Careto: Máscara e fato |
No Nordeste transmontano, o ciclo festivo de Inverno está inserido no período que se inicia com o solstício passando por vários períodos terminando com o Carnaval. Pereira, socorrendo-se das palavras de Ernesto Oliveira Pereira, lembra-nos que o Carnaval é “uma das festividades cíclicas mais complexas e ricas de aspectos e significados tendo a sua origem num fundo agrário” (1993: p.73).
Estas festas, têm um pouco de sagrado e de profano, que se manifesta entre o cristão e o pagão, ou seja, estamos perante uma coesão pacífica de duas situações existenciais que o homem criou e que, tal como nos refere Tiza, “surgem aqui como algo sui generis, diferenciadas de lugar para lugar, em que tanto se demarcam radicalmente como se aproximam” (2004: p.15). O simbolismo do culto da natureza, o acto profiláctico de purificação da comunidade e o acto do culto dos santos, surgem como uma estreita relação entre o homem e o sobrenatural que se tocam, que se misturam e se confundem.
Estas festividades de Inverno, têm diferentes rituais constituídos por actos sagrados “porque encerram sempre uma certa forma de culto a prestar à divindade” (Tiza: 2004, p.16), procurando sempre estabelecer uma ligação com os mortos, existindo, como afirma Eliade, um certo paralelismo em que o Homem tenta uma possível aproximação com os deuses: “lá no recinto sagrado, é tornada possível a comunicação com os deuses, existindo uma porta para o alto, onde os deuses podem descer à terra e o homem pode subir simbolicamente ao Céu” (Eliade: 1979, p.63).
Pormenor da Máscara do Careto |
Actualmente, nas festas de Inverno em algumas localidades do Nordeste Transmontano podemos verificar que ainda está bem presente, na população em geral, toda a magia e o mistério que provocam essas festas e que comprovam o que foi dito anteriormente, particularmente no que respeita à “Festa dos Rapazes”, em que a liturgia cristã está sempre presente no acto festivo, mesmo que se trate de uma festa tipicamente pagã, e vice-versa. Estas rondas, que são feitas formalmente pelos mascarados, pelos mordomos ou pelos juízes da festa são um acto onde está presente toda a cortesia de um momento solene da liturgia pagã:
“Os líderes, denominados mordomos ou reis, detêm todo o poder da organização profana da festa, mas também se responsabilizam pela componente religiosa” (Tiza: 2004, p.23).
Muitos rituais são realizados na praça pública tais como as danças, as chocalhadas dos mascarados, as representações que acompanham toda a crítica social e que se desenrola durante dias. Estes caracterizam-se por ter uma carga diabólica que lhes é popularmente atribuída.
O acompanhamento da missa pela gaita-de-foles, pode ser considerado uma intromissão do profano no sagrado, uma vez que aquela foi sempre tida como um instrumento profano, mantendo-se, por isso, separado dos rituais sagrados.
Contudo, estava sempre presente nos divertimentos da população, ou seja, nos rituais profanos de cariz pagão.
Careto: Máscara |
Importa dizer que os “mascarados” são consideradas figuras profanas, sendo retiradas do recinto que envolve a igreja e, nomeadamente, de dentro do espaço sagrado que é a própria igreja. Afirma Tiza, relativamente aos mascarados: “para assistirem à missa, estas personagens devem despojar-se da máscara e das vestimentas, interrompendo nessa altura as suas funções rituais pagãs” (2004: p.21). Depois de respeitada a proibição de participar nos momentos sagrados, os mascarados podem/devem fazer parte integrante de todos os momentos da festa juntamente com os mordomos, tudo isto ao ritmo da gaita-de-foles e ao ritmo de caixa, numa espécie de rito sagrado.
Estes ritos são só para rapazes, tal como nas antigas sociedades secretas masculinas, nas quais os jovens antes de se iniciarem, deviam submeter-se a determinadas provas, mascarando-se em seguida e executando danças violentas para afastar a presença das mulheres.
Actualmente, o mascarado, ou seja, o Careto, desempenha funções meramente profanas, bem diferentes das da sua origem. Temos o caso dos Caretos de Podence, que bem retrata as manifestações de uma tradição secular transmontana, a qual confunde elementos profanos, mágicos e religiosos, em que o mascarado activo se torna, pela sua metamorfose, num ser de uma ordem superior, gozando de uma força e de uma liberdade sem paralelo, sendo não só o principal líder, como ainda, o principal animador da festa.
Pormenor do trajo |
Na Antiguidade, havia como que um elo de ligação entre os vivos e os mortos, entre o Homem e a Divindade. Esta dicotomia, ao longo dos tempos tornou-se extensiva à passagem de uma estação para a outra, de um ano para outro, algo que representava um risco na vida social e cultural. Em coincidência com esse período o homem envergava vestimentas e cumpria rituais para garantir as relações dos vivos com o mundo sobrenatural.
Ainda hoje o homem, inconscientemente, desempenha as mesmas funções e, aos olhos do povo, o mascarado representa o diabo e como tal se assume. Dado existirem espaços onde os mascarados não podem fazer o seu exercício, como por exemplo, o adro da igreja e a própria igreja, estes locais servem de refúgio às moças e aos garotos, que têm medo de ser perseguidos.
Careto em posição de ataque |
Todo este envolvimento é rico de crenças populares, salientando Tiza que “se algum Careto morrer, enquanto revestido dos seus adereços, vai direito para o Inferno” (Tiza: 2004, p.20), uma vez que o mesmo se encontra no estado de pecado mortal, por desempenhar práticas diabólicas. Esta crença foi incentivada durante muitos séculos pelo clero, com o intuito de demover os jovens destas práticas.
Benjamim Pereira (cit. por Tiza: 2004, p.20) refere que, o “aparecimento de máscaras nestas festividades não se relaciona com qualquer aspecto do seu significado actual, mas constitui certamente uma sobreposição de cerimónias, com base na consciência de datas e, talvez, no sentido longínquo e obscuro das celebrações religiosas do Inverno”.
Na realidade, e relembrando um pouco o que foi dito anteriormente, o mascarado quando está a desempenhar a sua função, com a sua máscara e com as respectivas vestes, transforma-se num ser superior, tal como refere Tiza “gozando de uma força e liberdade sem paralelo; coloca-se assim acima de todas as normas estabelecidas, e como se tratasse de um ente sobrenatural mas possuído pelo demónio, liberta-se de todos os entraves e dá largas às suas faculdades de destruir e de castigar, de troçar e de acariciar, de dançar e de gritar, segundo a sua vontade” (2004: p.21). Todas estas representações têm uma liberdade de se exprimir que as colocam acima das normas sociais e morais, desempenhando um papel favorável para a crítica social, envolvendo algo de mágico e de sacralizante, visto que vão representar e criticar a comunidade no seu todo, ou nos seus membros ou, ainda, num grupo social específico.
É neste contexto que a máscara no seu aspecto cultural, ritual e profano assume um carácter de verdadeira representação dramática, através de trajes e atributos que prefiguram seres sobrenaturais. Karl Meuli (cit. por Pereira, 1973), relembra como funções capitais, os peditórios, as censuras, as bênçãos e as oferendas, o que tem a ver com os ritos próprios dos espíritos. A oferenda desaparece de maneira misteriosa sendo esse género de “roubo” muito espalhado e considerado como um direito capital das máscaras. As máscaras actuam como uma forma de censura, escondendo-se nela todo o mistério de quem as utiliza.
Na verdade, o cristianismo conferiu às máscaras um valor puramente negativo, transformando-as num artifício diabólico. Esta explicação é particularmente evidente no caso das cerimónias tradicionais dos mascarados, as quais tiveram de se integrar e reajustar a novos contextos, ao serviço da Igreja, Santos, Patronos, e também a diversões profanas e lúdicas, solsticiais, ocasionais e do Carnaval.
Benjamim Pereira (cit. por Tiza: 2004, p.20) refere que, o “aparecimento de máscaras nestas festividades não se relaciona com qualquer aspecto do seu significado actual, mas constitui certamente uma sobreposição de cerimónias, com base na consciência de datas e, talvez, no sentido longínquo e obscuro das celebrações religiosas do Inverno”.
Na realidade, e relembrando um pouco o que foi dito anteriormente, o mascarado quando está a desempenhar a sua função, com a sua máscara e com as respectivas vestes, transforma-se num ser superior, tal como refere Tiza “gozando de uma força e liberdade sem paralelo; coloca-se assim acima de todas as normas estabelecidas, e como se tratasse de um ente sobrenatural mas possuído pelo demónio, liberta-se de todos os entraves e dá largas às suas faculdades de destruir e de castigar, de troçar e de acariciar, de dançar e de gritar, segundo a sua vontade” (2004: p.21). Todas estas representações têm uma liberdade de se exprimir que as colocam acima das normas sociais e morais, desempenhando um papel favorável para a crítica social, envolvendo algo de mágico e de sacralizante, visto que vão representar e criticar a comunidade no seu todo, ou nos seus membros ou, ainda, num grupo social específico.
É neste contexto que a máscara no seu aspecto cultural, ritual e profano assume um carácter de verdadeira representação dramática, através de trajes e atributos que prefiguram seres sobrenaturais. Karl Meuli (cit. por Pereira, 1973), relembra como funções capitais, os peditórios, as censuras, as bênçãos e as oferendas, o que tem a ver com os ritos próprios dos espíritos. A oferenda desaparece de maneira misteriosa sendo esse género de “roubo” muito espalhado e considerado como um direito capital das máscaras. As máscaras actuam como uma forma de censura, escondendo-se nela todo o mistério de quem as utiliza.
Pormenor do fato do Careto |
Mariana Especiosa do Rosário
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
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