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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

J. Rentes de Carvalho: "Perdi muito cedo a ingenuidade porque comecei a ler"

A entrevista com o escritor mais português da Holanda realiza-se num dia tórrido em Trás-os-Montes. A temperatura oscilava entre os 35 graus fora do vale onde fica Estevais e os 45 graus na localidade. Há um ou outro habitante na rua, sentados em cadeiras à sombra das casas, mas pouca é a gente que abandona o fresco da residência. Afinal, Estevais localiza-se ainda depois do fim do mundo, mesmo que o acesso desde Lisboa seja quase integralmente por autoestrada.
Fotografia © Rui Manuel Ferreira / Global Imagens
Uma terra onde se pode beber um bagaço a qualquer hora mas não comer umas sandes nos cafés locais. Quando se entra no único estabelecimento que está aberto, o famoso 007, é preciso esperar alguns minutos até que a patroa dê pelo cliente. O pior é quando se pede alimento e o "não há nada" surge como imediata resposta. Engole-se em seco o que se gostaria de responder prontamente à senhora e lamenta-se a ausência de experiência gastronómica em Estevais. Tudo em silêncio, para não deixar o escritor malvisto entre os seus pares. Nem é preciso perguntar onde fica a casa de J. Rentes de Carvalho, porque um carro com matrícula holandesa denuncia-o. Fica na rua paralela à principal, que termina num chafariz e ao fundo tem o cemitério, com vista para a serra de terra avermelhada e seca, com árvores aqui e acolá. É uma casa amarela, que pertencia ao avô materno e que em 1999 estava a cair aos bocados. Então, o escritor decidiu com a família recuperar a ruína e ao mesmo tempo homenagear o antepassado. Se o fizesse, mantinha-se o vínculo com Portugal; se não a reconstruísse, era a despedida definitiva. A decisão pela positiva fez que o casal passasse a vir ver as obras a cada três meses e tornasse rotina essa vida dividida entre Estevais e Amesterdão. Uma entrevista sem pressa, afinal Rentes gosta de conversar.
Está de partida para a Holanda. Leva alguma coisa nova desta estada em Estevais?
Não, levo sempre o mesmo sentimento de ao fim de um tempo ter necessidade de voltar à Holanda. E, estando na Holanda, tenho necessidade de voltar a Trás-os-Montes depois de um tempo. Daí que tenha criado esta rotina em que se alterna três meses aqui e outros tantos na Holanda.
E a família tem paciência para vir a Estevais e ficar cem dias?
É um ambiente muito diferente, mas é a mesma casa, aqui ou em Amesterdão. São apenas dois modos de vida social e familiar totalmente diferentes. Aqui não tenho família nenhuma, além de uns primos em 6.º ou 7.º grau. Eu sou o último, a minha família agora é de holandeses... Sou o último e, na família, o único português serrano.
Então, a prole Rentes de Carvalho acaba consigo?
Se me acontecer morrer aqui, enterram-me aqui. Se me acontecer morrer na Holanda, fazem à boa maneira holandesa: umas cinzas e espalham-nas por aí e pronto.
Este é um assunto um pouco mórbido para estarmos a falar...
Não é, não!
É-lhe indiferente ficar num lado ou ficar no outro?
Indiferente... Totalmente, não é. Mas veja o dilema: ou tenho aqui um pedaço de terra onde não nasci mas fui gerado - porque fiz as contas, os meus pais casaram-se em agosto e eu nasci em maio, portanto, são nove meses certinhos, mesmo que tenha ido nascer a Gaia.
É uma questão sentimental?
Desde que me conheço foi sempre o lugar para onde gostava de vir. Às vezes, passava aqui grandes temporadas em miúdo e nas férias vinha aqui sempre. Quer dizer, é um lugar muito, muito, muito querido para mim. Amesterdão é o lugar onde vivo há 60 anos e tenho família. Onde me sinto tão à vontade como se tivesse nascido lá.
Durante muitos anos foi impedido de voltar a Portugal?...
Estive 14 anos sem vir. Não tinha o direito a regressar ao país porque seria preso ou qualquer coisa no género. Mas isso é história velha, é história passada.
Na altura achou mesmo que poderia ser preso?
Nem por isso, porque se eu tinha muitos amigos comunistas, tudo rapaziada do liceu, também havia o meu pai, que tinha um amigo que era inspetor da PIDE. E ele, sendo amigo de seu amigo, disse: "Tenha cuidado, meu rapaz. É melhor que se vá embora, porque senão pode acontecer-lhe alguma chatice." Quer dizer, havia a possibilidade de acontecer e naquele tempo não havia garantia nenhuma de sossego pois a polícia podia fazer o que quisesse.

Diário de Notícias

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