sexta-feira, 23 de junho de 2023

“ Ei, RAPAJINHO... , Ou o meu casamento”! - Capítulo III

Por: Luís Abel Carvalho
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

... continuação

Quinze dias depois de casados, fomos viver para um terceiro andar – sem elevador – na rua Santos Pousada, ao Campo 24 de Agosto. Entretanto, a Julieta já tinha arranjado emprego numa farmácia na Rua Passos Manuel, que ficava perto de casa, enquanto eu mantinha o meu emprego de Desenhador Técnico na Fundição de Massarelos. Aí nasceu o nosso primeiro filho, o Avelino. Depois do nascimento do primeiro neto, os Pais dela visitavam-nos quase de quinze em quinze dias, mimando-nos com o melhor fumeiro do mundo, além da gradura, fruta da época, azeite, figos secos, queijo curado e fresco e vinho. Sabendo o “ Bazófias “ que eu gostava de aguardente, nunca me levou uma gota, o malandrão! E ele tinha-a da boa! Considerava aquilo uma vingança, por lhe ter roubado a sua Prinxeja, a sua Xulietajinha.  Mas aquela fartura toda era devida apenas à minha sogra, que era umas mãos-largas, ao contrário do Bazófias que era um lazarento, um unhas de fome e um somítico.  
         Apanhavam o comboio até ao Pocinho, que é onde o Douro suga o Sabor. (É sempre assim; o mais fraco a alimentar o mais forte)! Mas também o Sabor era filho de muitas Mães que o alimentavam; todas as ribeiras que lhe ofereciam o peito: Onor, Fervença, Azibo, Maçãs, Angueira, Vilariça...Tudo isso o tornou no último “Rio Selvagem” da Europa, até que o místico e impalpável progresso o matou para sempre! Lá se foram as enguias, barbos, bogas, escalos, carpas, achigãs...paz às suas almas! Mudavam depois no Tua para Bragança. (Viagem das mais bonitas que há na Natureza!).
        Quase um ano depois nasceu o Amadeu e no ano seguinte nasceu o Arnaldo! Tudo rapazes, para consolo do Senhor Ramalho e desgosto da Senhora Laurinda e da Julieta, que queriam à viva força uma menina. Quanto a mim, viesse o que viesse! Sempre fui de “bom garfo “.
         A vida corria de feição, tirando os gastos excessivos da Julieta em cabeleireiros e boutiques. De repente, começou na gastar fortunas em produtos de beleza. Era um autêntico sorvedouro de dinheiro difícil de estancar! A vaidade e o “empinamento” do nariz que já vinham de criança, cresciam directamente proporcional ao meu descontentamento – nunca chegando a ser desgosto, confesso.
       Cerca de um mês depois de nascer o Avelino, com a justificação de simular as olheiras originadas das noites mal dormidas, dadas pela criança, começou por usar uma simples e leve base, para depois começar a pintar os olhos, as pestanas, os lábios e as unhas! Progressivamente começou a desmaquilhar-se à noite e usar uma outra maquilhagem nocturna! Vejam só! O tampo da cómoda da casa de banho já era pequeno para aquela parafernália de cosméticos: eram cremes, bases, pó de arroz, diferentes óleos, verniz, tónicos faciais, esfoliantes, cremes hidratantes, bálsamos labiais, creme anti-envelhecimento(!!!), batons de variadas cores, lacas, sprays de fixação, brushings, loções, fragrâncias, lápis delineadores, condicionadores, shampôs, rimel, gel de banho, perfumes, eau de toilette, pincéis, esponjas, pinças...Para mim é mais fácil escrever sobre estes adereços do que para o leitor. Já dizia o Camilo: “. São necessários mais conhecimentos para ler um romance, do que para escrevê-lo. Ao autor basta-lhe inspiração, ao passo que o leitor precisa de algo mais: inteligência! 
      Quando um dia a confrontei, explicou-me quase angelicamente o motivo: “ É que assim sinto-me mais segura e tenho mais auto-confiança “!. Como a minha psicologia só vai até aos nabos e às couves e não passa do pedragulho, calei-me por uns tempos e começou a crescer em mim uma bomba de inconformismo. Tentei chamá-la à razão: “Tu és linda assim ao natural, não precisas de adornos e nem dessas coisas postiças, que só te escondem a beleza real e pura; tens a tua beleza natural e genuína que muitas gostariam de ter. Eu apaixonei-me por ti sem usares essas porcarias, que só te borram a pele. Assim estás a camuflar e a maquilhar o teu encanto. E se é para te sentires mais confiante e segura, não é no exterior que deves procurar a solução, mas sim no teu interior, valorizando – te e viveres sem complexos a beleza que tens dentro e fora de ti. Podes contar comigo para superares as tuas inseguranças e medos. Vá..., tens aqui o meu ombro, a minha mão, o meu coração e o meu amor para seguirmos em frente e continuar a construir a nossa felicidade “. (Coisas lindas de se dizer a uma mulher, sem dúvida! Quantos maridos diriam isto?! Na verdade, eu era um oceano de amor!). Mas ela era de feitio granítico e indomável!
      Continuou a saltar de cabeleireiro em cabeleireiro e de boutique em boutique, na Santa Catarina. É claro que tinha gosto em vê-la bonita e aperaltada, assim como ela teria algum desgosto em ver-me desleixado e mal-arranjado. Como as despesas nesses “ saricotés “ eram demasiado, tive que usar o freio. A princípio ainda relinchou, mas com o tempo moderou-se. E logo eu, que devo ser a pessoa mais naturista e economicista em relação à aparência. A última vez que fui ao barbeiro, foi na véspera do casamento, por insistência da Mãe dela. (E como o que mais desejava era casar com aquela que amava, lá fui eu como um cordeirinho manso). Até laca me puseram, coisa que me deixou traumatizado até hoje, passados 40 anos! Obrigaram-me a casar de fato e gravata. Mas quilhei-os bem, pois apareci de fato e laço! Ainda não esqueci a minha sogra a revirar, pateticamente, os olhos quando me viu de lacinho. (Que prazer aindo hoje sinto em ter-lhes dado aquele desgosto!). A partir desse dia, sempre tosquiei o cabelo e a barba em casa. Só uso botas e duram-me em média três a quatro anos e sou capaz de andar um mês com as mesmas calças. Ainda hoje só me lavo com sabão azul e branco ou Clarim! Por mim, algumas profissões iam à falência: barbeiros, alfaiates, médicos, farmacêuticos, dentistas, taxistas, laboratórios de análises... (Como dizia a Tia Germana: “ Pés quentes, cabeça fria, boa cagada, boa urina e merda p´rá medicina!”).
      Por isso a minha sogra chamava-me “o mal bestido “. Já me chamavam o “ Taininhas “. Agora era o “Taininhas mal bestido“! (Epítetos insultuosos difíceis de aguentar e de perdoar, convenhamos!). Mas eu era um coração puro, cheio de amor e tudo perdoava, em nome do amor, precisamente!
     - Oh, mnha filha – lamentava-se a Mãe. – Anda sempre tão mal arranjado, qu´inté parece um pedinte! É mesmo um taininhas, um tchouldreiro, credo! Num sentes um pouquinho de bergonha d´ires co ele a certos sítios? Ós cafés, ós restaurantes, tu sempre bem arranjadinha e ele prá li um mal injorcado...Credo!    - Não, mnha Mãe. Tenho até orgulho nele. Claro que podia andar mais apresentável, mais bem arranjado, mas é mesmo dele. Feitios... Só teria vergonha se ele fosse algum ladrão ou me tratasse mal a mim e aos meninos. Nisso, só posso dar graças a Deus.
     - Pois... p´lo menos no é impstor – concordava com algum desconsolo. Mas tu bê lá,  s´andarens precisados de dinheiro. É só pedirens. Num bos acanhendens.
     Ah, grande mulher que sempre me defendeu com unhas e dentes. Mas no entanto, tenho para mim, que me contava isso, com alguma (muita) subtileza, para me chamar a atenção, na esperança de conseguir uma leve mudança da minha parte. (A psicologia feminina é (foi) sempre muito astuta e eficaz!).  
     Os gastos excessivos com a cosmética continuavam, com o aval da Mãe e para meu desespero. Até que um dia resolvi pôr em acção um conselho que o meu Pai me deu. “ Sabes, meu filho! Tãe certas alturas na bida dum home, qu´m home tãe que´scoucinhar e botar co a carga ó tchão. Dar dois pinotes e deitar abaixo aquilo que nos faz carrego“.  Assim fiz: um dia dei um murro na mesa, disse uns impropérios no mais puro vernáculo transmontano, com a brutalidade que nos caracteriza (va), que até se encolheu toda, não sabendo onde se meter. Ficou de tal maneira co cú à norrita e mais agacthada do que um coelho perante um furão, que até tremia. (E eu com tanta pena dela, coitadinha!).
     Remédio Santo! A partir daí era outra mulher, mais alegre, mais viçosa, mais solta, mais leve e espontânea. Nunca mais se maquilhou! (Não abusem da receita, mas experimentem usá-la uma vez por outra, que irão ver resultados, com toda a certeza). Quanto a mim, só a usei por duas vezes – juro que só foram duas, e a Julieta não me deixará em mentira.

continua...

Fontes de Carvalho

Lê AQUI o Capítulo I
Lê AQUI o Capítulo II

Fontes de Carvalho
, pseudónimo de Luís Abel Carvalho, nasceu no Larinho, uma aldeia transmontana do Concelho de Torre de Moncorvo, Distrito de Bragança. É o filho do meio de três irmãos.
Estudou em Moncorvo, Bragança e no Porto, onde se formou em Engenharia Geotécnia. É casado e Pai de três filhos.
Viveu no Brasil, onde passou por momentos dolorosos e de terror, a nível económico e psicológico. Chegou a viver das vendas de artesanato nas ruas e a dormir debaixo de Viadutos.
No ano de 1980 e 1981 foi Professor de Matemática em Angola, na Província de Kwanza Sul, em Wuaku-Kungo. Aí aprendeu a desmistificar certos mitos e viveu uma realidade muito diferente da propagandeada.
Em Portugal deu aulas de Matemática em diversas cidades, nomeadamente em São Pedro da Cova, Ponte de Lima, Cascais (na Escola de Alcabideche, onde deu aulas aos presos da cadeia do Linhó), Alcácer do Sal, Escola Francisco Arruda e Luís de Gusmão, em Lisboa. Frequentou durante quatro anos, como trabalhador-estudante, o curso de Engenharia Rural, no Instituto Superior de Agronomia.
Em 1995 fundou a empresa Bioprimática – Reciclagem de Consumíveis de Informática, onde trabalha até hoje como sócio-gerente.

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