O comércio e as transacções que mais interessam e envolvem as comunidades locais são as feitas nas feiras concelhias e nalgumas festas religiosas de grandes e pequenas romarias. São em especial feiras de pequeno trânsito e raio local, ainda que nalgumas delas se possam organizar e estruturar alguns comércios e circuitos de mais largo trânsito. Elas são a expressão, nos produtos transaccionados e na frequência e regularidade da sua realização, de uma economia muito localizada e compartimentada. Isto sem embargo de serem também a expressão das necessidades locais de intercâmbios e da aquisição de produtos vindos de mais larga distância, mercadorias da indústria exterior.
As feiras são por outro lado uma realidade fortemente desenvolvida e enquadrada pela organização e poder municipal (régio ou senhorial) que pelas feiras e mercados locais deve prover a autonomia e autarcia alimentar do povo do seu concelho, mas também estimular o comércio, sobre que as câmaras realizam receitas municipais e exercem e manifestam importantes aspectos do seu domínio e jurisdição económica, essenciais à organização municipal de Antigo Regime. Por isso o quadro das fracas possibilidades de trânsito, imposto pelas dificuldades de circulação, por um lado e por outro, o da divisão concelhia, na maior parte dos casos assente em micro-concelhos e coutos, impõem e são, em última análise, os responsáveis por esta estrutura de pequenas feiras locais de raio muito limitado por onde se desenvolve o maior número de transacções necessárias à vida económica e social (realização de algum dinheiro) destas populações. Há assim, em princípio, tantas feiras quantas as jurisdições municipais existentes, porque aquelas são parte essencial da definição e existência destas.
Feiras de criação régia – isto é, concessões, privilegios e autorizações régias dadas aos concelhos – são por regra feiras francas ou forras, onde os moradores das vilas e termos e também os que de fora vêm aí a mercandejar não pagam direitos pela venda de mercadorias e assentos das tendas ou barreiras de vendas de mercadorias ou comestíveis. Feiras de criação municipal, com a necessária autorização régia, são por regra feiras «captivas», onde os concelhos vem realizar importantes receitas. E ao lado das feiras municipais ou régias há as feiras que se realizam em territórios de jurisdição eclesiástica, aí onde o recurso aos direitos cobrados pela respectiva autoridade – meirinho do vigário geral da comarca eclesiástica – parece ter sido a regra.
As informações recolhidas nas Memórias em que um item perguntava directamente sobre a
existência de feiras permite proceder à identificação de existências, sua localização, dia de realização, frequência, duração, regime fiscal, enfim, produtos aí transaccionados. É o que o quadro adiante publicado resume. Entre feiras semanais, mensais e anuais, incluindo as municipais e eclesiásticas e as que se organizam no quadro de grandes romarias para as freguesias que integram os 12 concelhos do Distrito de Bragança, registam-se 66 realizações, o que dá uma média 5,5 feiras/concelho (territórios dos actuais concelhos). Trata-se de um valor sensivelmente igual à média dos concelhos do Distrito de Viana do Castelo que é de 6,1 e dos concelhos do Distrito de Braga com 4,6 e bem superior à de Vila Real com 3,2 feiras por concelho. São dados que tem a ver, entre outras razões, designadamente com os do enquadramento administrativo concelhio ao tempo das Memórias Paroquiais, que ao território dos actuais concelhos faziam corresponder ao tempo outras unidades concelhias, cada uma , em princípio, com feira própria.
De qualquer modo são sempre indicadores que testemunham uma significativa convivência e trato mercantil destas sociedades e economias do Antigo Regime.
As feiras anuais são, naturalmente, lugares e momentos de encontros mais desenvolvidos de gentes e produtos, em regra, associados às feiras das colheitas de Setembro e também às grandes romarias do dia do orago; por isso muitas delas são realizadas no espaço ao redor ou na proximidade da igreja ou capela do santo(a). As feiras mensais, quinzenais e as semanais são porém as que exprimem maior desenvolvimento, continuidade e articulação da vida económica.
Correspondem estas feiras às necessidades locais? Estão em condições de corresponder ao desenvolvimento regional e suportar o desenvolvimento económico como pedem alguns Memorialistas? Ou são pelo contrário obstáculos à produtividade económica pelos trabalhos e braços que distraem para estas actividades mais lúdicas e festivas do que produtivas, como se lhe referem os fisiocratas, delas críticos pelo seu elevado número? Não há reflexões desta natureza vindos dos párocos memorialistas, ainda que a elas esteja de um modo geral subjacente a ideia de que a existência de uma feira é um claro indício de desenvolvimento, distinção e privilégio da terra, mas também que elas são imposição administrativa das câmaras e da igreja para realizar as suas festividades e receitas e afirmar os seus poderes e jurisdições.
Em princípio a cada unidade concelhia deve corresponder uma feira própria, não só para promover a sua autonomia alimentar e mercantil mas também para realização dos recursos financeiros que em princípio se realizam com direitos de circulação entradas e saídas nos limites do concelho (alfândegas e portagens) locais de vendas e de depósitos de mercadorias, mas também de usos dos pesos e medidas municipais, fixadas ou não nos forais. E o mais natural é que cada um destes concelhos realize pelo menos uma feira mensal. E nos mais desenvolvidos, com maiores núcleos urbanos a quem é necessário acorrer com abastecimentos em maior quantidade e mais regular, feiras quinzenais, semanais e até mercados de venda diária.
Não se registam nestas Memórias referências a feiras quinzenais ou semanais. Nem tão pouco a mercados (ainda que esta questão também não fosse objecto do Inquérito).
Os maiores centros urbanos da região e sedes dos maiores concelhos têm feiras mensais: as cidades de Bragança e Miranda, a vila de Torre de Moncorvo, mas também, entre outros, Vinhais, Mirandela, Vimioso, Vila Flor, Alfândega da Fé, Mogadouro, Carrazeda, Freixo de Espada à Cinta. Algumas destas terras podem associar à realização da feira mensal, outras feiras de ano, como é o caso de Freixo, Mirandela (2 anuais), Mogadouro (2 anuais), Torre de Moncorvo (a feira anual dura três dias), e até Sendim, do concelho de Miranda. Estes são, sem dúvida, os maiores pólos de concentração e desenvolvimento mercantil da Província.
Porém são muitos os concelhos que não têm feira mensal, só têm feira de ano e em alguns nem feiras se registam. Prova do facto da pequena dimensão e reduzido caudal e movimento comercial e desenvolvimento social destes territórios e suas sedes.
Muitos destes territórios recorrem quando não tem feira às feiras vizinhas mais próximas. E em alguns casos as feiras próprias regulam-se e administram-se pelos oficiais das alfândegas das terras maiores a que vão articuladas. É o caso da feira da vila e concelho de Rebordãos e de Frieira que se regulam e pagam os direitos pelos da alfândega de Bragança.
Feiras de ano estão muito generalizadas e vão, em geral, associadas à realização de festas e romarias de maior dimensão o que significa dizer que é o calendário festivo e religioso que dá ocasião à realização de feiras e mercados, que só servem as necessidades do consumo do dia e romeiros, mas dão também azo a alguns comércios e às vezes a grandes concentrações anuais regionais.
As grandes feiras mensais das cidades e vilas da Província parecem articular-se entre si, não se sobrepondo nas datas de realização, conservando um distanciamento – temporal e geográfico – regular de modo a melhor poder estimular e organizar fluxos maiores e mais amplos de comércio, que nos parece claramente concentrado nestes momentos e centros maiores. Elas situam-se de facto também nos principais eixos de circulação da Província, que podemos também seguir para a organização e mobilidade dos Correios, em especial no que diz respeito à articulação de Torre de Moncorvo com Vila Flor, Mirandela e daí para Chaves, Torre de Moncorvo, Vila Flor, Alfândega da Fé. Mas também Torre-Freixo e Torre-Mogadouro, Sendim e Miranda. E o que articula Bragança com Vinhais (daí para Chaves) e com Miranda (para Outeiro e Vimioso).
Memórias Paroquiais 1758
in:repositorium.sdum.uminho.pt
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