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Chegaram juntos ao hotel em Doha, na terça-feira. Trocaram na altura algumas palavras, dias depois um cumprimento antes da largada da prova dos 5000 metros nos Campeonatos do Mundo de Atletismo, no Qatar. A cerca de 250 metros da meta, Braima Dabó, corredor da Guiné-Bissau de 26 anos, interrompe o ritmo para ajudar o atleta Jonathan Busby, da ilha caribenha de Aruba, a terminar a prova eliminatória, que concluíram ao mesmo tempo.
Busby apresentou dificuldades para se manter em pé devido às altas temperaturas no Estádio Internacional Khalifa, na capital Doha. Braima Dabó, do clube português Maia Atlético Clube, não deixou a situação passar em claro. Já tinha feito as últimas voltas com algum custo, com as pernas pesadas, mas quando reparou que o concorrente precisava de ajuda, fez “o que qualquer um estaria disposto a fazer naquela posição”. Em conversa com o PÚBLICO por telefone, conta que o treinador, José Regalo, já esperaria uma atitude semelhante — “por ter vindo de mim”, conta Braima Dabó. Busby e Dabó terminaram por último, cerca de cinco minutos depois do vencedor Selemon Barega, mas receberam uma enorme ovação do público presente nas bancadas.
Na próxima semana, a 3 de Outubro, o mais recente herói do fair play no Atletismo regressa a Portugal, depois de uma época que “este ano foi longa”. Não chegou aos mínimos para os Jogos Olímpicos de Tóquio, que se disputam em 2020, mas responde que ainda tem tempo para trabalhar para melhorar a sua marca. “O que pretendo fazer já é regressar a Portugal e terminar o meu curso”. Já só lhe faltam três exames para terminar a licenciatura em Gestão no Instituto Politécnico de Bragança. Depois, quer regressar para perto dos pais, outros familiares e amigos que não visita há oito anos e de quem as saudades já apertam.
“Pretendo continuar sempre a correr”, garante; só não sabe “se vai ser aqui [Portugal], vai ser lá, ou em outro país”.
“No Verão faz um calor que todo o mundo chora”
Em Bragança, “não foi fácil conciliar os horários” dos estudos com os treinos. Fala sobre os períodos em que dividia os treinos em duas partes, o que significava acordar muito antes do início das aulas para aproveitar as primeiras horas da manhã.
“Bragança tem o seu gosto especial”, conta, questionado sobre as diferenças em relação à sua terra natal — Catió, capital da região de Tombali. Gosta da comunidade académica, dos brigantinos. E também das particularidades da inadaptação ao clima: “No Inverno faz um frio que todo o mundo chora, mas no Verão também faz um calor que todo o mundo chora”.
Na prova desta sexta-feira, Braima Dabó ajudou o colega que não suportou o calor abafado de Doha. Terá o clima de Bragança ajudado o jovem guineense a preparar-se para estas condições? “Queria que o calor de Bragança me tivesse preparado”, diz a brincar — “mas não foi suficiente”.
Quatro anos entre Bragança e Porto
Jovem exemplo de fair play, Dabó vive em Portugal desde 2011, quando veio com outros colegas para fazer o ensino secundário, através de um projecto da ONG Na rota dos povos. Estudou na Escola Profissional de Carvalhais, Mirandela, seguindo depois para a Escola Superior de Tecnologia e Gestão.
Já na adolescência gostava de desporto — “quase todo o mundo gosta de jogar futebol” — mas ganhou o gosto pela corrida pela mão de José Bragada, docente da Escola Superior de Educação, treinando no Ginásio Clube de Bragança.
Há quatro anos faz o percurso entre Bragança e o Porto para treinar profissionalmente: primeiro com Jorge Teixeira, o seu “padrinho” no atletismo, e a partir de 2017 com José Regalo (que já foi um dos melhores corredores portugueses de 5000 metros), no Maia Atlético Clube. Desde 2015 corre pelo seu país, inscrito na Federação de Atletismo da Guiné-Bissau.
Depois da prova, dizia à agência Lusa: “Sinto-me orgulhoso por representar o meu país ao mais alto nível, apesar de não ter batido o meu recorde pessoal”.
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