Dois pastores conduziam o gado para a pastagem e encontram-se ao passar no campo da bola. Cada um deles tinha um grande carneiro que, ao encontrar-se, não resistiram a uma luta e começaram a marrar um contra o outro a ponto do resto do gado se afastar consideravelmente. Enquanto lutavam aproximou-se um lobo faminto e estafado da caminhada, que lhes falou:
- Bom dia compadres carneiros!
E eles responderam:
- Bom dia compadre lobo!
- Venho tão cansado e cheio de fome que vou ter de vos comer.
- Tem graça, até estamos de acordo que nos comas, mas tens de nos deixar definir isto aqui. É que temos esta leira para dividir pelos dois e temos de fazer este trabalho para saber o que toca a cada um.
-Ah! Tendes razão. Então vá, acabem lá o serviço porque estou com muita fome.
E diz um dos carneiros:
- Então tu vais sentar-te aqui, o meu companheiro vai afastar-se até lá para trás e eu vou afastar-me também, depois vimos os dois a correr e o primeiro a chegar aqui é porque a leira dele é a mais pequena.
O lobo concordou, e então, os carneiros afastaram-se no sentido oposto e empreenderam uma feroz corrida, um em frente ao outro. O lobo viu-os vir mas não teve tempo de os evitar, sendo apanhado no meio da estucada dos grandes cornos dos carneiros, só se ouvindo um grande estouro do lobo a arrebentar.
Depois do sucedido, os carneiros olharam-se e concluíram:
- Este já se foi!
Seguidamente, largaram a correr para alcançar os respectivos donos e gados.
O lobo meio vivo meio morto, lá se foi levantando e cambaleando, chegou a um lameiro onde pastava uma égua e falou-lhe:
- Ó comadre égua, triste é a minha vida, venho tão doente, cansado e cheio de fome, vou ter que te comer!
A égua abalada até concordou e disse:
- Acho até bem que me comas, também tens direito a viver, mas olha, tenho um grande espigão numa pata e tens de mo tirar antes de me comer, senão o espigão espeta-se-te no céu-da-boca e morres.
O lobo entendeu, então, que seria prudente tirar mesmo o espigão da pata da égua antes de a comer e disse:
- Então alça lá a pata que tem o espigão.
A égua manhosa levantou a pata e quando o lobo se preparava para arrancar o hipotético espigão com os dentes, a égua defere um grande coice que deitou com o pobre lobo aos tombos pelo vale a baixo. E, assim, a égua escapou aos dentes do lobo.
Passado um pouco, o pobre animal lá se foi endireitando aos poucos e tomou caminho ao longo de um riacho que chegava ao rio, naquele rio havia um moinho estava parado mas não estava desactivado.
Assim, o dono do moinho tinha ao lado deste uma casotinha onde guardava uma porca com algumas crias. O lobo foi-se aproximando da mãe porca enquanto as filhinhas pastavam por perto:
- Olá comadre porca.
E responde a porca:
- Viva compadre lobo, o que o trás por estes lados?
- Ó comadre porca! Triste é a minha vida, venho cansado e cheio de fome, vou ter que a comer. O que prefere, que a coma a si ou aos seus leitõezinhos?
E a porca responde:
- Antes quero que comas os meus filhos, porque eu sou nova e ainda posso arranjar outros, mas antes tens de mos deixar baptizar.
O lobo curioso pergunta:
- Então e como se baptizam?
A porca esperta chama o lobo para a saída da água do moinho onde se encontrava o rodízio e, então, explicou-lhe como se faria o baptismo e como ele deveria proceder:
- Vais ficar aqui sentado na roda com a boca bem aberta para aquele buraco (a saída da água), eu vou por cima e mando um leitão de cada vez por aquele buraco, quando chegar aqui já vem baptizado e tu aboca-lo. O lobo concordou e sentou-se na roda, entretanto a mãe porca foi guardar os filhotes na loja e, depois, foi por cima a abrir o canal para deixar correr a água, fechando-se em seguida com os filhos.
Quando a água começou a cair na roda esta começou a rodar e a fazer um barulho característico do próprio movimento. O lobo ao entrar em rotação agarrou-se ao pau do meio (ao veio), mas não pode parar o movimento e desatou a gritar:
- Pára rezingão que havemos de baptizar um leitão!
Mas como a água não deixava de correr a roda não parava de rodar e o lobo ia ficando tonto de tanta volta, acabando a força da água por arrastá-lo ao longo do rio.
Da janela da sua loja a comadre porca acena:
- Adeus compadre lobo, boa viagem passe muito bem!
Tontinho de tanto rodar e de tanto tombo dar, foi parar junto de um escanzelado burro que pastava num lameiro, num lugar chamado Tabuaça. Estava coberto com uma manta e aproximou-se depois de fazer um grande esforço para se levantar:
- Viva compadre burro.
E disse o burro:
- Olá compadre lobo!
- Ah compadre burro venho tão cansado, cheio de fome, que vou ter que o comer!
- Ah compadre lobo, não será grande ideia, não vês que sou só ossos, parece-me que será melhor, uma vez que está cansado, deitar-se ai ao sol e dormir uma grande sesta, enquanto eu pasto um pouco e assim já te podes fartar. O lobo obedeceu, deitou-se e deixou-se dormir. Ao ver o lobo a dormir o burro foi deitar-se por detrás dele, começando a mexer-lhe por detrás com o seu “instrumento” e o lobo acordou:
- Ó compadre burro, então isto o que é?
O burro respondeu:
- É o canhão com que te vou matar!
- Então e isto aqui?
- Isto são as cartucheiras que estão cheias de balas para te matar.
O lobo levanta-se dum salto e não se lamentou mais do seu cansaço e da sua fome, larga a correr pelo vale fora, acelerando quando olhava para trás e via o burro a zurrar com o canhão armado. Cheio de medo e cego na corrida foi enfiar-se numa mata de estevas que, naquele tempo, tinham já a cabeça de flor a cair, caindo-lhe no lombo ao passar:
- Fogo lá para o burro, que grande canhão que ainda chegam aqui os chumbos frios!
Continuou, assim, o triste lobo pelo monte fora, onde encontrou um leão que lhe perguntou:
- Donde vens compadre lobo, tão cansado e esbaforido, parece que viste o diabo?!
Respondeu o lobo:
- Ah! Se te acontecesse o que me aconteceu a mim agora ali com um burrito!
- Então o que foi que te assustou assim tanto?
O lobo contou o que lhe tinha acontecido com o burro, e o leão ficou curioso, não querendo acreditar que fosse assim:
- Olha vamos lá os dois dar cabo dele.
- Não vou que estou muito cansado!
Diz, então, o leão:
- Nesse caso, agarra-te aqui ao meu rabo e vamos ver que tipo de burro é esse que tanto te amedronta.
O lobo acabou por agarrar-se ao rabo do leão com os dentes e deixou-se arrastar por ele, pois já nem tinha forças para andar batendo com a cabeça, durante o caminho, em troncos e pedras. Ao avistarmos o burro, este voltou-se para trás e põe-se a exibir o seu grande canhão. O leão parou e considerou que seria melhor não avançar mais, porque de facto aquele canhão metia respeito! Entretanto o lobo de tantos saltos e tombos ter dado já estava meio morto, mesmo assim, o leão voltou para o monte com o lobo preso à cauda. Ao parar e já cansado de puxar, comenta ao ver o lobo de dentes arreganhados, pois já estava morto:
- Ai tu ainda te ris? Pois eu não acho piada nenhuma, aquele era um canhão de meter medo a um batalhão, larga-me lá o rabo que eu quero ir à minha vida, mas o lobo já não abria os dentes estava mesmo morto.
Entretanto o leão passou entre duas árvores muito juntas, tendo o lobo que ficar mesmo para trás, mas ficou-lhe também com metade da cauda. Seguindo saroto, mas livre o leão atravessou pelo campo da bala, no entanto ditou a sua pouca sorte que pisasse uma casinha de um grilo, que saiu de lá todo chateado e lhe perguntou:
- Ouça lá senhor leão saroto, quero saber quem lhe deu autorização para pisar a minha casa?
- Queira desculpar-me, meu rei grilo, mas creio que não foi de propósito.
Mas o grilo ainda irritado não aceitou explicações:
- Não aceito desculpas, proponho já uma guerra temos que medir forças.
- Pois se insiste, façamos uma guerra!
Combinaram o dia dos confrontos e cada um reuniu as suas tropas. O leão convidou elefantes, raposas, rinocerontes, mais leões, enfim animais grandes e ferozes. O pequeno grilo convidou simplesmente abelhas. Chegando o dia D as tropas puseram -se frente a frente, os animais da floresta ao ver montinhos de abelhas agrupados no chão, zombaram logo daquela situação e consideraram-se vencedores à partida.
Só que saiu tudo ao contrário, à ordem de ataque as pequenas mas ágeis abelhas, num zumbido aéreo atacaram os adversários pelo focinho, picando-os nos olhos, nas patas, na barriga, na cauda, nas orelhas e por tudo quanto era sitio, até que os fortes animais debandaram à deriva.
O lobo, numa corrida desenfreada sem direcção, deparou-se com uma raposa:
- Eh, amigo lobo, que corrida cega é essa? Donde vens tão furioso?
Quase sem parar de se coçar o lobo responde:
- Venho ali da guerra do Leão e do rei Grilo, só que ele tinha lá uma tropa de farda amarela que malharam em nós todos. Eram pequenas, mas agarram-se a nós num zumbido sem fim picando-nos todos e tivemos de nos render. A raposa pensando que era mais valente adiantou:
- Ah! Se me apanho lá eu com as minhas unhazinhas desfaço-as todas!
- Pois vai que ainda chegas a quinhão.
Volveu o leão continuando a sua fuga e precipitando-se para o fundo do poço de onde não conseguia sair. A raposa chegou ao campo de batalha e falou:
- Oh, rei Grilo manda cá as tuas tropas que quero medir forças com elas!
O grilo enviou uma mãozinha de abelhas que envolveram a raposa, de tal modo, que ela não teve mais que fazer do que enfiar-se num charco de água para que as abelhas a largassem.
A raposa não se atreveu a voltar a trás, ficou-se por ali à beira do caminho. Por aquela hora costumava passar por ali o senhor Nazário que ia de Paço para Mós vender sardinhas com um caixote às costas. A esperta raposa ao avistá-lo tomba-se ao longo do caminho, como se estivesse morta, o senhor Nazário dá-lhe, então, um pontapé para se certificar que estava morta, pensando levá-la para lhe tirara pele e vendê-la. Assim, agarrou a raposa pelo lombo e atirou com ela para cima das sardinhas que levava às costas, prosseguindo caminho sem desconfiar da malandrice da raposa. E que astuta foi a raposa e como pregou uma partida ao sardinheiro!
Ao longo do caminho foi deitando fora, uma a uma, todas as sardinhas compassando-as ao longo do caminho. Depois, deixou-se ir mais um bocado para ficar com espaço para quando saltasse do caixote poder correr sem ser apanhada, tendo a possibilidade de comer as sardinhas todas no regresso. De um salto só a raposa fugiu e exasperou o sardinheiro:
- Ah! Maldita raposa, filha da mãe, fez-se morta só para apanhar boleia até aqui, pois olha, escapaste-te a tempo!
Não havia nada a fazer, seguiu o caminho e chegou à aldeia começando, logo de seguida, apregoar as sardinhas, desceu o caixote e pô-lo numa parede, mas para espanto seu não havia nenhuma sardinha no caixote! Pobre do senhor Nazário gelou-se-lhe o sangue, começou a praguejar contra a raposa, enquanto pedia desculpas aos clientes da aldeia e, assim, perdeu o dia. Por sua vez, a raposa, no regresso, foi recolhendo todas as sardinhas retirando-se para o monte, onde os lobos se criam e dormem, chamado Pena Cova. Ai cruzou-se com um lobo que ficou espantado ao vê-la com tanto peixe:
- Ó comadre raposa, donde vens com tantos peixinhos?
E respondeu a malandra da raposa:
- Olha quem quer peixe molha “el culo”. Dormi toda a noite no poço do tio Purezo, quando foi de manhã, custou-me a sair com tanto peixe agarrado a mim.
- Ó comadre raposa, tens de me ensinar onde é esse poço que eu também quero lá ir dormir.
- Ensino sim senhor, compadre lobo!
Foi então ensinar ao lobo o lugar que seria de suplício para ele, explicou-lhe como devia fazer para se meter no poço na parte que era mais profunda ficando só com a cabeça de fora.
Quando chegou a noite o lobo foi meter-se no poço e como era Inverno a água começou a gelar, e como o gelo, no correr da noite, ia apertando cada vez mais, o lobo chega a pensar que a raposa tinha razão, pensando que o gelo a apertar eram os peixes. No entanto, o lobo acabou por não ser capaz de sair do poço acabando por morrer ali com o gelo. A raposa ao saber da burrice do lobo ficou-se a rir da sua astúcia que saiu vencedora contra a esperteza do lobo.
RECOLHA 2005 SCMB, CASIMIRO PARENTE, Idade: 66.
Localização geográfica: PAÇO DAS MÓS – ORIGEM + 60 anos.
FICHA TÉCNICA:
Título: CANCIONEIRO TRANSMONTANO 2005
Autor do projecto: CHRYS CHRYSTELLO
Fotografia e design: LUÍS CANOTILHO
Pintura: HELENA CANOTILHO (capa e início dos capítulos)
Edição: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BRAGANÇA
Recolha de textos 2005: EDUARDO ALVES E SANDRA ROCHA
Recolha de textos 1985: BELARMINO AUGUSTO AFONSO
Na edição de 1985: ilustrações de José Amaro
Edição de 1985: DELEGAÇÃO DA JUNTA CENTRAL DAS CASAS DO POVO DE
BRAGANÇA, ELEUTÉRIO ALVES e NARCISO GOMES
Transcrição musical 1985: ALBERTO ANÍBAL FERREIRA
Iimpressão e acabamento: ROCHA ARTES GRÁFICAS, V. N. GAIA
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(Henrique Martins)
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