(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Ainda não há muitos anos, passei neste lugar, apetece-me dizer: -Abençoado por Deus e bonito por natureza, caminhando junto de alguns amigos e sem que fosse capaz de o evitar, caiu- me uma lágrima de saudade quando olhei para o interior da Capelinha. Tudo que havia na capela e sua envolvente, creio estar lá, pois me pareceu que alguém da aldeia continua a tratar com amor e frequência deste património, que durante gerações foi local de visita, religiosidade e convívio, no segundo domingo depois da Páscoa. Descia o verdadeiro povo da cidade a Fonte (de?) Arcada, carregando farnel sortido e distribuía-se pelas sombras das árvores junto à Ribeira, colocando toalhas, tachos e pratos que davam um colorido e alegria ao lugar que continua gravado na minha memória e creio, na de muitos dos meus condiscípulos que como eu, adoravam passar o dia naquele local que continua aprazível, mas por razões de mudança de paradigma se encontra, neste que foi o seu tempo, deserto.
Não vou criticar, ou mesmo ajuizar das razões que levaram ao abandono desta festividade, pois me parece que foram muitas as razões e não uma só. Apenas relembrarei algumas memórias que cronologicamente estarão até misturadas no meu cérebro mas que constituem o elo de ligação que me prende aos que recordo com saudade e aos outros que ainda permanecem, mas que, como eu, já não vão ao S.Jorge.
Falta dizer que o tempo do Folar terminava no domingo da Festa do S.Jorge. O Folar é uma tradição enraizada nas gentes brigantinas, que a mudança do tempo e do modo não desalojou. Antes passou de delícia, comida apenas num certo tempo bem definido, para o fabrico e presença diária na mesa dos brigantinos.
Em casa dos meus pais havia, nesse tempo, um Folar que cozido no Sábado de Aleluia, como todos os outros, era separado, embrulhado numa toalha de mesa e colocado em cima do armário, destinado a ser consumido no domingo "de Jorge". Nem todos os anos a família ía à resta do S.Jorge e nesse caso o dito era consumido à mesa em casa, direi, com a parcimónia com que se consomem as últimas vitualhas do farnel em tempo de contenção. Era sabido que só no ano seguinte voltava a haver Folar e encerrava ali o mágico tempo da Páscoa. Ora nestes domingos em que o grupo familiar estava ausente, juntávamo-nos uns quantos garotos e lá íamos de romaria ao S.Jorge, rapazes e raparigas que seguindo a estrada ou usando os atalhos que passavam pela Quinta do Calaia, chegávamos ofegantes ao local onde os amigos e conhecidas haviam já prantado o farnel e exibindo-o com orgulho convidavam os amigos a partilharem as delícias que enumero como as que mais populares eram, no tempo em que as mulheres cozinhavam, quais fadas de mãos de oiro e paciência infinita.
A saber: bifinhos de vitela panados, coxas de frango fritas, bolinhos de bacalhau, bôla de sardinha, peixinhos do rio fritos, trutas de escabeche e até caldo-verde que costumava fechar o repasto acompanhado do último "carolo" de Folar. O vinho que era palhete, deixava-se a refrescar na água da ribeira onde o poço fosse mais fundo e com pano de cozinha ou toalha velha embrulhada na vasilha, conservava-o no "ponto do rebuçado “ para a hora da degustação.
Havia também laranjada Castelo que fabricava o Daniel das Laranjadas e onde pontificava o meu vizinho Zé Espanhol que era marido da Corina da tia Cândida Ramires, homem pequeno, mas de Alma grande, que adorava o Desportivo, e que era um exemplo de trabalhador e homem bom.
Recordo as faces risonhas e afogueadas de calor da gente do tio Cachimbo, do Senhor Adriano Manco (Adriano Carneiro), do Garrido, do Gigantone ( Gonçalves ) que de mangas arregaçadas, conduto na mão esquerda e Palaçoulo na direita faziam a festa repartindo com amigos e conhecidos.
O tempo em regra era já quente e a sombra das árvores misturada com o fresco da Ribeira, após merenda desta envergadura, exercia o efeito anestesiante que fazia a cabeça pender para o peito e cerrar os olhos dormindo o sono dos justos depois de bem comidos e melhor bebidos.
Recordo hoje a última vez que fui ao S.Jorge, creio no ano em que fui para a tropa, 1970.
Vieram passar uns dias de férias a Bragança, o Micá e o seu irmão Telmo Trincha, que viviam em Lourenço Marques em tal ocasião. Grandes amigos e dois lídimos brigantinos, não poderíamos deixar em branco a ocasião e combinámos a ida ao S.Jorge um grupo alargado de amigos, que recordo eram: o meu irmão Armando, Garrido, Conés, Álvaro Broco, Zé e Manuel Reis irmãos do João Reis, o Fernando Reis filho do Zé, eu próprio, que confecionei o Folar e mais uns quantos homens que tinham relação com a família do patriarca Adriano Carneiro que se quedou por Moçambique e de quem todos tínhamos grandes saudades. Fomos então para o S.Jorge e como por causa de despedida fizemos um dia que foi uma glória ao verdadeiro convívio fraterno que só gente que cultiva a arte de ser bragançano, pode eventualmente reproduzir.
A merenda exceto o Folar foi confecionado no Restaurante Sport, do amigo Zé Machado tendo a D.Natália caprichado e o Zé das Graças (cara-de-apito) feito o acompanhamento profissional, fechando o dia com chave de ouro e recordação para o resto da vida.
A maioria dos mencionados já não diz presente, mas eu e os que ainda cá andamos, jamais deixaremos de lembrar o "Último São Jorge " que celebrámos antes da tradição se perder.
Falta dizer que sempre que fui ao São Jorge, assisti e participei nas cerimónias religiosas que diga-se em abono da verdade eram Dignas e Piedosas. A imagem do Santo garbosamente montado no seu cavalo e que em posição fletida utiliza a lança para derrotar o dragão é uma das que eu mais gosto de todas as que a Igreja venera nos seus altares. A festa do São Jorge é a que mais recordo das festas da minha infância e juventude.
Bragança , 02/Maio /2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)
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