Picanço-barreteiro (Lanius senator). Foto: Michele Lamberti/Wiki Commons |
Um pequeno número de estudos que avisavam que a enorme variedade de seres vivos na Terra está a diminuir transformou-se numa enchente. As evidências destas perdas a nível regional e mundialmente são inegáveis. Mas os dados sobre a biodiversidade, e o que está a causar o seu declínio, são desiguais – ficam restritos a algumas causas, alguns lugares e algumas espécies. Esse não é o caso das aves na Europa, todavia.
As aves desde há muito que fascinam os cientistas amadores e profissionais, e uma forte cooperação dentro da Europa resultou num vasto conjunto de conhecimentos sobre os seus hábitos, necessidades e números. Algumas das bases de dados com esse género de informação, que funcionam há mais anos, dizem respeito a aves que vivem pelo menos uma parte das suas vidas no continente europeu.
Essa informação traduz-se numa imagem preocupante: estima-se que se perderam 550 milhões da população total de aves da Europa, mais ou menos nos últimos 40 anos. Essa é uma realidade chocante, e diz-nos algo profundo sobre a relação quebrada da humanidade com a natureza.
Os cientistas sabem que a biodiversidade está sob uma pressão crescente, especialmente devido às rápidas mudanças no uso da terra (de floresta para área agrícola, por exemplo) e aos aumentos de temperatura. Mas continuam a existir assuntos que geram desacordo: como é que as diferentes espécies respondem a essas pressões, qual delas é a mais importante, e como é que os conservacionistas podem responder para as aliviar.
A garça-boieira (Bubulcus ibis) é uma das aves das áreas rurais cuja população está a descer em Portugal. Foto: 0x010C/Wiki Commons |
Aproveitando as vantagens das informações de grande qualidade sobre aves, um novo artigo científico que escrevi juntamente com investigadores franceses analisou como é que 170 espécies de aves têm respondido a pressões induzidas por humanos na Europa. Recorremos a dados recolhidos em mais de 20.000 locais de monitorização em 28 países ao longo de 37 anos, incluindo informação do Reino Unido e de Portugal.
Descobrimos que os químicos usados em quintas para controlar os insectos e as plantas que são vistas como daninhas, por poderem reduzir a rentabilidade das culturas, estão a privar muitas aves da sua principal fonte de alimento, e que essa é a principal causa do declínio dessas espécies na Europa.
As causas humanas da mudança
Analisámos quatro grandes fontes de pressão sobre as populações de aves: a intensificação agrícola (medida pelo uso elevado de pesticidas e fertilizantes), as alterações climáticas e a sua influência nas temperaturas, mudanças na cobertura florestal, e urbanização.
Os métodos agrícolas modernos foram a maior causa encontrada para o declínio da maioria das populações de aves – especialmente aquelas que se alimentam de insectos e outros invertebrados, como andorinhões, alvéolas-amarelas, papa-moscas-cinzentos e cartaxos. Já as respostas das aves às alterações da cobertura florestal, à urbanização e às alterações climáticas foram muito mais variáveis e específicas por espécies.
Entre 1980 e 2016, as aves comuns na Europa viram a sua abundância declinar em um quarto. Mas os números das aves do meio rural caíram para menos de metade durante o mesmo período. Houve também declínios tanto nas aves florestais como nas citadinas, em aves nortenhas, que preferem o frio, e mesmo em espécies de aves do sul, que preferem o calor. Ainda assim, a tendência geral neste último grupo de aves é de crescimento estável.
Uma das principais descobertas do estudo é que o grande uso de pesticidas e fertilizantes em quintas, em particular, é a principal causa dos declínios das populações de aves na Europa. Essa não é uma grande surpresa, pois muitos estudos chegaram a esta conclusão. Mas este é o primeiro estudo que olha numa só vez para as causas de origem humana, usando alguma da melhor informação disponível e métodos estatísticos modernos. Os resultados são claros.
As práticas agrícolas começaram a mudar significativamente depois da II Guerra Mundial, quando os países introduziram medidas para aumentar a produtividade das quintas agrícolas. Todavia, esses esforços para aumentar a produção, incluindo uma dependência crescente de pesticidas e fertilizantes, trouxeram com eles um custo significativo para as aves e outra vida selvagem – e de uma forma crítica, para a saúde global do ambiente.
Um relatório recente no Reino Unido descobriu que a perda de biodiversidade, em paralelo com as alterações climáticas, representa a maior ameaça no médio a longo prazo para a produção de alimentos no país. A perda de biodiversidade tem consequências para a sociedade que vão muito além das espécies em risco.
Acreditamos que as aves são afectadas principalmente pelos pesticidas e fertilizantes através da perda de comida, embora esses químicos lhes possam também prejudicar a saúde. Os pesticidas são concebidos para matar os insectos e invertebrados que as aves comem, enquanto que os fertilizantes mudam o tipo de plantas que crescem nesse ambiente, muitas vezes em detrimento de uma grande variedade de espécies. Os invertebrados precisam desta vegetação como alimento e como abrigo, e as aves também precisam dela – tal como dos invertebrados.
Lagarta da borboleta-cauda-de-andorinha (Papilio machaon). Foto: AnRo0002/Wiki Commons |
Os invertebrados são uma parte importante da dieta de muitas espécies de aves, mas são um combustível essencial para as crias em crescimento, que por sua vez funcionam como o motor para o crescimento populacional.
Os invertebrados são particularmente importantes durante o período de reprodução para mais de 80% das aves do nosso estudo. A perda dramática de insectos de que muitas vezes ouvimos falar parece estar a ter um impacto profundo sobre as aves.
Comida amiga da natureza
A questão aqui é como dar a melhor resposta. A natureza está em apuro no meio rural e no entanto, os agricultores podem ser uma importante parte da solução se forem apoiados pelas políticas certas.
Precisamos de um apoio muito maior para as práticas agrícolas que são amigas da natureza, e de nos afastarmos de uma agricultura dominada por pesticidas e fertilizantes inorgânicos. Isto seria bom para a natureza, para os agricultores e a produção de alimentos, para o clima, para os consumidores – e muitos agricultores progressistas estão a liderar esse caminho.
Os nossos resultados mostram também o poder da ciência cidadã e da cooperação através de fronteiras para fazer avançar a ciência e compreender melhor o mundo natural – e como mudar as coisas para melhor.
Agora, precisamos de governos por todo o mundo que apoiem esquemas de gestão da terra que recompensem práticas agrícolas amigas da natureza, como o compromisso de gerir pelo menos 10% da área agrícola para a natureza, o que por sua vez irá ajudar a manter ou mesmo aumentar as taxas de rentabilidade agrícola.
Mas precisamos também de uma reforma mais ampla do sistema alimentar, incluindo dietas que sejam amigas da natureza. Retalhistas, fornecedores e processadores que trabalham na produção de bens alimentares a partir dos produtos agrícolas podem todos fazer a sua parte para assegurarem um ambiente saudável que nos alimente e traga de volta a natureza -com todos os benefícios para as pessoas que isso irá trazer.
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