Havia numa localidade um casal que em tempo próprio teve um filho e devido ao estado de debilidade em que ficou a mãe quando do parto, não pode resistir e morreu pouco depois. Eles tinham uma burrita para os trabalhos no campo, acabando esta por criar o menino com o seu leite. Assim, foi crescendo o menino a mamar leite da burra e por isso as pessoas costumavam chamar-lhe o “mama na burra”.
Passados alguns anos, o rapaz exibia uma força fora do comum e anormal para a sua idade. Dando-se conta disso e já cansado de ser chamado o “mama na burra”, disse, então, para o pai que pensava ir-se embora da aldeia, porque senão ainda acabava por destruí-la com toda a força que tinha. Pediu, assim, ao pai para lhe arranjar um bastão de 100 arrobas para ir pelo mundo testar a sua força. Deste modo, lá foi ele com aquele pesado brinquedo na mão, ao passar ao lado de um rio avistou um estranho movimento de um indivíduo, que com uma alavanca retirava enormes fragas para fazer uma represa no rio. Parou e ficou parado a apreciar o exercício, comentando para consigo mesmo:
- Caramba eu considero-me o homem mais forte do mundo, mas este ainda me ganha! Vou já ter com ele e convidá-lo para se juntar a mim e irmos pelo mundo fora para mostrar a nossa força. Como pensou assim o fez, juntos agora seguiam mundo fora, parando mudos ao ver outro fenómeno como eles. Sentindo curiosidade foram com ele, para ver a sua habilidade, a uma mata de enormes pinheiros ficando a olhar. Começou, então, por estender as suas enormes cordas e derrubar, de uma só vez, um pinheiro, fazendo, assim, a sua carga, enquanto os outros se questionavam:
- Como é que ele vai agora meter-se por baixo daquilo tudo e levar tudo às costas?!
O valentão não está com meias medidas, mete o monte de lenha por uma das pontas, mete-se por baixo e arranca com tudo às costas com grande facilidade. Então comentou o “mama na burra”:
- Pois este ainda nos ganha a nós! Vamos juntar-nos a ele e faremos um trio invencível.
Convidaram-no e passaram a andar todos juntos, indo desembocar a um lugar cujo dono não conseguia nem vender nem alugar. Assim, ao ver aparecer aquele grupo de valentões logo lhes alugou a casa, ali se instalaram e dela se serviram.
Um dia saíram para caçar ficando em casa o “arrasa montanhas”. Passou-se o dia, e como os companheiros estavam-se a demorar, ele resolveu preparar o jantar.
Tinha já posto a panela ao lume enquanto descascava as batatas, quando de repente ouviu no telhado um barulho forte. Ao olhar para cima procurando perceber o que se estava a passar, abriu-se de repente um buraco no tecto, donde pende uma pequena perna e se ouve um gemido:
- Ai que eu caio, ai que eu caio!
Ao que sem mais, ele responde:
- Pois cai, podes cair!
Ele caiu mesmo, era uma só perna e ficou de pé ao seu lado. Novamente se deu um barulho forte e um novo gemido:
- Ai que eu caio, ai que eu caio!
A resposta do “arrasa montanhas” foi a mesma, vindo de lá outra perna que cai ao lado da primeira e fica também de pé. O forte barulho é o gemido torna-se a repetir num vai e vem, até que acabou por cair um o resto de um corpo de um garoto que se foi encaixar nas pernas, que tinham caído anteriormente. O miúdo começou a queixar-se do frio e como o lume estava à sua frente, o “arrasa montanhas” respondeu com desdém:
- Não tens aí lume? Aquece-te!
O miúdo chegou-se ao lume destapou a panela e, sorrateiramente, meteu para dentro um punhado de cinza. Ao ver a cena o “arrasa montanhas” amarra-se para apanhar um pau e dar-lhe com ele, mas o pequeno “fenómeno” ao vê-lo de costas transformou-se num gato bravo, saltou-lhe em cima e arranhou-o todo desaparecendo num salto.
Quando os companheiros chegaram a casa ao se depararem com ele naquela figura, inquiriram-no sobre o que se tinha passado.
O “arrasa montanhas” explicou e logo o “arranca pinheiros” concluiu:
- Ah não! Então amanhã fico cá eu.
Ao outro dia assim foi, o “arranca pinheiros” ficou a arrumar a casa, enquanto os companheiros foram à caça. Tristemente, a cena repetiu-se da mesma forma e, apesar de já ter acontecido, este não se preveniu e ficou ainda mais arranhado do que o seu companheiro.
Quando os outros chegaram à noite, pensando que nada de mal teria acontecido, ficaram horrorizados com o sucedido:
- Mas que diabo se passa aqui? Que vem a ser isto?! Pode ser obra do Diabo?
Combinaram, então, que desta vez ficava em casa o “mama na burra”. Contudo, este agiu com um pouco mais de prudência e preveniu-se, colocando perto de si o seu bastão de 100 arrobas. Quando a situação se repetiu, ele pôs-se atento, esperando o desenrolar dos acontecimentos, para lhe cair em cima ao chegar a hora certa. No momento em que o miúdo foi à panela para meter a cinza, o “mama na burra”, com um gesto rápido, atira com o seu bastão para lhe acertar, mas no mesmo instante o miúdo faz um pequeno movimento e só é apanhado numa orelha, esta cai ao chão, conseguindo, assim, o garoto fugir deixando um rasto de sangue à sua passagem.
Entretanto chegaram os companheiros, aos quais o “mama na burra” pediu que fossem ao patrão solicitar um candeeiro para poderem seguir o rasto de sangue.
Entraram num quarto, seguiram para outro e saíram para o exterior, verificando que o rasto terminava debaixo de um grande sequeiro de lenha. O “mama na burra” pediu ao “arrasa montanhas” que levantasse aquela lenha para ver o que se escondia debaixo, aparecendo, então, um buraco que se prolongava pelo chão.
Foram, depois, pedir emprestado uma corda, um caixote e uma campainha, pretendendo com isto, entrar no esconderijo explorando-o. O primeiro a entrar foi o “arranca pinheiros” e, tal como tinham combinado, quando este tocou a campainha em sinal de perigo, os companheiros içaram o caixote pela corda. A seguir foi o “arrasa montanhas”, dando-se o mesmo procedimento, visto que, ao se deparar com os diabinhos suspensos na parede, tocou a campainha para que o içassem e nada conseguiu ver. Entretanto, o “mama na burra” exclamou:
- Agora quero descer eu! Quanto mais eu tocar a campainha mais me deixais cair.
Assim, procederam os companheiros, fazendo descer o “mama na burra” até ao fundo, não deixando, durante o percurso, de se deparar com uns diabinhos irrequietos e mafarricos que estavam dependurados nas paredes. Ao se encontrar naquele espaço dirigiu-se a uma porta e ao abri-la saiu de lá um monstro de sete cabeças, com o qual lutou, saindo-se vencedor graças à sua força e ao seu bastão. Ao dirigir-se a outra porta teve surpresa idêntica, saiu de lá um leão muito forte, mas foi igualmente vencido pelo “mama na burra”. Havia uma terceira porta e aí sim estava a surpresa que ele procurava, o “Diabo” encostadinho a um canto com medo por ter sido descoberto:
- Ai estás aí?! Então sai cá para fora, anda, anda!
O “Diabo” estava mesmo com medo, mas não queria que o outro percebesse e mandou-o sair primeiro. Contudo, o “mama na burra” não caiu na armadilha e fez sair o “diabo” na sua frente, não fosse ele saltar-lhe em cima como fez com os companheiros. Ele saiu obedecendo ao “mama na burra”, que o fez entrar no caixote sendo içado pelos outros amigos depois de tocar a campainha. Mas, quando os companheiros se depararam com o “diabo” largaram tudo e desataram a correr sem destino para se esconderem. O “mama na burra” que se encontrava ainda no fundo do esconderijo pediu ao “diabo” para o içar, quando chegou a cima e deu pela falta dos amigos, logo intimou o “diabo” para apresentá -los antes que o matasse. O “diabo” obediente em dois saltos apresentou os companheiros, no entanto, este resolveu também reclamar os seus direitos pedindo ao “mama na burra” para lhe devolver a sua orelha, pedido esse que lhe foi negado, ao que o “diabo” respondeu:
- Se não ma queres dar, fica com ela e quando precisares algo de mim, mordes na orelha e eu apareço logo para satisfazer os teus desejos.
Depois disto o “diabo” foi-se embora, continuando os três companheiros a viver na mesma casa sem serem mais apoquentados por aquela criatura.
Passados alguns anos o “arranca pinheiros” faleceu, pouco tempo depois morreu também o “arrasa montanhas”, deixando o “mama na burra” a viver sozinho naquele casarão.
Num belo dia o “mama na burra” passeava por um caminho cruzando-se com ele dois velhinhos que lhe pediram esmola, como levava consigo dois pães e dois duros, deu às pedintes um pão e um duro. Cada um seguiu o seu caminho e na volta cruzou-se, novamente, com os dois velhinhos aos quais deu o que lhe restava de pão e tostões. Reconhecidos com a sua generosidade, um deles quis recompensá-lo dizendo-lhe que pedisse o que mais quisesse que ele lhe recompensava. O outro companheiro de estrada São Pedro (incógnito) segredou ao “mama na burra”:
- Pede-lhe a salvação, pede-lhe a salvação!
No entanto, o “mama na burra” não se preocupou com este tipo de pedido, repelindo São Pedro, exclamou depois de uma pausa:
- Cala-te careca do caraças! Quero que tudo o que veja e que me apeteça entre no meu serrão, e quero que, para onde eu deitar o meu chapéu, ninguém o consiga levantar a não ser eu.
E Deus, então, disse:
- Pronto esses poderes te dou.
O “mama na burra” viveu ainda uns anos sozinho, mandando entrar para o seu serrão tudo o que via e que lhe apetecesse, como fez com um bando de pombos. Os residentes daquele lugar, quando souberam que o “mama na burra” tinha acabado de vez com aquela assombração sepultando o diabo no inferno, fizeram uma grande festa. Pois, parecia que ninguém nas redondezas tinha conseguido comprar o casarão, onde morava o “mama na burra” por ser habitação do diabo.
Quando o “mama na burra” morreu, como já sabia o caminho, foi bater às portas do Inferno, perguntando o diabo de lá de dentro:
- Quem é?
Ao que o “mama na burra” respondeu:
- É o “mama na burra” abre-me a porta!
- Ah! Fechai as portas e os postigos é o “mama na burra” que nos tem a todos “cozidos”! Olha, vai para o Céu que há lá mais lugar.
Pobre “mama na burra” velhinho e morto ainda teve mais uma viagem a fazer, subindo tantos degraus para chegar ao céu.
São Pedro veio até à porta perguntar quem era:
- Sou o “mama na burra” e quero entrar.
- Olha, vai para o Inferno, aqui não podes entrar.
O “mama na burra” implorou mais um pouco:
- Já lá fui e não me quiseram. Ó São Pedro, deixa-me ao menos consolar os olhos, abre só um bocadinho da porta para ver como o céu é bonito.
São Pedro comovido com o pedido abriu a porta e o “mama na burra”, como tinha o poder (concedido por Deus) de só ele ser capaz de levantar o seu chapéu, fez chantagem com isso, assim quando São Pedro o mandou embora ele pediu que o deixasse ir buscar o seu chapéu. Contudo, São Pedro não era capaz de lhe dar o chapéu, e enquanto discutiam, Deus passou por aquele sítio perguntando o que se passava ali, ao que São Pedro respondeu:
- É este senhor “mama na burra” que morreu e devia ir para o inferno, mas veio para cá, só que não se quer ir embora sem o seu chapéu e eu não sou capaz de lho dar.
Então Deus na sua bondade mandou que o deixasse entrar e se sentar na cadeira ao lado da sua. E assim foi que o “mama na burra” venceu o diabo e ganhou um lugar no céu.
RECOLHA 2005 SCMB, CASIMIRO PARENTE, Idade: 66.
Localização geográfica: PAÇO DAS MÓS – ORIGEM + 60 anos.
FICHA TÉCNICA:
Título: CANCIONEIRO TRANSMONTANO 2005
Autor do projecto: CHRYS CHRYSTELLO
Fotografia e design: LUÍS CANOTILHO
Pintura: HELENA CANOTILHO (capa e início dos capítulos)
Edição: SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE BRAGANÇA
Recolha de textos 2005: EDUARDO ALVES E SANDRA ROCHA
Recolha de textos 1985: BELARMINO AUGUSTO AFONSO
Na edição de 1985: ilustrações de José Amaro
Edição de 1985: DELEGAÇÃO DA JUNTA CENTRAL DAS CASAS DO POVO DE
BRAGANÇA, ELEUTÉRIO ALVES e NARCISO GOMES
Transcrição musical 1985: ALBERTO ANÍBAL FERREIRA
Iimpressão e acabamento: ROCHA ARTES GRÁFICAS, V. N. GAIA
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Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço.
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(Henrique Martins)
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Esta mesma história, contava-ma o meu pai que lhe contava a avó. Ora eu tenho 83 anos e o meu pai nasceu em 1915. Calculem que a história afinal tem bem mais que os 60 anos que lhe atrbuem.
ResponderEliminarNota - A família do meu pai era da região de Santarém.