Na última década, as exportações agrícolas no distrito de Bragança cresceram 161%. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2012 o distrito exportou 295 836 995 de bens, mas em 2022 os produtos agrícolas vendidos ao estrangeiro já foram 768 185 584. Embora em determinados produtos as exportações até diminuírem, como foi o caso dos cereais, das sementes e até dos lacticínios, no geral, nos últimos dez anos, as empresas da região ligadas ao sector da agricultura deixaram apenas de vender para o mercado regional ou nacional e alargaram o negócio ao mercado internacional. No que toca às frutas, verificou-se um aumento de 42%. O ano passado foram exportados 40 503 684 produtos, enquanto em 2012 as empresas do distrito venderam para o estrangeiro 28 532 372.
A diferença de receber ou não subsídios “é pouca”
Um dos agricultores de fruticultura do distrito, mais concretamente do concelho de Mogadouro, é Nuno Martins. Entrou no mundo da agricultura porque lhe foi herdado. O pai faleceu e como não queria deixar morrer as explorações que lhe pertencia, preferiu mudar de vida, deixar o Porto, onde vivia, e regressou a Vilarinho dos Galegos, de onde é natural. Mas por considerar que o vinho e o azeite, produções que já eram do pai, não são muito rentáveis no seu concelho, decidiu apostar nos mirtilos em 2015. “É uma cultura muito mais rentável que a vinha e o olival na nossa região. Pagam 40 cêntimos por quilo de uva. O mirtilo tem um preço ao produtor para exportação de 4 ou 4,5 euros, ou seja, estamos a falar 10 vezes mais no valor por quilo. Podemos dizer que o mirtilo é 10 vezes mais rentável que a vinha na nossa zona”, frisou. Tem quase dois mil hectares de terreno, o que significa seis mil plantas de mirtilo. O ano passado foi o seu melhor ano de colheita, com a produção de seis toneladas, no entanto, como as suas plantas estão a crescer, considera que ainda pode vir a conseguir produzir entre 10 a 12 toneladas de mirtilo por ano. Vende o fruto no distrito, mais concretamente na cidade de Bragança e nas vilas de Mogadouro, Torre de Moncorvo e Sendim. A venda é feita directamente ao consumidor e representa 40% do negócio. Os outros 60% são exportados. Apesar de ter tido alguns contratempos, com os anos de seca, que têm sido “uma miséria” em termos de produção e com a substituição de uma das variedades que tinha plantado, considera que fez “um bom investimento” e que tem margem para “progredir e aumentar a produção”. Contou ter investido cerca de 150 mil euros para fazer a plantação e comprar alguma maquinaria, o que, na sua opinião, entende ser um investimento que não seja “uma dificuldade grande, mas também não é uma dificuldade pequena”. E quanto a manter a produção, afirma mesmo que não é graças aos subsídios, porque considera serem “uma miséria”. “A diferença de receber ou não subsídios é pouca, sinceramente. Imagine que eu produzo seis toneladas de mirtilo a uma média de cinco euros, são 30 mil euros. Isso foi o que eu produzi mais ou menos o ano passado. O subsídio que me foi atribuído ronda os mil euros”, disse, questionando “mil euros é suficiente para eu produza 30 mil de fruto, que vão valer cinco vezes mais no final?”. Nuno Martins critica ainda a falta de regulamentação do Governo, o que leva a que os agricultores fiquem apenas com um quinto do lucro da venda e a “grande fatia do bolo” fique nos intermediários. “O mirtilo chega a uma prateleira em Inglaterra de um supermercado qualquer a 25 euros o quilo, mas chegam-me quatro euros, os outros 21 euros alguém ficou com eles. Há países em que o produtor leva a maior parte da fatia do bolo final”, sublinhou.
Crescer com a agricultura
Luís Filipe Carcau também não se quis deixar levar pela tendência da região de produzir azeite e vinho e quis apostar na produção de figos. O jovem agricultor está desde pequeno ligado à agricultura, até porque cresceu numa aldeia do concelho de Mirandela e a família sempre esteve ligada ao sector. Licenciou-se em Engenharia Agronómica e foi há cerca de 10 anos que decidiu que queria apostar neste fruto, achando que conseguiria “contribuir para a modernização da cultura” e escoar a produção “de forma garantida”. E assim fez. Começou por umas figueiras que tinha já nos seus terrenos e, de forma, “gradual” foi “expandido” os pomares, chegando aos 30 hectares que tem hoje e que não quer que fiquem por aqui. Numa produção que começou por ser de três toneladas, já ronda as 50 toneladas, embora o ano passado a quebra tenha sido significa devido à seca. Vende apenas para o mercado nacional. Metade do que produz é vendido a grossistas, que depois revendem para as grandes superfícies, e a outra metade, tratando-se de figos de calibre mais pequeno, é vendida para a indústria, para produção de compotas, recheios de bolachas, iogurtes e cristalização. Admite que o que “compensa mais é vender aos grossistas”, ainda assim, considera que o fruto podia ser “mais valorizado”, se existisse uma organização de produtores na região. Para isso o fruto tinha que ser produzido em “maior escala”, o que não acontece no nordeste transmontano. Este ano pretende levar os figos para o resto da Europa. “Já pensámos em exportar, já temos alguns contactos, o objectivo era iniciar a exportação o ano passado, mas como foi um ano fraco em termos de produção, decidimos adiar para este ano”, explicou. Quer ainda aumentar a produção e a modernização nos mecanismos de colheita e rega. “O objectivo principal é aumentar a produção, aumentar ao máximo as tecnologias nos pomares, quer na fase de colheita, quer na parte do regadio, mas também na cobertura dos pomares, e modernizar toda a parte de embalamento e logística. Sem os apoios do Governo torna- -se difícil, atrasa essas metas e aumenta o custo do figo ao consumidor”, disse. No entanto, nem tudo é fácil. O jovem agricultor garante que há “muitos entraves”, nomeadamente no que toca à burocracia, com a submissão de todos os projectos de investimento, no que toca aos atrasos consecutivos no pagamento de subsídios e também no que toca ao atraso nas análises das candidaturas. A cultura do figo poderia ser mais rentável, mas, de acordo com Luís Filipe Carcau, como não há regadios colectivos na região, o investimento tem que ser feito a título individual, o que “acaba por ser um entrave e um custo acrescido na produção”. “As alterações climáticas acabam por afectar bastante a produção e não estamos a conseguir tirar aquilo que seria previsto numa fase inicial de projecto, mas acredito que no futuro através de novas técnicas culturais se consiga atingir o objectivo desejado e ter o retorno financeiro que está previsto”, frisou. Mas seria a cultura rentável sem os subsídios do Governo? “Não, iria traduzir-se num preço de venda muito superior e possivelmente o consumidor poderia não procurar o fruto, porque os subsídios acabam por ser uma ajuda para de certa forma conseguir que o consumidor compre o figo a um preço mais reduzido”, afirmou.
“Mais e melhor”
José Luís Castro herdou a empresa da família. São grandes produtores de azeite em oito aldeias dos concelhos de Macedo de Cavaleiros e Mirandela. No total tem 420 hectares de olival. O objectivo é produzir “mais e melhor”, para entregar “um produto de excelente qualidade em granel para entidades que os saibam trabalhar nos devidos mercados e com o devido posicionamento”. Para isso estão a apostar na conversão para regadio, que lhes permite produções que em sequeiro não era possível. A maioria dos terrenos está já com regadio implementado e se há 10 anos produziam cerca de 350 mil quilos de azeitona, hoje produzem mais um milhão de quilos. “A nossa aposta é continuar a produzir para chegarmos dentro de cinco ou seis anos aos dois milhões de azeitona”, frisou. Além de estar a investir no regadio, está também a modernizar as técnicas utilizadas na poda e na adubação. “Transformámos aquilo que era o paradigma da olivicultura da região, tem a ver com questões ligadas à poda, mudámos aquilo que as pessoas achavam que era a forma correcta de fazer as coisas. Mudámos a adubação, hoje nós adubamos através da água e depois todos os tratamentos fitossanitários são feitos recorrendo ao modo de produção integrada, há uma utilização muito cuidadosa de herbicidas”, explicou. Segundo o agricultor, os apoios do Governo à sua produção têm “um peso reduzido” e considera que se as pessoas têm que deixar de ver os subsídios como “fim”, mas antes como um “complemento”, caso contrário “deturpam completamente as decisões que os agricultores tomam e acabam por continuar numa lógica de agricultura de subsistência, que é o que existe em Trás-os-Montes e é o que tem que mudar radicalmente”. “Falta empresários, falta dimensão, falta vontade de fazer coisas de forma diferente pondo os subsídios numa lógica de complemento de apoio e nada mais que isso”, afirmou o empresário.
Laranja que vai para França
Cristiano Freixo, de Santa Comba da Vilariça, é um dos responsáveis por manter viva a cultura que se crê que tenham sido os árabes, que introduziram no país: a laranja. Neste momento, o agricultor, de 29 anos, tem plantados quase oito hectares de citrinos, três e meio de pessegueiro e cerca de quatro de amendoeiras. São 5500 laranjeiras, 4000 pessegueiros e 2300 amendoeiras. Estas plantações, a maioria, são novas, têm quatro anos. O grande foco deste jovem agricultor são as laranjas e, apesar de ainda não ter grande rendimento com esta cultura, porque as árvores ainda não estão a produzir na totalidade, garante que ainda o vai ter porque a aposta não vai parar tão cedo. Para já, como o hectare ainda não rende as cerca de 30 a 40 toneladas que deveria render, ainda só vende para pequenos mercados e supermercados da região, essencialmente de Bragança, mas já exporta, para França, através de duas ou três pessoas, cerca de “1500 quilos por semana”. Ao contrário dos depoimentos anteriores, este empresário, que considera que “a agricultura não seria sustentável sem subsídios”, já que “a mão-de-obra é cara e tem de ser paga ao preço que ela vale, os adubos e tratamentos também”, começou a aventura, com a qual se governa, em 2017 e teve bastante “sorte”. “Meti um projecto. Não era agricultor nem tinha nada, tirando algumas máquinas, uma retro e uma giratória. Tive que fazer um investimento, comprando terrenos, um tractor e algumas alfaias agrícolas mais pequenas e tudo isso é dinheiro. Logo no começo investi, só na parte da mecanização, cerca de 120 mil euros”, assumiu Cristiano Freixo, que diz que sem apoio, sendo que teve um financiamento de 60%, “isto não era para qualquer pessoa”. E quanto a apoio, diz que são cada vez mais divulgados, é um facto, que quem se quiser aventurar tem essa facilidade de facilmente conseguir saber ao que se pode candidatar, mas “há muita burocracia”. “Difícil não é concorrer é, depois de aprovado, todas aquelas burocracias. Estamos aqui num meio pequeno e, muitas vezes, temos que nos deslocar ao Porto e a Braga”, lamentou Cristiano Freixo, que tem duas variedades de laranja, uma delas de casca fina, doce e sumarenta, “a melhor laranja, que só podia ser da Vilariça”. A agricultura, que muitas vezes parece estar nas ruas da amargura, para este jovem não está. Já vive dela e para ela quer viver. “A minha ideia é continuar a plantar árvores. Sou novo, tenho objectivos e no espaço de 10 anos quero ter cerca de 20 hectares de laranjeiras”, sublinhou, assumindo que, “com força de vontade, tudo se consegue, tudo é possível”.
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