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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 6 de novembro de 2022

Pode o burro selvagem regressar a Portugal?

 Daniel Veríssimo, um economista maravilhado pela natureza, apresenta-nos o resistente burro selvagem, explicando como um dia poderemos reencontrar este animal que hoje faz parte do passado.

Burro selvagem asiático. Foto: Shubhu/Wiki Commons

No passado o burro selvagem fazia parte dos ecossistemas mediterrâneos do continente europeu, desde as planícies alentejanas com vista para o Atlântico aos campos da Bulgária banhados pelo Mar Negro, passando pela Península Ibérica, Sul de França, Península Itálica, planícies das Balcãs e montanhas da Grécia.

Na Península Ibérica talvez fosse conhecido como “zebro”, em português, ou “cebro”, em castelhano, nome de um antigo equídeo selvagem. Mais pequeno que um cavalo, mais resistente aos climas agrestes e com uma dieta mais generalista, como ervas secas e arbustos. Se o cavalo é esbelto e elegante, o burro é resistente e massudo, um cavalo “todo-o-terreno”.

Com o colapso dos ecossistemas devido à caça e mudanças climáticas no fim da última idade do gelo, as populações de burro selvagem europeu foram desaparecendo e extinguiram-se entre o Neolítico e a Idade do Ferro. Este era, à semelhança dos cavalos selvagens e do auroque, um dos grandes mamíferos do continente europeu.

Existem vários registos fósseis um pouco pelo sul da Europa e pinturas rupestres como as localizadas em França, nas localidades de Dordogne, Ariège e Remoulins ou, em Espanha, perto da vila de Albarracín, apesar de o burro selvagem não ser um dos animais mais representados na arte paleolítica. Há ainda crónicas medievais portuguesas e espanholas.

O burro europeu era um animal de médio tamanho, que podia pesar entre 200 e 300 quilos e medir perto de 2 a 2,5 metros. Os machos eram maiores que as fêmeas, viviam em grupos familiares e habitavam zonas áridas, tanto quentes como frias.

Burros selvagens asiáticos, na Índia. Foto: Sballal/Wiki Commons

Hoje, o burro europeu (Eqqus hydrintus) está extinto, mas podemos usar espécies próximas como substitutos. O burro selvagem asiático (Equus hemionus), que ainda existe nas planícies frias da Ucrânia, Cazaquistão e Mongólia e nas zonas áridas quentes do Levante até às planícies indianas, (11) pode ser uma opção, ou ainda o burro selvagem africano (Equus africanus), que em tempos existiu no Norte de Africa, de Marrocos ao Egipto, desde os campos junto ao Mar Mediterrâneo às montanhas do Atlas, mas que hoje apenas sobrevive na Eritreia e no Djibouti, na África Oriental.

Ambos partilham muitas características, como a resistência à seca e a temperaturas extremas e uma dieta variada. Até comungam de um comportamento interessante em zonas árida e semiáridas: escavam poços para beber água, alguns com quase um metro de profundidade, o que beneficia muitos outros animais. É uma espécie bastante resistente e os programas de reintrodução são relativamente simples, já tendo voltado às planícies secas e quentes do Médio Oriente e aos campos frios da Ucrânia e do Cazaquistão.

Esta é mais uma espécie para completar o puzzle do ecossistema. Mais um herbívoro para moldar a paisagem, criar mosaicos, prevenir incêndios e espalhar sementes. Mais uma presa potencial para o lobo-ibérico. Mais um animal que no fim da vida pode ser alimento para abutres e pequenos predadores e que cria habitat para a perdiz e o coelho e, quem sabe, para a tartaruga terreste. É também mais um animal para criar oportunidades para insetos, desde a pequena joaninha ao grande escaravelho.

Mas não só. O burro selvagem é além do mais um grande animal para dar vida à paisagem. É mais uma espécie para restaurar processos naturais, para espalhar nutrientes na paisagem, para ativar o ciclo de carbono, para adaptar e mitigar os efeitos das alterações climáticas. Mais um animal para completar processos e ocupar nichos ecológicos (24).

Cria de burro selvagem africano. Foto: T.Voekler/Wiki Commons

Para esta espécie voltar a Portugal é preciso um programa de reintrodução, identificar áreas com habitat potencial, selecionar animais para solta, alguns em zoos ou centros de vida selvagem, e soltar animais em novas áreas. É igualmente importante realizar campanhas de educação ambiental e delinear boas medidas de coexistência, para que o regresso do burro selvagem seja visto como uma oportunidade e não como um problema.

Em Portugal há várias zonas com habitat potencial para o burro selvagem: as Serras do Algarve, de Monchique ao Caldeirão, as planícies de Castro Verde e os campos do Vale do Guadiana e Barrancos, Costa Vicentina, Serra de Grândola, pinhais de Setúbal, Serra de São Mamede, Tejo Internacional, serras da Zona Centro, Serra de Aire e Candeeiros, Serra da Malcata, planalto do Côa e Trás-os-Montes.

Como será passear pelo mato mediterrâneo no fim do verão e entre zonas abertas, com árvores, arbustos e prados, e encontrar uma manada de burros selvagens, camuflados ao longe entre a paisagem seca? Ou explorar o leito de um rio seco e encontrar poços escavados por burros com pegadas de vários animais selvagens, linces, gamos, cavalos, coelhos, lobos, muflões e veados.

Manada de burros selvagens asiáticos. Foto: Wildmishra/Wiki Commons

É bom preservar raças domésticas de burro, mas é igualmente importante recuperar os descendentes selvagens dos animais domésticos e as suas funções no ecossistema – como além deste caso, é também o que sucede nos cavalos selvagens e no auroque.

Há diferenças claras entre animais domésticos e animais selvagens, pois os primeiros precisam de cuidados veterinários, apoios na forma de subsídios, alimentação suplementar e vedações, enquanto que os animais selvagens não precisam desses cuidados. Por último, se for um animal doméstico e for comido ou atacado é um problema, mas se for selvagem esse é um processo que faz parte do ecossistema. Em caso de ataque um recebe compensação monetária, o outro não.

A diminuição da atividade agrícola em terrenos marginais, um pouco por todo o país, está a criar novas oportunidades para a vida selvagem. Queremos continuar a ver apenas grandes animais, domados ao longo de gerações em pequenos quintais? Ou queremos ver de novo animais livres a desempenhar o seu papel no ciclo da vida em grandes paisagens? Continuar a apostar em ecossistemas degradados e frágeis ou tentar algo novo e apostar em ecossistemas completos e funcionais?

É uma escolha. Histórias negativas, de perda e conformismo, ou histórias positivas, de esperança e possibilidade. O burro selvagem pode voltar a Portugal.

Daniel Veríssimo

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