O texto atribuído a João, o evangelista, que relata o sonho do fim do mundo, constitui uma peça literária que marcou gerações de cristãos, mesmo se não passaram os olhos pelo texto, ficando-se pelos ecos das pregações de profetas da desgraça, empenhados em convencer os outros de que a vida não passava de uma tortura, castigo adequado à simples aceitação da existência.
Ao terminar o primeiro milénio, alguns visionários foram esperando os dias do fim, ansiosos pelas delícias da eternidade, ou receosos da precipitação no inferno. Mas, o mundo continuou, indiferente à celebração vibrante da morte, com alegrias e tragédias como sempre conhecera, conquistas empolgantes e erros miseráveis, porque é essa a condição humana, longe da perfeição que, certamente, nunca atingirá, mas de que tem demonstrado vontade de se aproximar.
Quase três séculos depois, o sul de França conheceu um movimento apocalíptico que recusava continuar a vida na terra. Vestiam-se de branca pureza e recusavam os actos de procriação para garantir que o mundo acabaria mesmo. De então até aos nossos dias, foram reaparecendo cátaros aqui e ali, sempre arrependidos de viver, desdenhosos deste mundo e dispostos a apontar o dedo a quem não lhes desse atenção.
Mas também houve serenidade, racionalidade e pragmatismo, quando os humanos se propunham olhar o mundo na procura da felicidade e da dignidade, acalentando a esperança de chegar à liberdade e ao respeito pelo próximo, à fraternidade, à justiça na distribuição dos recursos, em cada comunidade e na terra inteira.
A vida mudou para milhões e milhões nos últimos séculos, até chegarmos aos níveis de longevidade que se conhecem no mundo mais desenvolvido, atingindo-se um patamar nunca visto, mesmo em territórios onde a pobreza e a miséria continuaram a assolar as populações até há pouco tempo.
Não se estabeleceu a justiça e a equidade, mas fez-se caminho. São inegáveis os esforços de concertação de organizações mundiais para tentar que da melhoria das condições de vida não resultem só ameaças ao futuro: a cimeira do Rio de Janeiro, em 1992, o Acordo de Paris e a recente conferência em Nova Iorque, foram contributos para não se perder a noção dos riscos que se correm com a expansão económica permanente.
Mas é bom lembrar que cerca de dois terços da população mundial ainda não conheceu condições básicas de uma vida digna e, para lá chegar, precisam da nossa solidariedade, até atingir o desenvolvimento sustentável que não pode ser o regresso à subsistência e à miséria.
Por isso, não se compreende a soberba de alguns que já tiveram quase tudo e agora se tomam de raivas e vertigens proibicionistas em nome de equilíbrios cósmicos. Trata-se de indivíduos que se consideram especiais, como um famoso austríaco, de bigodinho rafeiro, que começou por ser considerado tonto e provocou a catástrofe na Europa e no mundo, entre 1939 e 1945.
Cuidado, portanto, com os fanáticos alucinados que parecem ter muita graça enquanto não nos mandam degolar, convencidos de que o mundo é só para eles. É esse o lado oculto dos lunáticos.
Teófilo Vaz
in:jornalnordeste.com
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