nova, Carragosa, Soutelo, Cova de Lua, Vilarinho, Terroso, Parâmio, Maçãs, Fontes Trasbaceiro, Zeive e Mofreita, informando-os da obrigatoriedade de enviarem à Cidade de Bragança, a partir de 14 de setembro e todos os dias até ordem em contrário, um homem preparado com enxadões, enxadas largas e pás para trabalhar nas obras dos caminhos que “saem desta Cidade para Vila Nova” e se prolongavam para aquelas aldeias. Dez tostões era a pena estipulada para punir os juízes incumpridores.

Independentemente de algumas faltas sistemáticas poderem ser interpretadas como uma forma de resistência aos trabalhos coletivos, importa referir a nomeação como “inspetor das obras das ruas, calçadas e caminhos” do major de Artilharia, já reformado, Miguel José Pinto Castelhinho, cuja competência devia estar ligada às funções que exerceu enquanto diretor das obras militares.
Idêntica fórmula seria praticada para se reunir a mão-de-obra necessária para se poder levar a efeito o calcetamento de algumas ruas de Bragança. Seguindo os costumes, na mesma sessão de 9 de setembro de 1829, ordenou-se aos juízes das aldeias de Grandais, Lagomar, Fontes Barrosas, Portela, Castrelos, Castro de Avelãs, Formil, Conlelas, Alimonde, Samil e S. Pedro para enviarem, de cada povoação, dois carros (de bois) a apanhar seixo de Trás do Forte (de S. João de Deus) ou aonde o houver para se comporem as ruas”. Ao mesmo tempo, três pedreiros ocupar-se-iam “a arrancar pedra para a obra de um cano que se há de abrir” em toda a extensão da Rua dos Oleiros e entre a Praça da Sé e a Praça de S. Vicente.
Cerca de um ano depois, decidiu-se a suspensão das obras das calçadas, “por não haver dinheiro para elas”.
Porém, a receita permitiria “crescer um muro de pedra na frente de baixo da cadeia”, uma obra fiscalizada por João António Fernandes, que ganhou 200 réis por dia. No ano seguinte, em 1831, Agostinho José Fonseca foi nomeado em substituição de José António Fernandes, que não aceitou o cargo por causa das reparações que se iam realizar na Calçada da Costa Pequena, “por uma e outra parte do sol e da sombra e limpeza e abertura dos canos” da mesma rua, no troço compreendido entre a residência de João Joaquim Pereira do Lago, coronel de Infantaria n.º 24, e o Corpo da Guarda Principal, na Praça de S. Vicente. No conjunto de trabalhos programados também se incluía o “desentulho” e limpeza da travessa de ligação da Costa Pequena à Rua da Amargura. Na limpeza e na condução de materiais pétreos para estas obras a participação popular era muito importante. Contudo, o pagamento aos oficiais mecânicos que trabalhavam nas calçadas corria pelo imposto do real que incidia sobre a carne e vinho que se vendia nas tabernas. Assim se modernizavam estes arruamentos que, em agosto, depois da ordem para se porem a lanços, irão estender-se à Rua dos Oleiros.
Tal como nos nossos dias sucede quando se trata de obras que vão ao encontro do interesse público, por um ou outro motivo, verificam-se opiniões desencontradas entre os membros da comunidade. José Bernardo de Figueiredo Sarmento, vereador, deu voz ao seu descontentamento sobre a forma como se pagavam os trabalhos das calçadas. Na sua opinião, deviam ser os próprios moradores a custear a expensas próprias os trabalhos no espaço público fronteiro às suas casas de morada, reservando-se a aplicação do real unicamente para as calçadas das praças públicas, fontes, pontes e passeios públicos da urbe. O argumento relativo à supremacia do interesse coletivo e o primado da legalidade seriam invocados no verão de 1832, a propósito da obra do cano de saneamento e águas pluviais da Rua de Trás, porque esta obra, além de não estar abrangida pelo real, nos termos da concessão que o Rei tinha assinado para a Ponte do Loreto, muito arruinada pela cheia ocorrida no início do século, também não tinha sido arrematada em hasta pública e, além disso, alguns particulares influentes saíam mais favorecidos do que a generalidades dos moradores.
Em tempo invernoso, qualquer córrego se pode transformar num obstáculo intransponível. Por isso será escusado justificar a utilidade de uma ponte. Não cuidaremos das dificuldades técnicas e das quantias que reclamavam quando se efetuavam grandes reparações. Mas, enquanto obras de interesse geral, eram em regra financiadas pelo recurso ao lançamento de uma finta e não dispensavam o envolvimento dos moradores das povoações confinantes. Foi o que sucedeu com a Ponte de Castrelos, sobre o Rio Baceiro, na estrada que ligava Bragança a Vinhais e Chaves. Os 54 160 réis da empreitada seriam provenientes de uma finta e os braços para o trabalho, embora pagos a 300 réis no máximo, recrutar-se-iam em Grandais, Fontes Barrosas, Castro de Avelãs, Formil, Nogueira, Alimonde, Carrazedo, Zoio, Martim, Refóios, Melhe, Vila Boa de Ousilhão, Ousilhão e Edrosa.
Já na primavera de 1839, Manuel da Lama e Januário de Carvalho obrigaram-se a fazer reparações nas guardas e calçada da Ponte de Valbom enquanto os moradores de Babe e de São Julião se deviam encarregar da reparação da estrada da Ponte das Carvas, à entrada da Cidade. Apesar de estar mais longe, a Ponte de Remondes não deixava de ser uma passagem importantíssima para o fomento regional. Por isso, na sessão municipal de 16 de dezembro de 1840 foi lançada uma derrama de 123 000 réis para a sua reparação. De menos custo teriam sido as obras que, no ano seguinte, se efetuaram na Ponte de Castro de Avelãs. Já no aro da Cidade, em 1839, reparava-se a Fonte do Jorge e pouco depois de, junto à Ponte das Ferrarias ou de Quintela, se ter concedido terreno para o adro da capela do Senhor dos Aflitos, davam-se, em 1842, 32$000 réis ao mestre pedreiro Manuel de Lama para reparar a Fonte da Bica, no Alcaide722. Dois anos depois, por obras nesta fonte e na de Vale de Álvaro, entregava-se a António Carrazedo e Pedro Lopes, mestres pedreiros, a quantia de 58$000 réis.

No âmbito do que se considerava serem trabalhos com alcance no capítulo dos melhoramentos públicos, contavam-se o paredão das Eiras, empreendimento que a partir de 1840 visou a regularização deste espaço, a Calçada de Santo António e o cano de saneamento da Rua de Trás, empreitadas lançadas dois anos mais tarde. Estas medidas conjugavam-se com outras que, através de maiores exigências e de mais disciplina sobre alguns comportamentos coletivos, ambicionavam, em última análise, ampliar o cunho urbano, recortando-o sobre as inúmeras persistências da ruralidade. Foi nesta perspetiva que, em 1840, se solicitaram os ofícios do Administrador do Concelho para mandar aprontar dois carros “para a limpeza das ruas” e outros dois “para apanhar pedra para a Calçada da Vila”. Orientações e objetivos semelhantes à intimação dirigida aos “donos das casas que têm saída para a Estacada”

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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