sábado, 25 de novembro de 2023

Bragança, campanha eleitoral de 1969: da sala do Cinema ao fogo na serração

Por: Carlos Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Fins de Setembro princípios de Outubro, 1969, Bragança, há dois momentos que nāo esqueço, contava então eu 17 anos. Tudo, a propósito das eleições legislativas nesse ano, em 26 de Outubro, que o Henrique Martins - “Às urnas, gentes de Bragança, pelo Bem da Nação!”-, de forma tão bem ilustrada, documentalmente nos recorda.
O primeiro momento foi quando, em âmbito de campanha eleitoral, chegou a notícia de que Marcelo Caetano, dia tal, ia a Bragança. Tendo já substituído Salazar, caído da cadeira, e fazendo que fazia a propaganda da União Nacional cheirar um pouco a liberdade, no dia tal Marcelo lá chegou.
Na sala do Cinema, como nós chamávamos ao Cine Teatro Camões, ali por detrás da (saudosa) Praça, arranjadinha a condizer, não faltava nada para acolher a sessão de esclarecimento de tão ilustre personalidade. E no dia tal, como no primeiro filme que ali vi ("Os Tiranos de Siracusa"), o Cinema ficou a rebentar pelas costuras. Também lá fui, claro!
E assim como se encheu, entre cumprimentos, palmadinhas, salamaleques e muitobéns, também se esvaziou.
Dias depois, chegava a notícia de que também a Oposição iria fazer campanha em Bragança. Foi o segundo momento. Chegava a notícia, e a notícia confirmou-se.
A diferença é que, enquanto o sucessor de Salazar falara à luz do dia na sala do Cinema, preparada com todos os ésses e erres, a sessão de esclarecimento da Oposição se anunciava para o cair da noite, na serração do senhor Martins Novo, no fundo da Avenida do Sabor.
Desconfiados do tal cheiro a liberdade, lá fui, lá fomos.
Entrámos, espaço cheio, odor a serrim, ainda a tempo de ouvir falar o Dr. Gonçalves, advogado, figura que marcou a Cidade, e o seu colega Dr. Pontes, da vila de Vinhais, advertindo: "Cuidado, a serração está cheia, mas também cheia de pides!"
A sessão foi curta, e de pouco mais me lembro. 
Do que me lembro, isso sim, é que cedo chegava a notícia de que nessa mesma noite a serração do senhor Martins Novo, de que era também sócio o Dr. Gonçalves, ficara reduzida a cinzas… 
Bem advertira o Dr. Pontes: "Cuidado, a serração está cheia, mas também cheia de pides!"

Carlos Pires
é natural de Macedo de Cavaleiros, tendo adoptado a pequena aldeia de Meles, onde crestou à  solta nas férias grandes, como o seu verdadeiro berço. Como jornalista, fez parte das Redações do "Tempo", "Portugal Hoje", " Primeira Página", "Liberal", "Semanário" e da revista de economia "Exame" (de que foi editor). Em Bragança, colaborou no semanário "Mensageiro de Bragança" (1970-72), tendo sido co-fundador do semanário "ÈNÍÉ - uma voz do Nordeste Português" (1975) e da publicação  "Domus", da Casa de Cultura da Juventude de Bragança (1977-78).
Foi assessor de imprensa de Maldonado Gonelha, ministro da Saúde (1983-85).
Entrou para o Infarmed em fins de 2000, depois de ter sido assessor de imprensa da ministra Elisa Ferreira, nos dois governos de António Guterres, primeiro no Ministério do Ambiente, depois no Planeamento (1995-2000).
No Infarmed criou o Gabinete de Imprensa, tendo sido porta-voz da instituição durante mais de uma dúzia de anos.
Alguns aspetos marcantes: a iniciativa da realização de um curso para jornalistas (2001), ministrado por peritos do Infarmed, em que os principais órgãos de informação estiveram representados, sobre o ciclo de vida do medicamento; a elaboração do jornal da instituição, "Infarmed Notícias", trimestral (de que é coordenador/editor/redator). A edição especial de Janeiro de 2018, com 120 testemunhos sobre o INFARMED na altura conturbada da ideia controversa da sua deslocalização para o Porto (depois editada em livro); e ainda a publicação de um livro, editado pela Âncora, "Redondilhando", que nasce no seio da instituição e cujo prefácio foi assinado por Ernesto José Rodrigues.

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