Estamos no mês dos Santos Populares. Santo António, com o seu dia, está a chegar! Encontramos festas diferentes, mas sempre festejos religiosos a misturarem-se com os profanos. Aliás, analisando bem, uns não se realizam sem os outros. Complementam-se.
Santo António, em Portugal, é visto como “o Santo Casamenteiro”, “o santo que ajuda a achar o perdido” e acrescento “criado para todo o serviço” depois de, durante anos, a recolher as mais variadas solicitações em que o Santo é invocado, permitam-me que referencie algumas:
O pastor reza a Santo António para que tire os dentes aos ratos que lhe rilham o surrão, pede proteção para o gado e, como paga, dar-lhe-á um animal ou leite para ser arrematado.
Sempre que perdemos o tino a alguma coisa, pedimos ajuda a Santo António rezando-lhe o responso ou outra oração apropriada.
Nas guerras, recorriam a Santo António. Como recompensa, muitos foram os governantes que decidiram premiá-lo atribuindo-lhe uma patente com o respectivo soldo. E muitas são as curiosidades sobre as patentes, o pagamento devido e as reformas por excesso de idade e de exercício efectivo.
Os marinheiros tinham Santo António como protector o que lhe valia fazer as viagens apertado a um mastro, para melhor ver os perigos e resolver as adversidades.
Os escravos adotaram Santo António como protector, na esperança que um dia pudessem ver-se livres da escravatura mas, os seus “donos”, também pediam proteção a Santo António. Pediam tão só que os escravos não fugissem, não lhes dessem muitos problemas e fossem bons trabalhadores.
Os Reis de Portugal - Filipe I; Filipe II e Filipe III - deram grande apoio a Santo António e aos franciscanos e, em troca, pediam a sua proteção mas, D. João IV também lha pediu…
O comércio adotou Santo António como padroeiro e logo tratou de fazer as suas regras: O Santo deverá zelar pelos bons negócios e muitos lucros. Caso assim não aconteça, será castigado: Ficará na prateleira de costas voltadas para quem entra; ser-lhe-á retirado o Menino Jesus e, só lhe será restituído quando o negócio prosperar.
A mão que for amovível, ser-lhe-á retirada até o problema ser solucionado. E só assim se justifica o elevado número de imagens que chegou até nós sem uma mão e sem o Menino, mas, nos Açores, disseram-nos que o Menino é “oferecido de carinho”, o que quer dizer que, havendo alguém que nos mereça muito, podemos tirar o Menino ao Santo e oferecê-lo.
As raparigas (e os rapazes, penso que também) recorriam a Santo António pedindo ajuda para encontrar a “cara metade”. As promessas eram muitas mas, os castigos eram ainda mais! Chegavam (e chegam) a meter a imagem do Santo dentro de água, com a cabeça para baixo.
Santo António também é protetor das almas. Encontramo-lo em algumas “Alminhas” colocadas em caminhos mas, até ao primeiro quartel do século passado, existiam os “ Andadores de almas”. Eram homens que percorriam as ruas, a pedir para as almas. Traziam, na mão, um prato com a imagem de Santo António e, era aí, que as pessoas colocavam a esmola. Enquanto caminhavam, batiam às portas entoando melancólica e arrastadamente, a seguinte quadra: Ó meu padre Santo António/ Aqui vos venho pedir/ Salvação p´rás nossas almas/ Graças para vos servir.
Santo António é o Santo mais venerado no Mundo. Tenho-o encontrado em países que não são católicos mas, sabendo “ que faz muitos milagres”, adotam-no. E há relatos extremamente curiosos.
Igualmente curiosas são algumas imagens que representam Santo António de tal forma é evidente a sua adaptação às vivências enraizadas. Por exemplo, uma imagem de Santo António, fabricada na China, no séc. XVII, segura o Menino no braço esquerdo, tem a mão direita em posição de falar, usa cíngulo mas não tem os nós e, a sua fisionomia, é de um Buda! Já em Siolim, sobre a porta da igreja de Santo António, num nicho, temos o Santo António segurando o cíngulo que asfixia uma cobra…
Encontramos Santo António em objectos pessoais como: leques antigos, quadras e orações preservadas em pequenos livros de bolso, pias de água benta para oratórios particulares, quadros de devoção, pagelas com mais ou menos requinte incluindo, algumas, uma relíquia ou medalha. Também, em medalhas, a persistência na procura tem a sua recompensa. A diversidade de formatos,
materiais de que são feitas e, com sorte, alguém se cansa de uma medalhinha comemorativa de centenário e resolve vendê-la. O que foi um prazer adquirir e usar por uns, é agora desprendimento para outros.
A filatelia, é outro campo que nos evidencia cuidados extremos de precisão e investigação, desde que foi criada a estampilha fiscal. Igual procedimento nos revelam os escultores que se têm dedicado à medalhística. São obras de arte que nos fazem pegar numa lupa e, sem tempo marcado, observarmos.
Menos vulgar é o uso dos oratórios bala. O nome, só por si, não nos agrada mas, analisando bem a peça, reconheço que é um misto de interessante e curioso. Como o nome indica, o formato é de uma bala com parede dupla giratória. Tem uma abertura lateral configurando um nicho. Rodando uma face sobre a outra, quando as duas aberturas ficam coincidentes, podemos ver a imagem de Santo António. Esta peça, era usada em viagens objetivando a constante presença do Santo. Mas, às vezes, também era, a própria imagem, portadora de mensagens codificadas e escritas em minúsculos papéis. A necessidade aguça o engenho! É bem verdade.
Mas, menos vulgar ainda, é a companhia, permanente, de Santo António. Uma imagem de Santo António com altura variável ente 1 e 2 cm, feita numa liga metálica, é introduzida entre a derme e a epiderme no local que o devoto escolher. E, assim, quem a usa, nunca estará longe de Santo António.
Mesmo que as festas de Santo António, na nossa região, já não sejam o que eram, as pessoas não esquecem. E, não esquecem as pessoas de Ala- Macedo de Cavaleiros quando, no dia 13 de Junho, os animais davam número ímpar de voltas ao adro da igreja, acompanhadas pelos seus donos.
No final da missa, eram benzidos, bem como os campos. Os sacos de cereal, para pagar promessas, faziam rima no muro do adro da igreja. Não esquecem os habitantes de Vinhais que foi o almocreve que mandou construir a capela de Santo António, depois de uma noite de tormenta para chegar são e salvo a casa.
Não esquecem os habitantes de Carrapatas- Macedo de Cavaleiros, o almocreve que pagou caro a decapitação do Santo António que tinham no nicho construído onde hoje está a capela… Mas, também não esquecem, os habitantes de Vila Nova das Patas o dia em que, no final da procissão, Santo António chegou sem o Menino. Quem o encontrou, guardou-o. Sem Menino, não podia, para o povo, ser Santo António. Então, foi simples, mudou de nome e foi adquirido um outro Santo António. E ficaram os dois no mesmo altar… Mas, não vá alguém esquecer-se, num painel de azulejo colocado na parede exterior da Casa Grande, no Navalho-Mirandela, por baixo da pintura de Santo António podemos ler: ”Pedi a Deus um Consêlho/Para encontrar a alegria/Deus mostrou a terra e disse-me/Trabalha semeia e cria.”
Alegria também é a festa! E há a festa onde houver Santo António mesmo em países que não são católicos. O que nos disseram é que Santo António é de todos. E é. Por cá, por Portugal, há manjericos, cascatas, tronos, sardinha assada, montras enfeitadas, marchas populares, arraiais, récitas humorísticas a Santo António e, distribuição do pão de Santo António como acontece na Igreja de Nossa Senhora das Graças, em Bragança. Diz, a voz do povo, que esse pão se irá conservar durante um ano ou, logo será dividido e comido por toda a família sabendo, de antemão, que Santo António os irá proteger.
E o Santo do Menino também tem procissão que, em alguns lugares já não é dia 13 de Junho mas no fim-de-semana seguinte…
Guardam-se, bem no fundo do baú, algumas recordações.
As nossas igrejas têm imagens de Santo António diversificadas e de grande valor. Vale a pena fazer alguns roteiros e conhecer o nosso património. No entanto, há outras que, pertencendo a particulares, se torna mais difícil ter acesso. Portugal tem artesãos de grande qualidade e que fazem peças muito criativas. É de um prazer ímpar ver exposições ou feiras de artesanato com qualidade.
Em Itália, “Il Santo” (é assim que se referem a Santo António), é lembrado como um estudioso, um exemplo a seguir. Ao longo do ano têm múltiplas manifestações de apreço e, em época de isolamento, tiveram a capacidade de organizar as atividades e podermos acompanhá-las online. Coincidiu (2020), com a celebração dos 800 anos da chegada dos Santos Mártires a Lisboa e da decisão de Frei António mudar de Ordem, da sua chegada a Capo Milazzo (2021) e da primeira pregação em Itália, no Capítulo das Esteiras (2022). Tem sido uma experiência única poder acompanhar estes momentos únicos.
A imagem que ilustra a chegada de Santo António a Capo de Milazzo, reflete o que foi vivido, em 1221 e relembrado, em recreação sublime, naquele Santuário, em 2021. É a imagem do emigrante náufrago, exausto, debilitado que carregava uma Missão, representada pela cruz de haste longa e que não abdicava do conhecimento das Escrituras, ali representadas pelos livros e que, nitidamente, precisava de ajuda. E teve-a. É o Frei Fernando. É o nosso Santo António, feito pelo ceramista português Zé Vintém.
Em Portugal, o Museu de Santo António, é detentor de peças que bem identificam as múltiplas facetas que são atribuídas à vida de Santo António. A grande maioria das peças são doações. Aliás, o Museu de Santo António, em Lisboa, nasceu de duas doações, à Câmara de Lisboa, com a proposta de criação de Museu.
É minha convicção que, tendo a nossa região sido um espaço onde a Ordem dos Franciscanos teve forte implantação e deixou a sua marca indelével, deveria ser pensada e criada uma estrutura de valor patrimonial que levasse à divulgação, com auto sustentabilidade, do que à nossa região pertence e a que todos pudessem ter acesso. O acervo da memória perde-se. Os bens materiais, esses mudam de mãos e, como diz o povo, perde-se-lhe o rasto.
FOTO: Santo António chega a Capo de Milazzo (ceramista Zé Vintém)
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