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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira..
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

O ENTRUDO NO NORDESTE TRANSMONTANO

“ O mascaramento é um fenómeno especial que vive
no coração do social. A condição psíquica que ele
implica – o furor, a folia – não é só uma categoria
lúdica, ele é também um facto humano sobre o
o qual não mais se acaba de reflectir”.
(Louis Gernet)

Tradição e Significado
É nas terras arcaicas e isoladas do Nordeste Transmontano, no ciclo das festas do Inverno, que se iniciam no dia de Todos-os-Santos e que podem prolongar-se até ao Sábado de Aleluia ou ao Domingo de Páscoa, que o panorama temático e funcional destas festividades, em que participam os mascarados, mostra aspectos significativos. Estes estão representados, fundamentalmente, nas seguintes festividades: “Festas dos Rapazes” propriamente dita, festas de Santo Estêvão, festas de Natal, Ano Novo e Reis e Carnaval. As festas de S. João e de S. Pedro, embora não estejam incluídas no ciclo das festas de Inverno, contam, igualmente, com a participação dos mascarados.
O povo, por vezes, considera também o Entrudo como que sendo um santo. Veja-se, a este respeito, o que diz Coelho: “O povo meio comicamente, meio a sério, faz do Entrudo um santo; a expressão Santo Entrudo é muito usual.” (1993: p. 299)
Como já foi referido, o Entrudo urbano ou rural dos nossos dias, tem a sua origem nas antigas festas da Natureza, ligadas à agricultura, as festas Saturnais romanas e as Lupercais celebradas em honra de Pan, o deus dos rebanhos. “Pan é a divindade mais importante do séquito de Dionísio [Baco, na mitologia romana]; deus dos pastores e dos rebanhos, considerou-se originário da região da Arcádia, mas o seu culto espalhou-se por todo o mundo helénico e inclusive para além das suas fronteiras”. (Francesc-Lluís Cardona 1996: p. 126)
O aspecto demoníaco de Pan era consequência da sua cornamenta caprina e do seu corpo peludo. Os seus membros inferiores de bode faziam dele uma figura medonha. Como as artes de sedução nem sempre resultavam, utilizava a força, embora nem sempre tivesse o êxito que pretendia. Um dos seus poderes mais característico era, sem dúvida, o de causar pânico entre as pessoas, obrigando-as a fugir aterrorizadas. Celebravam-se, em sua honra, as festividades agrárias do início da Primavera.
Nesses tempos, e nessas festas (Saturnais/Lupercais) em honra do deus Pan, protector dos rebanhos, eram permitidos àqueles que as que festejavam, todos os excessos, tanto no uso e abuso da comida e bebida, como no escape às regras e comportamentos socialmente estabelecidos, organizando-se, para tal, em associações ocultas. Estas ilicitudes eram efectuadas pelos próprios sacerdotes, que erguiam verdadeiros cultos de apelo à fecundidade, isto no momento mais propício do ciclo da Natureza, ou seja, a aproximação do seu rejuvenescimento que se processava com a entrada na Primavera.
Este era também o momento da purificação e expurgação das pessoas e das comunidades, o que se processava pelos rituais de crítica social institucionalizada e a sua divulgação em praça pública.
A célebre expressão popular “É Carnaval ninguém leva a mal” encontra, assim, a sua razão de ser nestes devassos rituais, próprios destas celebrações, uma devassidão permitida e que, a par de outros ritos expurgatórios constitui, ainda hoje, a sua principal característica.
Ao transpormos esses rituais para a nossa realidade cultural, e no caso concreto do Carnaval de Podence, encontramos a sua representação nos castigos que os mascarados aplicam às mulheres que se atrevem, nesse dia, a sair à rua, “as chocalhadas” como rito regenerativo e fecundante que os espampanantes Caretos revivem e a crítica social expressa na publicação e encenação dos “casamentos” burlescos e ridicularizados dos jovens casadoiros. Estamos, pois, perante rituais expurgatórios de um tempo de passagem que se consubstancia no desfecho do Inverno e o início na Primavera.
Na actualidade, e apesar da “cristianização” que todas estas práticas festivas sofreram ao longo de dois milénios, consideramos poder-se atribuir o mesmo sentido aos rituais carnavalescos que se encontram em algumas localidades do Nordeste Transmontano, e que decorrem no Domingo Gordo, Carnaval, Quarta-Feira de Cinzas e, posteriormente, a meio da Quaresma.
No Nordeste Transmontano, são várias as localidades rurais que no Carnaval se mantêm fiéis às suas tradições e ritos. Estas festas são sinónimo de comunicação e ponte entre idades, sexos e estatutos sociais.
A título exemplificativo, deixamos aqui registado, alguns dos rituais executados em algumas aldeias do distrito de Bragança:
- Na aldeia de Paradinha Nova, os habitantes, no dia de Carnaval, constroem bonecos de palha e repartem-nos pelos bairros da aldeia. Quando chega a noite, prendem-nos nas árvores e destroem-nos à pancada, utilizando paus;
- Em Pinela, na segunda-feira de Carnaval, ao final da tarde, os homens constroem um boneco e escondem-no numa casa à escolha, sem o dono da casa escolhida saber. Na terça-feira de Carnaval à tarde, os restantes habitantes saem à rua e dão a volta à aldeia à procura do Entrudo (boneco). Na casa onde o Entrudo for encontrado, os donos têm que lhes dar de comer. Na quarta-feira, à tarde, os habitantes queimam o Entrudo (o boneco);
- Em Babe, na terça-feira de Carnaval à noite, os habitantes mascaram-se e vão a casa dos vizinhos sem se deixarem reconhecer. A estes mascarados dá-se o nome de “farramechos” ou “farramusqueiros”;
- Na aldeia de Penhas Juntas, no dia de Carnaval, os rapazes desfazem a cama às raparigas e as raparigas aos rapazes, e nada os trava; caso seja necessário, entram pela janela e deitam farinha e açúcar na cama. À noite, os rapazes e as raparigas da aldeia também se vestem de Caretos e vão pedir pelas casas;
- Em Carrazedo, na noite de Carnaval, os rapazes da aldeia constroem um boneco de palha e colocam-no à porta de casa das moçoilas. Por sua vez, cada uma delas, no decorrer da noite vigia a sua porta e, se o boneco de palha se encontrar à sua porta, vai colocá-lo à porta de outra moça. De manhã, onde estiver o boneco de palha, é sinal que a moça dessa casa não irá casar;
- Em Bouça e Ferradosa, os homens prendem dois burros, e com um arado fingem que estão a arar. Depois, dois homens trazem um saco de cinza, e fingem que vão semeando, enquanto atiram cinza às pessoas;
- Nas aldeias de Podence, Ousilhão, Vila Boa, Varge, Salsas e Baçal, nos dias de Carnaval, os homens da aldeia mascaram-se de Caretos e saem à rua em magotes barulhentos, espalhando o “terror, excitação e riso”.
É nesta região, que todos os anos, na altura do Carnaval, as populações se unem e se organizam de forma a defender os valores culturais e etnográficos da cultura popular do Nordeste Transmontano, mantendo viva a tradição.
Os caretos de Podence, ao contrário do que acontece noutras localidades desta região, têm sido mais divulgados devido ao interesse dos habitantes que conjuntamente com a comunicação social (rádio e televisão) promovem os eventos que celebram, em especial na quadra carnavalesca.
O facto de todos os anos se celebrar o Entrudo com a presença forte dos caretos de Podence, bem como as digressões que estes fazem pela Europa acompanhados pela comunicação social, também contribui para a manutenção viva desta tradição secular.

Mariana Especiosa do Rosário
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

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