(colaborador do "Memórias...e outras coisas..."
Conheci-o, já lá vão muitos anos; era, ainda muito jovem, e raras vezes se encontrava sóbrio.
Mal rompia o Sol, bebia o bagacito, e chegava à noite, cambaleando, como boneco teimoso.
Trabalhava no escritório de fábrica. Emprego que mantinha, por caridade dos patrões, condoídos da sua triste situação.
Andava sempre a sorrir, mostrando os dentes amarelecidos pelo tabaco. Sorria, quiçá, para abafar a dor que trazia sempre no coração; mas, por dentro, chorava lágrimas de ingratidão e tristeza.
Certa ocasião, pelo Natal, encontrei-o – caso raro, – totalmente sóbrio. Apertou-me a mão generosamente, e a meio da conversa, revelou-me sua mágoa e a razão de se entregar à bebida:
Casara ainda adolescente com moça pobre, balconista de profissão, que vivia numa “ilha” da periferia.
Os pais, e os amigos, contrariaram-lhe o enlace…Mas a rapariga, tinha rostinho bonito, e charme que deveras cativava. Estava apaixonado! …
-” Um homem, quando ama verdadeiramente, fica criança: só pensa no ser amado! …” - Disse-me com sorriso forçado, dançando nos lábios descorados.
Decorridos meses (cansada, talvez, de ser dona de casa,) confidenciou-lhe, que seria bom, para ambos, que ela continuasse os estudos.
Concordou. Matriculou-a num Centro de Explicações, com professores particulares. Conseguiu, em três anos, completar o Curso Geral dos Liceus. Para isso, teve que abandonar o emprego.
No ano seguinte, concluiu a alínea de Letras, e entrou em Direito, com boa classificação.
Eram um casal feliz. Para arcar com as despesas, trabalhava como mísero galego. Mas, sentia-se contente e orgulhoso, com o progresso da esposa, e esperança de vida mais confortável.
Mas…já no final do curso, a mulher encantou-se: pela simpatia, gentileza e gestos polidos, de colega; e tão entusiasmada ficou, que assentou fugir de casa na companhia do estudante.
O pobre homem, desgostoso, e envergonhado, refugiou-se no álcool.
Com os olhos rasos de lágrimas, voz apertada e compungida, disse-me:
_” Fui buscá-la a uma “ilha”; eduquei-a; dei-lhe professores particulares; e quando se apanhou, quase com o “canudo”, abandonou-me, com colega. O que me dói, é a ingratidão! … De me ter feito bobo…Passei a vida a trabalhar…Dei-lhe tudo…Até amor! …Entreguei-me à bebida… porque tenho vergonha, como homem, de ter sido abandonado! … - Concluiu, retorcendo os lábios ressequidos.
Compreendi a tragédia. Compreendi, porque nada fere mais, do que a ingratidão e o desprezo, mormente, quando provêm daquela ou daquele, que amamos apaixonadamente.
Humberto Pinho da Silva, nasceu em Vila Nova de Gaia, Portugal, a 13 de Novembro de 1944. Frequentou o liceu Alexandre Herculano e o ICP (actual, Instituto Superior de Contabilidade e Administração). Em 1964 publicou, no semanário diocesano de Bragança, o primeiro conto, apadrinhado pelo Prof. Doutor Videira Pires. Tem colaboração espalhada pela imprensa portuguesa, brasileira, alemã, argentina, canadiana e USA.Foi redactor do jornal: “Notícias de Gaia"” e actualmente é o responsável pelo blogue luso-brasileiro: " PAZ".
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