quarta-feira, 18 de setembro de 2019

O AMO, O CRIADO E O QUEIJO

Havia certo senhor, muito abastado, que tinha numa das suas quintas um caseiro, por quem tinha uma certa consideração, por este ser muito sério nas suas contas. Acontecia que, quando o caseiro não podia ir a casa do amo prestar contas, por afazeres ou qualquer outro motivo, mandava o filho mais velho, por este também já ser competente do que lhe incumbiam. Um dia, o pai diz ao filho:
- Zé, amanhã vais levar esta importância ao amo, e como vais levar--lhe dinheiro, é capaz de te pôr de comer. Aceitas, mas se às vezes te puser queijo, e que esteja inteiro, é melhor não o «incertares» porque parece mal. Lá aguentas mais um bocado, e vens comer a casa. Ora isto era o que o amo queria, pois parece que era mais apertado do que uma «abífora». Tantas vezes o Zé foi levar as contas ao amo, como este lhe punha de comer, mas sempre um queijo inteiro. E o pobre do rapaz, vinha sempre em branco, e como se costuma dizer com os cantares do Verão. E quando o bom do Zé chegava a casa, o pai lhe perguntava:
- Então, rapaz, comestes?
«Num» senhor. O amo põe-me sempre o queijo inteiro, e eu, já se sabe, não lhe toco, e boa fome que trago.
Diz-lhe o pai:
- Deixa que para a próxima vou lá eu.
E assim foi. As próximas contas a prestar, foi lá o bom do caseiro. E lá estava o dito queijo inteiro, que o amo lhe pôs na frente ao seu fiel criado.
- Coma, diz o amo.
O caseiro, que já estava bem avisado com o que se tinha passado já tantas vezes com o filho, o que fez?
Pegou no queijo e partiu-o em quatro partes iguais. O amo viu aquilo, e ficou espantado, dizendo:
- Olha que isso é queijo. Resposta imediata do caseiro. Bem o beijo. E comeu a primeira parte. Pegou na segunda, e o amo mais admirado ficou, e disse:
- Este é caro.
O criado respondeu:
- Mas vale bem o dinheiro.
- O amo já nem acreditava no que via, pois o caseiro pegou na terceira parte, e o amo diz-lhe:
- Olha que só tenho este. P’rá agora chega, diz o criado.
- Em face do que o amo estava a ver, foi ao curral onde se encontrava o cavalo preso, e soltou-o de propósito. Veio junto do criado, que já se preparava para comer a quarta parte e disse-lhe:
- O cavalo soltou-se e vai-se embora, e já não o agarras. Diz o criado, metendo a última parte ao bolso. Então vou andando e comendo.
- Este chegou para o amo. Daí em diante, o patrão já punha de comer aos seus criados, mas nunca um queijo inteiro.
Será certo? Talvez! Contada ao serão por minha avó materna, em 1932.

RECOLHA (1985) de Maria Assunção Pereira Rodrigues – Serra de Nogueira.

FICHA TÉCNICA:
Título: CANCIONEIRO TRANSMONTANO 2005
Autor do projecto: CHRYS CHRYSTELLO
Fotografia e design: LUÍS CANOTILHO
Pintura: HELENA CANOTILHO (capa e início dos capítulos)
Edição: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BRAGANÇA
Recolha de textos 2005: EDUARDO ALVES E SANDRA ROCHA
Recolha de textos 1985: BELARMINO AUGUSTO AFONSO
Na edição de 1985: ilustrações de José Amaro
Edição de 1985: DELEGAÇÃO DA JUNTA CENTRAL DAS CASAS DO POVO DE
BRAGANÇA, ELEUTÉRIO ALVES e NARCISO GOMES
Transcrição musical 1985: ALBERTO ANÍBAL FERREIRA
Iimpressão e acabamento: ROCHA ARTES GRÁFICAS, V. N. GAIA

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