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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 15 de julho de 2014

Extravagância e excentricidade

Quem, no trato social, diverge dos padrões comportamentais comummente aceites no seu grupo, seja na escola, no trabalho, na aldeia, vila, cidade ou bairro, fica exposto à crítica negativa dos demais. Já não refiro a maledicência gratuita de vizinhos, colegas de profissão ou de militância, que veem no “outro” um competidor apenas bafejado pela sorte enquanto de si próprios fazem um conceito bem mais lisonjeiro, o reverso da medalha, manifestação da inveja mesquinha, velha e relha, logo ineficaz, arma dos fracos. Esses nunca compreenderão que as maiores vítimas do comentário maldoso serão eles, porque a inveja tem, com frequência, um efeito boomerang, além de não escaparem à sabedoria popular que a eles se refere em provérbios e expressões idiomáticas censórias, abundantes na nossa língua como em muitas outras, por isso mesmo dispensáveis agora e neste lugar. 
O que tenho em mente é um conjunto de procedimentos que vão em contracorrente ao que é habitual: aqueles que, passados os primeiros momentos de estranheza e repúdio pela novidade, tornam-se modelos e tendem a generalizar-se; abusos em relação à dignidade e à propriedade alheias, perpetrados com sobranceria e indiferença por indivíduos que, por sua posição social, se julgam acima da lei. No primeiro lustro dos anos cinquenta, o Totó, originário de uma aldeia do concelho de Macedo de Cavaleiros, se não me falha a memória, veio frequentar o Liceu de Bragança, então único nesse distrito, acompanhado do irmão Germano. Possuíam bens que lhes permitiam conforto material e uma desenvoltura que à maioria não eram consentidos. Vai daí, o Totó começou a dar nas vistas pela maneira como se apresentava. Um dia, apareceu envergando calças vermelhas, o que provocou escândalo e comentários pouco lisonjeiros. Raríssimos ousariam enfrentar olhares perplexos, risos trocistas e bisbilhotices ditados pelo conservadorismo reinante. Porém, o Totó não era fácil de vergar, já previa tais reações e, dias mais tarde, saiu de calças cozidas com remendos de várias cores e formatos, em quadrado, em retângulo, em losango. 
Quem usava calças remendadas eram os mais pobres, recurso último antes de ser forçado a comprar roupa nova. Não se lhe afigurando de somenos tal “falta de respeito”, o polícia de giro interpelou-o naquele tom de voz áspero e autoritário que esses tempos avalisavam. O rapaz desculpou-se e o polícia, que, para si, achou graça ao atrevimento do jovem, ordenou-lhe que fosse mudar de indumentária e que não repetisse a façanha. Pois sim! Não demorou muito e nova “afronta” obrigou o agente a conduzi-lo à esquadra. Visto o “crime” não constar na relação de malfeitorias passíveis de enquadramento legal e porque o rapaz, pela sua irreverência, lhe despertou simpatia, o oficial de dia mandou-o embora, não sem antes o ter admoestado com o único argumento disponível de que parecia mal andar assim ataviado. O Totó dirigiu-se à Praça da Sé onde a rapaziada o esperava para, juntos, comemorarem a façanha com umas partidas de bilhar no Central, porventura com uns cafezitos, se o amigo estivesse para aí virado. Extravagante nos seus tempos de rapaz e, tendo em conta a quebra de tabus profundamente enraizados, com propriedade se pode dizer que foi pioneiro. É certo que passariam ainda alguns anos até que as infrações aos bons costumes se tornassem mais assíduas até que virassem rotineiras. Lembro-me da primeira mulher que apareceu na cidade trajando calças e que, ao aperceber-se de que era seguida por rapazes que lhe dirigiam piropos, moças que a miravam disfarçadamente e soltavam risinhos de mofa, homens e mulheres que paravam e lhe dirigiam olhares reprovadores, caminhou célere para a estação dos caminhos-de-ferro onde adquiriu bilhete para Lisboa ou Porto e só quando entre si e a multidão se fecharam as portas do comboio é que respirou de alívio. Quem não se lembra dos primeiros guedelhudos que agrediram as normas há muito instituídas para os penteados masculinos? E das minissaias? E dos brincos em orelhas de rapazes? E das tatuagens?
Em plena década de cinquenta, floresceu uma nata de homens bem-nascidos, catalogados como playboys, que levavam uma vida de fausto e diversão, namoravam atrizes, cantoras e outras divas do show business, viajavam à volta do mundo, davam que falar, apareciam nos órgãos de comunicação e forneciam material às colunas sociais em plena expansão. No Brasil, onde eu, então, vivia, foi esse o tempo em que “O Globo”, fundado por Irineu Marinho, se tornou o principal órgão da imprensa brasileira, núcleo dum grande império de mass media que incluía também revistas, rádio e televisão. No jornal, Ibraim Sued, tornou-se o mais notado colunista social da época. Ser referido(a) na coluna do Ibraim Sued era a suprema aspiração das dondocas e dos playboys. A América do Sul foi alfobre desses espécimes, herdeiros de famílias riquíssimas em países onde a maioria das populações vivia na maior indigência. Estranhamente, as proezas de Porfírio Rubirosa, Mário (Mariozinho) de Oliveira, Otávio Guinle e muitos outros eram celebradas nessas colunas e seguidas com atenção por gente de todos os estratos sociais que lhes dispensavam a simpatia que, por norma, dedicamos aos meninos traquinas mesmo quando partem a loiça, riscam as paredes ou nos deixam embaraçados perante os nossos amigos. Mariozinho de Oliveira, filho do comendador português Zeferino de Oliveira, construtor de um império na indústria e no grande comércio, foi corredor de automóveis sem ter dado muito nas vistas do público. O que verdadeiramente o distinguiu foram os atropelos à boa ordem e ao respeito que é devido a todo o ser humano. Dele se contava que, certa madrugada de verão, depois de uma noite bem preenchida, banhou-se e, tal como veio ao mundo, subiu a uma das janelas da sua mansão na Zona Sul do Rio de Janeiro e, empunhando um saxofone, atroou os ares calmos, despertando os moradores da área, indiferente à multidão que se formou e às imprecações que dela partiam, saindo apenas quando achou que era chegada a hora de dormir, porque ninguém se atreveu a contrariá-lo nem a própria polícia. Era o tempo do “sabe com quem está falando?” que ricos e graduados utilizavam para saírem airosamente de situações embaraçosas face à autoridade ou para marcar a diferença em relação às pessoas ditas vulgares. Em certa época, dei apoio escolar a um rapaz pertencente a uma das famílias mais ricas e conhecidas desta área. Os netos do “patriarca” reuniam-se numa quinta dos arredores do Porto, que confinava com a via pública e onde se divertiam a valer, ainda que nem sempre do modo mais adequado. Certa vez, o João contou-me que um dos passatempos a que se dedicavam era atirar pedras miúdas para a estrada ocultos pelo muro da quinta. Nem sempre as coisas lhes corriam bem e um dia em que uma dessas pedras foi bater no vidro parabrisas dum táxi, o condutor tocou a campainha e não desistiu enquanto não vieram atendê-lo. Irritado, o homem exigiu determinada quantia para substituir o vidro danificado, caso contrário faria queixa na esquadra mais próxima. Posta a questão nesses termos, outro remédio não havia que não fosse satisfazer a exigência do taxista. Nesse ponto do relato, interpelei-o:

- Então vocês não sabiam que essas coisas não se fazem? 

- Ó professor, os ricos têm o direito de ser excêntricos.

Expliquei-lhe que a excentricidade tem limites. Qualquer atitude que possa prejudicar outras pessoas, não é admissível. Por serem ricos não têm o direito de faltar ao respeito a quem quer que seja.

Se a extravagância dentro da lei pode tornar-se positiva como mediadora de mudança, a excentricidade baseia-se numa falsa convicção de superioridade que nunca deverá ser aceite.


por: Nuno Afonso
in:Jornal A Voz de Ermesinde

3 comentários:

  1. Germano e Tótó nunca foram orfãos, eram filhos de Armando Alves e Maria do Céu Lázaro, agricultores de posses, por isso as suas vivências. A história das calças remendadas passou-se com o Germano, que as mandou fazer como acto contestatário, e sou quando foi fazer o exame de 5º ano. Claro que não chegou a fazê-lo (nessa altura), pois era no tempo da PIDE. Estudou no Liceu de Bragança, estudou no Porto, no antigo Magistério Primário de Bragança.Enfim, têm muitas histórias engraçadas.

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  2. Germano e Tótó nunca foram orfãos, eram filhos de Armando Alves e Maria do Céu Lázaro, agricultores de posses, por isso as suas vivências. A história das calças remendadas passou-se com o Germano, que as mandou fazer como acto contestatário, e sou quando foi fazer o exame de 5º ano. Claro que não chegou a fazê-lo (nessa altura), pois era no tempo da PIDE. Estudou no Liceu de Bragança, estudou no Porto, no antigo Magistério Primário de Bragança.Enfim, têm muitas histórias engraçadas.

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  3. Germano e Tótó nunca foram orfãos, eram filhos de Armando Alves e Maria do Céu Lázaro, agricultores de posses, por isso as suas vivências. A história das calças remendadas passou-se com o Germano, que as mandou fazer como acto contestatário, e sou quando foi fazer o exame de 5º ano. Claro que não chegou a fazê-lo (nessa altura), pois era no tempo da PIDE. Estudou no Liceu de Bragança, estudou no Porto, no antigo Magistério Primário de Bragança.Enfim, têm muitas histórias engraçadas.

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