quarta-feira, 29 de maio de 2019

O Corpo da Guarda Velho e a RUA do ESPÍRITO SANTO em Bragança

Interessa-nos, porém, insistir que algumas ruturas introduzidas pela Revolução Liberal, apesar do relativo radicalismo, não invalidaram que a vida social, incluindo o lazer e a festa, continuasse a ser pautada por certas regras de convivência que, por sua vez, implicavam o controlo e o combate às ações individuais ou coletivas que as pudessem fazer perigar.

Edifício do Corpo da Guarda Principal

Tumultos, banditismo e roubos, circulação de estrangeiros e desconhecidos são alguns exemplos que justificavam a presença de um corpo de segurança incumbido de velar pela tranquilidade do quotidiano. Nesta perspetiva, o privado e o público cruzavam-se com o poder que estava cometido ao Corpo da Guarda, um organismo do domínio militar dotado de funções policiais, o que justificava a presença de uma prisão nas suas instalações. Por outro lado, interessa-nos a circunstância da sede desta instituição se implantar numa rua pública, a Rua do Espírito Santo, numa casa com pouco espaço disponível, que em nada se distinguia das outras habitações com caráter residencial que definiam o arruamento. A casa interessa-nos, sobretudo, pela sua articulação com a rua e com as transformações que iriam acontecer e ainda porque, quando se decidiu a sua mudança para um edifício novo que se construiu de raiz, optou-se por um espaço tradicional, relativamente bem consolidado na malha urbana.
O sítio da implantação do Corpo da Guarda Velho também não mostrava cuidados particulares, apesar de compreender a existência de algum espaço livre na sua frente principal. Seria justamente para se ganhar comodidade que, nos últimos anos do século XVIII, se decidiu a construção de novas instalações que observaram no seu delineamento a tríade albertiana firmitas, utilitas, venustas. Apesar da considerável envergadura física deste edifício, para a sua implantação não houve a preocupação de se procurar um sítio que pudesse polarizar algum movimento de renovação urbana. Mais uma vez, preferiu-se a malha exterior ao castelo mas interior à antiga grande barreira da Cidade, optando-se por um dos lados da Praça de S. Vicente, ocupando-se, talvez em parte, a superfície onde estava a antiga casa da Alfândega. Embora se possa admitir que as obras de construção pudessem ter sido iniciadas ainda no século XVIII, o seu crescimento, pautado pelos desenhos do engenheiro militar José de Morais Antas, ocorreu já sob as luzes da nova centúria.
Com este lance foi possível substituir as antigas instalações da Rua do Espírito Santo que, uma vez alienadas, acabaram por ir parar à posse da Santa Casa da Misericórdia. No início da segunda metade do século XIX, a casa da primeira sede do Corpo da Guarda voltaria a estar em foco por causa de algumas medidas de reordenamento urbano que a Câmara intentava pôr em marcha, especialmente direcionadas para a correção do perfil de alguns arruamentos e para as questões de higiene pública.
Na sessão realizada em 3 de setembro de 1856, no âmbito de considerações relativas à Rua do Espírito Santo, “uma das melhores da Cidade”, os vereadores ressaltavam a existências de acidentes e a forma como o casario desta rua estava longe do alinhamento atual. De facto, todos reconheciam que a rua “se acha deformada e deturpada com a saliência da casa chamada o Corpo da Guarda Velho e com o coberto da de António Claudino Rodrigues”.
Na ata desta sessão explicitava-se bem como o alpendre da casa de António Claudino representava um problema sério, por “tolhe[r] a vista da mesma rua”, tal como era problemático o recanto existente junto ao Corpo da Guarda Velho, sistematicamente convertido em “depósito de imundície, que a maior diligência não pode evitar, e favorece além disso a prática de atos indecentes e desonestos”. Impondo-se a realização de melhoramentos naquela artéria, livrando-a “daquele deturpamento”, a Câmara deliberou: “comprar ou haver por qualquer meio da Santa Casa da Misericórdia o domínio direto daquela casa do Corpo da Guarda Velho, que lhe rende a pensão anual de doze mil réis”; “contratar com o enfiteuta João Baptista de Carvalho, e com o dito António Claudino, a cedência de parte da casa e o coberto, que têm de ser demolidos mediante uma indemnização justa ou pedir judicialmente as suas expropriações”; “obtida que seja uma e outra coisa, ordenar-se a demolição da casa e coberto, de maneira que se restitua à rua pública a porção do terreno que as casas ocupam fora do alinhamento e perfil da mesma rua”.
Esta decisão foi levada a cabo, como se conclui de um assento de despesa no valor de 400$000, “para a demolição e reedificação do alpendre de António Claudino Rodrigues e casa de João Baptista de Carvalho [marceneiro, que vivia no Corpo da Guarda Velho] na Rua do Espírito Santo para aformoseamento da mesma [rua]”. Por conseguinte, era em nome do alinhamento das ruas que se eliminava o alpendre de uma habitação.
Estes elementos e soluções construtivas eram relativamente frequentes nos nossos aglomerados populacionais.
Umas vezes eram fonte de embaraço para a circulação, outras vezes, pelos seus materiais e pela qualidade da sua fábrica, acrescentavam caráter às casas e espaços públicos onde tinham sido construídos – nesta segunda asserção, valerá a pena darmos nota do interesse da Câmara Municipal pela “aquisição de um alpendre situado no Largo da Praça de Santiago na cidadela para o aformoseamento da mesma”. Decidida a compra, na sessão de 6 de dezembro de 1858, nomearam-se os louvados para procederem à avaliação de custos, achando-se ser justo o pagamento de 24 000$000 réis aos proprietários da casa onde se encontrava o alpendre, José António Ribeiro, cabo de veteranos, e sua mulher, Emília da Assunção. Que o alpendre estava em uso, vê-se pela notícia de venda, nomeadamente quando se escreveu que “está na frente” da casa dos vendedores, naquela que será a praça mais antiga de Bragança, agora já com a sua importância muito limitada.
Face ao interesse da edilidade, presume-se que se tratava de uma obra de pedraria que se impunha pela conjugação harmoniosa dos elementos arquitetónicos e talvez pelo programa decorativo de que não se fez qualquer menção. Nada mais se sabe a respeito desta obra que, mais tarde, acabaria por ser desmontada e seguir outro destino. Em todo o caso, mesmo sendo vaga, a hipótese de alguns dos seus elementos terem sido incorporados posteriormente num dos corpos do edifício do antigo Paço Episcopal não deve ficar excluída.
Seja como for, a configuração geral e a tendência para o delineamento retilíneo da intervenção urbanística foi matéria que, a partir da segunda metade do século XIX, esteve no centro das preocupações de sucessivos executivos municipais. Neste programa também se dava atenção aos edifícios problemáticos quanto à segurança das pessoas e das construções com que confinavam. Neste sentido, destaquem-se os exemplos de uma casa sita na Rua dos Oleiros, onde vivia o carpinteiro António de Castro, a qual, pela sua ruína, tornava previsível o desabamento, “com prejuízo da segurança de indivíduos, mas também da casa que lhe fica superior”. 
Avaliado o problema, não houve dúvidas de maior em se deferir, na sessão de 26 de março de 1857, a demolição da fachada principal deste edifício. Outro exemplo, tratado na mesma reunião, respeitava a outra casa com frontaria para a Praça do Colégio ou Praça da Sé e que era propriedade de Francisco de Assis Barata.
Uma das razões que sustentavam a importância desta Praça decorria do papel que desempenhava na articulação com os acessos para algumas povoações do Concelho e com os itinerários que levavam às vilas e cidades mais distantes. Por isso, era indispensável que tanto a Praça como as principais artérias urbanas se modernizassem para serem mais cómodas e também para causarem boa impressão aos forasteiros que demandavam a urbe. Daí o ânimo em se continuar, com custos suportados pela Câmara e pelo cofre das Obras Públicas, a obra da rua “construída a Mac-Adam que da Ponte do Loreto vem à Praça do Colégio”, mais tarde, denominada Rua Alexandre Herculano.
Seria nesta mesma sessão municipal, realizada em 31 de outubro de 1860, que as atenções dos homens da governança se detiveram na folha em que estava riscada uma planta destinada ao novo edifício para acomodar a Câmara.
Um tema antigo pois, como já foi dito. Se em 1840 se chegou a deliberar a transferência das sessões para o edifício do Paço Episcopal, a partir de 1843, o Barracão das Eiras com as respetivas valências institucionais, de lazer e de comércio, passou a marcar a ordem do dia.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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