Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Um olhar mais distraído dirá que os temas do ambiente têm vindo a entrar nas cabeças. Começamos a ter noção da irracionalidade com que por toda a parte se destrói a torto e a direito, fala-se em emergência e os discursos já roçam o pânico, a única coisa que nos leva a agir com caráter obrigatório e inadiável. Mas interiorizarmos o que interessaria de forma a que tal viesse a traduzir-se em algo concreto e eficaz ainda vem longe. Apesar das sirenes, e mesmo percebendo que temos um pé no precipício, é provável que nos habituemos a assistir placidamente à multiplicação de cenários universais de devastação (como os que estão a acontecer) sem mexer um dedo.
A crise ambiental não foi algo que subitamente caísse do céu e nos apanhasse de calças na mão. Por princípio não sabemos fazer outra coisa a não ser alterar o que nos rodeia, está na nossa índole. Enquanto fomos poucos, os danos eram insignificantes. O perigo apenas surgiu quando, munidos de crescente capacidade destrutiva, e achando isso bom, começámos a abarrotar o mundo até chegar aos atuais quase oito mil milhões de indivíduos. Não contentes, fizemos de nós uma prodigiosa maquinaria de engendrar objetos sem fim, dependemos da aquisição deles como objetivo de vida e adoramos isto como se adoravam os deuses do olimpo.
Resultado?... Tornámo-nos um monstro devorador do que apanha pela frente, literalmente capaz de emporcalhar o mundo com dejetos, modificar o clima, envenenar até aquilo que o alimenta. A nossa conduta equipara-se à do louco que se dispõe a demolir a própria casa ou come no prato e defeca nele ao mesmo tempo, aquilo a que nos referimos sob os eufemismos de crescimento, desenvolvimento, progresso. É caso para pensar se esta deriva na direção de um mais que provável apocalipse, com todos os ingredientes de aventura suicida coletiva, não será a confirmação da ideia freudiana do instinto de morte.
A tragédia não está tanto em ignorar os problemas e suas causas como em ter de enfrentá-los com a mesma mente destrambelhada que os criou. Tal como um edifício é sustido por alicerces invisíveis, nós somo-lo por impulsos obscuros que nos conduzem. Alguns podem inclusive levar-nos à ruína e seria útil repudiá-los. Mas como, se mal nos damos conta deles? Valha-nos que as dificuldades, tal como as soluções, estão todinhas no abismo obscuro da nossa alma, que sem parar nos pisca o olho e convoca a escutá-la. Só que penetrar nela para conhecer umas e outras implica tais canseiras e tais medos que a primeira reação de quem o tenta é fugir espavorido. De qualquer jeito, há sempre o perigo de a explorar e no regresso à luz exigirmos de nós mudanças de atuação tão radicais que psicologicamente equivaleriam a uma morte.
Então, morrer por morrer que seja ao menos com a maior comodidade, sem abdicar de velhos hábitos e se possível de barriga cheia. Eis por que nos viramos para fora e desforramos em comida, em bebida, em sexo, em jogo, em excitação, em químicos, em futebol, em redes, em busca de prestígio, em carreiras, em viagens, em explorações nos vários sentidos, em conflitos, em violência, em ódio, em cretinice, em toda a sorte de exageros presunçosos e imprudentes, conhecidos por húbris, que levavam os antigos heróis gregos à perdição. Porém a nossa tábua de salvação preferida, mistura dos pecados da gula e da ganância, é o consumo desenfreado, a acumulação de objetos e bens, a competição por vidas exteriormente mais e mais recheadas, caminho sem regresso que nos vai mantendo alienados até que rebentemos com os recursos a terra e com ela própria. E de tudo isto advém a minha pouca fé em sustentabilidades.
O que ansiamos consertar no exterior é uma tarefa hercúlea que apenas pode ter lugar internamente, no dia em que nos sentirmos maduros e com coragem para a levar a cabo. Hoje ainda estamos na fase de querer em simultâneo uma coisa e o seu contrário, abusar do ambiente e querê-lo saudável. Por bizarro que soe a ouvidos racionalistas, à espera de melhores dias cada um pode ir praticando em casa, em solidão, em silêncio, longe das multidões, esse mergulho no oceano imenso e misterioso que tem dentro e fazer introspeção a fim de se conhecer. Ou rezar, se preferirem chamar-lhe assim. É difícil, como disse, mas costuma ser estranhamente eficaz e ao menos enquanto tentamos não arruinamos o que a natureza nos deu.
A crise ambiental não foi algo que subitamente caísse do céu e nos apanhasse de calças na mão. Por princípio não sabemos fazer outra coisa a não ser alterar o que nos rodeia, está na nossa índole. Enquanto fomos poucos, os danos eram insignificantes. O perigo apenas surgiu quando, munidos de crescente capacidade destrutiva, e achando isso bom, começámos a abarrotar o mundo até chegar aos atuais quase oito mil milhões de indivíduos. Não contentes, fizemos de nós uma prodigiosa maquinaria de engendrar objetos sem fim, dependemos da aquisição deles como objetivo de vida e adoramos isto como se adoravam os deuses do olimpo.
Resultado?... Tornámo-nos um monstro devorador do que apanha pela frente, literalmente capaz de emporcalhar o mundo com dejetos, modificar o clima, envenenar até aquilo que o alimenta. A nossa conduta equipara-se à do louco que se dispõe a demolir a própria casa ou come no prato e defeca nele ao mesmo tempo, aquilo a que nos referimos sob os eufemismos de crescimento, desenvolvimento, progresso. É caso para pensar se esta deriva na direção de um mais que provável apocalipse, com todos os ingredientes de aventura suicida coletiva, não será a confirmação da ideia freudiana do instinto de morte.
A tragédia não está tanto em ignorar os problemas e suas causas como em ter de enfrentá-los com a mesma mente destrambelhada que os criou. Tal como um edifício é sustido por alicerces invisíveis, nós somo-lo por impulsos obscuros que nos conduzem. Alguns podem inclusive levar-nos à ruína e seria útil repudiá-los. Mas como, se mal nos damos conta deles? Valha-nos que as dificuldades, tal como as soluções, estão todinhas no abismo obscuro da nossa alma, que sem parar nos pisca o olho e convoca a escutá-la. Só que penetrar nela para conhecer umas e outras implica tais canseiras e tais medos que a primeira reação de quem o tenta é fugir espavorido. De qualquer jeito, há sempre o perigo de a explorar e no regresso à luz exigirmos de nós mudanças de atuação tão radicais que psicologicamente equivaleriam a uma morte.
Então, morrer por morrer que seja ao menos com a maior comodidade, sem abdicar de velhos hábitos e se possível de barriga cheia. Eis por que nos viramos para fora e desforramos em comida, em bebida, em sexo, em jogo, em excitação, em químicos, em futebol, em redes, em busca de prestígio, em carreiras, em viagens, em explorações nos vários sentidos, em conflitos, em violência, em ódio, em cretinice, em toda a sorte de exageros presunçosos e imprudentes, conhecidos por húbris, que levavam os antigos heróis gregos à perdição. Porém a nossa tábua de salvação preferida, mistura dos pecados da gula e da ganância, é o consumo desenfreado, a acumulação de objetos e bens, a competição por vidas exteriormente mais e mais recheadas, caminho sem regresso que nos vai mantendo alienados até que rebentemos com os recursos a terra e com ela própria. E de tudo isto advém a minha pouca fé em sustentabilidades.
O que ansiamos consertar no exterior é uma tarefa hercúlea que apenas pode ter lugar internamente, no dia em que nos sentirmos maduros e com coragem para a levar a cabo. Hoje ainda estamos na fase de querer em simultâneo uma coisa e o seu contrário, abusar do ambiente e querê-lo saudável. Por bizarro que soe a ouvidos racionalistas, à espera de melhores dias cada um pode ir praticando em casa, em solidão, em silêncio, longe das multidões, esse mergulho no oceano imenso e misterioso que tem dentro e fazer introspeção a fim de se conhecer. Ou rezar, se preferirem chamar-lhe assim. É difícil, como disse, mas costuma ser estranhamente eficaz e ao menos enquanto tentamos não arruinamos o que a natureza nos deu.
Nordeste - out. 2022
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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