terça-feira, 28 de março de 2023

Peripécia 2: Prender um colega a um pilar

 Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Peripécias de um Penalbilhas na Escola Industrial de Bragança

Estávamos quase no fim  do 2º período (meados de Março), a gozar o sol ameno que já fazia, no intervalo entre duas aulas. Íamos ter Ciências da Natureza, com a mulher do Director da Escola, o Dr. Hirondino da Paixão Fernandes, um Homem culto e justo. (Muitos estarão a lembrar-se que era Deputado da Assembleia Nacional e foi Delegado da Mocidade Portuguesa em Bragança. (Mais tarde prová-lo-ei que era, efectivamente, justo). Quando a campainha soou e nos preparávamos para nos dirigirmos para a sala de  aula, disse o penalbilhas: “Ei, rapaziada! Hoje ninguém vai à aula”. Olhámos uns para os outros sem entender, mas todos nos sentámos novamente. Ficámos a olhar uns para os outros com cara de paspalhos. Passados uns minutos, eis que um dos Meninos – o mais velho e o mais alto dos primos, oriundos de Carviçais – se levantou e fez questão em avançar. Logo a voz de comando do penalbilhas se fez ouvir: “Agarrai-o e prendei-o a este pilar com os cintos”. De imediato todos  tirámos os cintos e o prendemos ao pilar pelos braços e pelas pernas.
     Passavam já uns largos minutos quando entrámos na sala, um pouco excitados. “O que se passa convosco?! Sentem-se todos e estejam sossegados, se não, vou chamar o Chefe”. Lá nos controlámos e nos sentámos para assistir à aula. Quase vinte minutos depois alguém bateu à porta. “Entre” – disse a Professora da qual me não recordo o nome. Quando entrou o Menino, alto e esguio, de faces coradas e olhar acossado, fixo no chão, perguntou a Professora: “Tu, tão atrasado?! O que te aconteceu?” – Perguntou incrédula. “Foram eles que me prenderam a um poste com os cintos e teve que ir lá o Senhor Lopes a soltar-me”!. “O quê? Vou já fazer queixa ao Chefe“ – ameaçou tocar a campainha. Todos lhe pedimos fervorosamente para o não fazer e que aquilo foi só uma brincadeira da qual já estavam arrependidos e que não voltaria a acontecer. A bondosa Professora lá acedeu aos veementes pedidos de perdão. “Bom, bom. Isto que não se repita”.
    De realçar, além das qualidades humanas e pedagógicas desta Professora, duas limitações: via mal e ouvia pior. Num dia de teste, estava o Zé Fidalgo a copiar com o livro aberto como, aliás, o fazíamos quase todos. A Professora foi fazer o giro pela sala, o Fidalgo atrapalhou-se e deixou cair a livro aberto, fazendo algum barulho. “ Que barulho foi esse?- perguntou. “ Foi a borracha que caiu, So Tôra ”- respondeu atrapalhado. “ Bem, bem! Então apanha-a lá “.
     Não sei bem porquê, mas tínhamos um ritual em que, por grupos e à vez, para despistar, tapávamos o nariz e dizíamos, em grupos alternados: “ O Datsum 1200 é mais barato. O Datsum 1200 é mais barato”. Havia uma razão naquela época, mas não consigo lembrar-me de qual.
     Estes Meninos eram primos e muito reservados. (Vinham da quinta da Macieirinha, de Carviçais). Um era grande e magro, com óculos muito graduados, o outro, mais novo, era baixinho e forte, a quem chamávamos  o “ Bobby Charlton “, devido a pentear o cabelo para trás. Quando iam passear para a Avenida, cada um seguia pelo passeio oposto, sendo por isso, chamados de GNR.
     Será de bom tom confessar, humildemente, que todas as parvoíces que fazíamos, tinham um único propósito: o de dar nas vistas perante as raparigas. Fazíamos todo o tipo de figuras ridículas só para lhes cativar a atenção. (Às vezes conseguíamos!)   Era o caso de irmos jogar futebol sem bola para o recreio que ficava ao nível das janelas do primeiro andar, onde as meninas assistiam às aulas e nos viam. Apesar de não haver bola e nem balizas, havia árbitro, golos, faltas e reclamações com o árbitro e, inclusive, foras de jogo. Não raras vezes o árbitro tinha que mostrar o cartão amarelo e até vermelho, para castigar uma ou outra entrada mais dura. (Era um tempo vivido até ao limite, sem grandes preocupações, apenas a de viver intensamente)!

Fontes de Carvalho

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

Sem comentários:

Enviar um comentário