No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Pedro Anastácio, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Universidade de Évora, ligado ao projecto LIFE Invasaqua, esclarece todas as dúvidas sobre este lagostim que é um grande problema para a biodiversidade, a economia e mesmo a saúde humana.
Lagostim em típica posição de defesa, mostrando a agressividade característica da espécie. Foto: Pedro Anastácio |
Que espécie é esta e onde pode ser encontrada?
O lagostim-vermelho-da-luisiana (Procambarus clarkii) é um lagostim de água doce originário do sudeste da América do Norte, incluindo o estado da Luisiana, nos EUA. Foi esse antigo território francês, batizado em honra do rei Luís XIV, que inspirou o nome comum deste crustáceo. Em Portugal, a espécie está presente praticamente por todo o território.
É mais frequente nos troços baixos de rios, em pauis – ou seja, pântanos de água doce – e em arrozais, podendo aí atingir densidades muito elevadas. Esta adaptação a ambientes com seca temporária está particularmente ligada à sua capacidade de construir tocas profundas, onde este crustáceo consegue sobreviver durante semanas no período seco, saindo na altura das primeiras chuvas, geralmente em outubro. É muitas vezes neste período que se podem observar migrações de grandes números destes lagostins através de terra, em zonas de produção de arroz.
Como é que podemos identificar este invasor?
Este crustáceo pode distinguir-se do lagostim-sinal – outra espécie de lagostim de água doce que ocorre em Portugal – porque tem a carapaça e pinças rugosas, que até podem picar durante o seu manuseamento.
O lagostim-vermelho-da-luisiana pode crescer até cerca de 15 centímetros, mas geralmente não ultrapassa os dez. E apesar de os indivíduos adultos, tal como o nome indica, serem predominantemente de cor avermelhada, os juvenis são geralmente mais pálidos, com um tom cinzento-esverdeado.
Por outro lado, estes lagostins podem viver até quatro ou cinco anos, mas no meio natural raramente vivem mais de 12 a 18 meses. As fêmeas carregam até 700 ovos, bem como os juvenis recém-nascidos, presos ao abdómen, transportando-os nas suas deslocações dentro e fora de água.
Mas qual é o problema com esta espécie?
Esta é uma das espécies invasoras que mais problemas causa a nível mundial e Portugal não é exceção. Há vários trabalhos por parte de equipas portuguesas e estrangeiras que mostram efeitos claros do lagostim-vermelho-da-luisiana sobre a biodiversidade, sobre a economia e por vezes até sobre a saúde humana. Por este motivo, foi incluído na lista de espécies invasoras preocupantes para a União Europeia.
Este crustáceo tem uma alimentação oportunista, aproveitando tudo o que consegue encontrar, mas os mais jovens são tendencialmente mais carnívoros e os adultos ingerem mais material de origem vegetal. Isto significa que estes lagostins afetam tanto animais como plantas.
Sabemos por exemplo que têm efeitos fortes sobre insetos aquáticos, mas que consomem também espécies nativas de mexilhões de rio que estão muito ameaçadas, e que afetam igualmente populações de anfíbios.
Mas não só. Como consomem principalmente plantas, os adultos podem eliminar por vezes toda a vegetação aquática nalguns locais. Na verdade, esses hábitos de consumo dos adultos, juntamente com os seus hábitos escavadores, são responsáveis pelos danos sérios que a espécie causa nos arrozais. Por um lado, as tocas destes lagostins causam fortes perdas de água nos canteiros de arroz; por outro lado, o consumo de sementes e de plantas recém-germinadas pode comprometer fortemente a produção.
Por exemplo, se tivermos uma densidade de um lagostim por metro quadrado, dá-se uma redução de cerca de 42% na produção de arroz, e com três lagostins por metro quadrado a produção de arroz será nula. A nível nacional estima-se que estes prejuízos poderão superar um milhão de euros por ano.
E traz problemas para a saúde humana?
No que respeita à saúde humana, houve em Espanha um surto de tularemia (febre da mosca do cervo, ou febre do coelho, causada pela bactéria Francisella tularensis) diretamente associado à captura profissional de lagostins, em que houve inclusivamente uma morte.
Estudos recentes da nossa equipa em Portugal mostram uma diversidade microbiológica grande associada principalmente à carapaça destes animais, mas também ao seu aparelho digestivo. Alguns dos grupos de microorganismos por nós detetados podem ter atividade patogénica, com consequências sobre as pessoas (Cellulosimicrobium, Hafnia-Obesumbacterium, Clostridium, Candidatus Bacilloplasma e Catenococcus). Por esta razão recomenda-se prudência no consumo e manuseamento da espécie.
Qual é a história da expansão do lagostim-vermelho-da-luisiana na Europa?
As primeiras introduções no continente europeu aconteceram em 1973 e 1974, em Espanha, primeiro perto de Badajoz e no ano seguinte na zona de Sevilha. Tratou-se de introduções autorizadas, para produção e consumo humano, sendo este um daqueles casos em que se conhece até o nome do responsável pelo processo.
Lagostim em movimento na água ao longo da margem de uma barragem. Foto: Pedro Anastácio |
O objetivo da introdução foi a substituição do lagostim-de-patas-brancas, uma espécie de origem europeia, que estava em forte declínio devido a uma doença chamada “peste” dos lagostins. Infelizmente, percebeu-se mais tarde, esta e outras espécies de lagostins de origem norte-americana são transmissoras, mas resistentes a esta doença. E assim, o resultado da introdução deste e de outros lagostins da América do Norte foi um declínio ainda maior de várias espécies europeias de lagostins de água doce.
O caso do lagostim-vermelho-da-luisiana é por isso emblemático na Europa devido aos efeitos causados sobre outras espécies, pela sua capacidade de expansão e pela área total atualmente ocupada. A espécie encontra-se ainda hoje em expansão e é frequente no Sul da Europa, entre Portugal e Itália. Mais a norte, está presente até ao Reino Unido e Alemanha, tendo inclusivamente sido detetada uma população no sul da Suécia durante algum tempo.
Quando é que apareceram estes lagostins em Portugal?
Foram detetados pela primeira vez em 1979, junto à fronteira com Espanha, na zona do Caia, perto de Elvas. Pensa-se que terão dispersado de forma natural a partir da zona inicial de introdução em 1973, do outro lado da fronteira. A partir dessa zona acabaram por invadir todo o território nacional, passando a ser capturados e exportados para Espanha de forma generalizada, embora à margem da lei.
A situação que causou mais alarme foi em 1990 e 1991, na zona do Baixo Mondego, onde devido às densidades muito elevadas e aos estragos avultados na cultura de arroz foram aplicadas doses elevadas de químicos para controlar a espécie. Isso teve efeitos muito negativos para o ambiente, pela quantidade de outras espécies que são também afetadas por estes químicos. E como já era expectável, não se conseguiu erradicar este lagostim.
O que se faz atualmente em Portugal para controlar esta espécie invasora?
Desde a primeira versão da legislação nacional sobre espécies invasoras, publicada ainda na década de 1990, o lagostim-vermelho-da-luisiana é considerado uma espécie invasora e com restrições ao seu uso. Por exemplo, desde essa altura que o repovoamento com estes crustáceos é interdito, e só era então permitido o transporte e o comércio da espécie morta e sem “propágulos” viáveis.
Todavia, apesar de se fazer há várias décadas a captura comercial, para processamento em Espanha e venda em supermercados, e apesar de existirem festivais gastronómicos dedicados ao lagostim-vermelho-da-luisiana – como acontece por exemplo em Ferreira do Zêzere – só agora se regulamentou de forma mais realista o que já se fazia abertamente. Assim, devido à distribuição generalizada desta espécie e à ausência de métodos viáveis para a sua erradicação, a legislação e o plano de controlo passaram a enquadrar de forma legal a captura destes lagostins e as instalações para o seu processamento, estas últimas dependentes de um licenciamento prévio (Decreto-lei 92/2019 e Resolução do Conselho de Ministros 133/2021).
Isso significa que hoje em dia qualquer pessoa pode capturar estes lagostins?
De acordo com a lei, isso pode fazer-se, sim, desde que seja para autoconsumo, mas apenas com camaroeiro, com balança (ou ratel) ou manualmente, e o transporte para consumo próprio deve ser realizado com os exemplares mortos.
Já nos casos de pescadores profissionais com licenciamento para esta espécie, é autorizado o uso de covos e nassas (cestos de vime usados na pesca) que não fiquem completamente submersos, de modo a evitar a morte de outros animais. Esses aparelhos devem estar devidamente identificados e sinalizados e podem ser colocados ou retirados todos os dias, durante o período diurno. Apesar destas normas gerais, nas zonas de pesca profissional há que seguir o respetivo plano de gestão e exploração.
Como é que o projeto LIFE Invasaqua pode ajudar a gerir esta espécie?
O LIFE Invasaqua destina-se principalmente à disseminação de conhecimento e de consciencialização sobre o problema das espécies exóticas invasoras em água doce e estuários. Nesse contexto temos realizado vários workshops, exposições itinerantes e ações de formação gratuitas sobre estas espécies, explicando que problemas causam e como podem ser geridas. Também produzimos vários documentos de distribuição livre dirigidos ao público em geral, tal como documentos técnicos em que se dão indicações claras do que fazer.
Temos como exemplos mais marcantes o guia das espécies exóticas e invasoras da Península Ibérica, que tem uma ficha sobre o lagostim-vermelho-da-luisiana, e vários códigos de conduta relevantes para reduzir a propagação desta e de outras espécies. Os nossos códigos de conduta e panfletos para aquariofilia, aquacultura, zoológicos e aquários e comércio eletrónico são importantes para corrigir comportamentos que possam levar à dispersão desta espécie.
Para além disso também produzimos e distribuímos panfletos dirigidos a diminuir comportamentos de risco por parte da agricultura de regadio, pescadores e desportos aquáticos. Toda esta documentação pode ser descarregada aqui.
Se tiver dúvidas ou desejar obter mais informação sobre esta espécie invasora, pode contactar o investigador Pedro Anastácio pelo email anast@uevora.pt .
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