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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 12 de março de 2021

O Museu de um Abade que conta a história das gentes transmontanas

 A Rua Abílio Beça, como tantas outras da cidade de Bragança, tem muitas estórias guardadas. Apelidada como “rua dos museus”, acolhe alguns dos edifícios mais conhecidos da cidade, com o emblemático Castelo de Bragança. É também a casa do Museu Abade de Baçal, antigo Paço Episcopal (século XVIII), cujo patrono é um dos homens mais célebres do nordeste transmontano.


Nascido na aldeia de Baçal, onde à época, 1865, se contavam pouco mais de 500 habitantes — hoje, consequência do despovoamento, tem cerca de uma centena a menos — Francisco Manuel Alves, filho de lavradores, haveria de fintar o destino e a tradição. A escola primária feita num sopro foi o início de um percurso notável que o levaria aos 24 anos a concluir os estudos eclesiásticos no seminário de S. José, em Bragança. A sua alcunha de adolescente, Robespierre, com a qual chegou a assinar alguns artigos na imprensa, denuncia o comportamento revolucionário de um homem, nas suas palavras, “pouco carregado de carnes”.


Em abril de 1935, quando se jubilou, a nata da cultura nacional, incluindo as universidades e até representantes do poder político, sobem até às terras frias do nordeste transmontano para o homenagearem. Não era caso para menos: a marca da sua ação cívica, cultural e até académica em áreas que extravasavam a atividade sacerdotal ao longo de períodos de enorme conturbação social era um exemplo para o país e uma bandeira para uma região sempre longe do poder central, sempre marginal, sempre entregue a si própria e à sua “fé granítica”, na expressão pública e conhecida do bispo D. José Cordeiro, ao referir-se ao abade de Baçal.

Agora, no interior do Museu que tem o seu nome, há um travo intenso a história e a revelação pública do seu ecletismo. Foi historiador, arqueólogo e genealogista, ao mesmo tempo que cumpria na paróquia da aldeia onde nasceu a sua vocação sacerdotal.  No ambiente intimista que a iluminação ténue dos corredores empresta às salas do Museu, vislumbram-se peças com mais de um século, adquiridas em 1912, por ocasião da hasta pública dos bens da diocese de Bragança-Miranda. Destaca-se a arca dos Santos Óleos, ainda hoje utilizada em eventos da diocese, o Provocando de José Malhoa, figura de destaque do século XX, e as ilustrações de Almada Negreiros para o livro de Joaquim Manso, Fábulas.


Contando a história do espaço que ocupa dois andares, enquanto caminha pelos corredores a guiar a visita, o diretor, Amândio Felício, vai descrevendo algumas peças. Desde o período calcolítico, até à peça mais recente que desperta a atenção dos visitantes do museu: um retrato do seu fundador doado pela artista transmontana, Balbina Mendes, no ano de 2019. Um percurso marcado pelo passado da região e que, apesar das mais de 10 mil peças e documentos inventariados, somente 200 a 250 estão à disposição dos  visitantes.


O museu é um espaço para “conhecer as nossas origens e permite conhecermo-nos e projetarmo-nos no futuro”, adianta Amândio Felício. Rodeados das paredes negras de uma das salas do museu e a pouca luz (que protege as pinturas em exposição), destaca que é em 1935 – cerca de oito anos após a sua abertura oficial ao público – que acolhe a nomenclatura do seu patrono, o Abade de Baçal, depois de uma década como diretor do museu.

O “pai da nação transmontana que nasce”, nas palavras de alguns historiadores, foi um dos fundadores do Grupo dos Amigos do Museu destinado à preservação e conservação do património bragançano. Uma memória que é urgente salvaguardar, uma vez que Bragança é um dos concelhos com menor densidade populacional – em 2019, segundo dados oficiais da PORDATA, 28,6 habitantes/km2, muito abaixo da média nacional (111,5 hab./ km2) – e envelhecido, com cerca de 39,4% de idosos por 100 pessoas em idade ativa (dados reportados a 2019), embora abaixo da percentagem da região de Trás-os-Montes (50,3%).

Para Amândio Felício, é “um espaço pertencente à comunidade, onde podem encontrar uma parte significativa da sua história”. Aliás, os visitantes caminham num espaço que, na cidade, há umas décadas, chegou a funcionar como Arquivo Distrital, Guarda Nacional Republicana e até filial da Caixa Geral de Depósitos antes de ser um dos repositórios das estórias das terras transmontanas.  Para cumprir o seu propósito educacional, relembrando os motivos do seu patrono, as suas atividades culturais representam cerca de “50% do público anual”. Uma tarefa que, para Amândio Felício, pretende “fazer do museu um espaço de cidade”.


Antes da pandemia, o museu adivinhava um incremento do seu público, pois, “em 2019, notou-se um crescimento significativo do público fora da cidade”, recorda o atual diretor, no cargo desde 2018. O facto de a cidade estar localizada a cerca de 20 minutos da fronteira leva a que a massa turística seja, na sua maioria, espanhola. Contudo, “tem havido uma maior diversidade de visitantes, como franceses e brasileiros”, sendo que em 2019, segundo dados da PORDATA, o número de visitantes estrangeiros aos museus da cidade correspondia a 39 776 (o que representa uma fatia significativa: 39, 7% do número total). Um movimento turístico que tem sido condicionado pela evolução da pandemia e que, mais recentemente, com o encerramento dos espaços culturais, a 15 de janeiro, e com o decretar do confinamento, se estagnou.  

A fim de permanecer ligado à comunidade, o Museu Abade de Baçal pauta a sua atividade pela ligação a diversas instituições da capital do distrito – que, em breve, acolherá o nascimento do Museu da Língua Portuguesa, nos antigos celeiros de Bragança, único em Portugal. São Paulo, no Brasil, tem um desde 2006, mas um violento incêndio, em 2015, destruiu parcialmente o edifício e derreteu parte importante do seu espólio. 

Mas o museu do Abade de Baçal é mais que um amplo espaço de exposição de peças, quadros e de memórias de uma cultura e de um viver da região. Em parceria com o Conservatório de Música e Dança de Bragança, e como a estreita relação com o Instituto Politécnico de Bragança, nascem concertos no jardim – utilizado, por alguns estudantes, como espaço de estudo para os exames – ou atividades pedagógicas intimamente ligadas às exposições. Além dos estágios promovidos e que já trouxeram ao museu alunos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), uma das percentagens significativas de alunos no politécnico da cidade. Mais recentemente, estão a desenvolver um projeto em conjunto “a fim de tornar o museu mais acessível, não só ao público em geral, mas também aos que possuam algum tipo de necessidade especial”, adianta o diretor. Uma preocupação que se denota na entrada do museu, com as rampas e corrimões de apoio para pessoas com a mobilidade reduzida.


Um espaço que pertence aos transmontanos
Com o período de indefinição provocado pela Covid-19, “para um espaço como o museu, que tem como centro a comunicação com o público, fechar as portas é sempre trágico”, confessa o ex-coordenador do Gabinete de Extensão Cultural do Museu da Presidência da República. Assim, mantiveram apenas a atividade administrativa e a de conservação das peças, com “trabalhos de registo de temperatura e humidade”, com as portas encerradas. Apesar da reabertura a 18 de maio, Dia Internacional dos Museus, “um dia um pouco atípico, com pouca gente”, o novo confinamento geral decretou o cerrar da casa do Abade.

No verão, notaram um “aumento da circulação de pessoas, mas ainda longe dos números habituais”. Com o retorno à atividade, na estação das temperaturas altas, o futuro foi planeado com a tentativa de manutenção do “trabalho de fidelização do público, bem como o contacto permanente com as instituições e artistas da cidade”. Tratando-se de um organismo público, o museu teve a “vantagem de manter o seu orçamento”, relata o diretor. Positivamente, Amândio Felício destaca o facto de o turismo nacional, em particular, no interior, ter crescido e alguns deles serem os novos visitantes da “casa” do Abade de Baçal. Contudo, reconhece que “vai demorar muito tempo a normalizar”.


Apesar de “muito cético em relação à capacidade que os canais digitais têm para ‘substituir’ a experiência da visita do museu”, o diretor considera que as redes sociais foram fundamentais para manter o contacto com o público. Não obstante tenha coincidido com um período em que o novo site ainda não estava em funcionamento – mas que, agora, se encontra ativo.

O museu, no coração histórico da cidade, com o Castelo a alguns metros da sua porta, é um dos tesouros ‘escondidos’ do nordeste transmontano. Um espaço que bebe da estória de um abade que, uma vez por semana, percorria a pé os dez quilómetros que separam Baçal de Bragança, para cuidar do museu, que teve nomes como Raul Teixeira como seu diretor. Tal como dita a tradição transmontana e a história das gentes que o museu esconde, quando for possível, terá as suas portas abertas, “para que a comunidade volte a apropriar-se deste espaço que lhe pertence”, assegura Amândio Felício.


Catarina Magalhães

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