Por: José Mário Leite
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
É assumido que o correto é começar pelo princípio. Contudo, quando este é incerto, difícil de identificar e impossível de o localizar, com segurança, não há outra solução que não seja… começar pelo fim mesmo que este seja confuso, complexo e pouco claro. É o que é!
É com perplexidade que, na mesma semana seja do conhecimento público que um autarca tenha sido detido para justificar a exigência de contrapartidas (modestas) para uma associação desportiva e uma atividade cultural pela instalação no concelho de um mega investimento, que um outro autarca perdeu o mandato por ter usado um veículo da Câmara para fins pessoais ao mesmo tempo que se chegava à conclusão que a disponibilização de centenas de milhares de euros pela direção do Benfica (que é o meu clube, de sempre) para prendas a árbitros não assume qualquer laivo de corrupção e que o primeiro-ministro foi levado a demitir-se por um parágrafo escrito pela Procuradora Geral, com base em escutas transcritas com lapsos e erros, não por algo que tenha feito, em concreto, no processo em análise, mas pelas supostas ações de um amigo que terá elegido como o melhor de todos e pela imprudência de um subordinado, mal escolhido, por certo… apesar de estar inocente. Inocente, sim. Porque se as suposições jurídicas implicam tais consequências, afinal a presunção de inocência, serve para quê? É uma treta para encher a boca? Ou apenas para mascarar a repetição da história?
Há dois mil anos, no Gólgota foram crucificados e condenados à morte, Jesus Cristo, um ladrão bom e um ladrão mau, enquanto nas apertadas e movimentadas ruelas de Jerusalém, passeava livremente Barrabás o assumido malfeitor libertado pelo povo em nome de quem se praticam todos os atos de justiça! Mas se olharmos pelo outro lado da cortina podemos ver a mesma realidade com outros olhos, nomeadamente na questão das contrapartidas de Sines em que o que mais importa não são elas, o seu valor ou destino mas a legalidade das pretensões dos empresários anteriormente recusadas pela vereadora, sendo igualmente questionável o interesse público de um investimento de milhares de milhões num mega armazém de dispositivos de memórias, gigantesco consumidor de energia e terraplanador de extensas superfícies protegidas que chega a Portugal, não como resultado da promoção lusa de captação de investimento, mas por recusa de outras localizações, que o carro da autarquia de Gaia foi usado para fins pessoais do presidente e também dos seus familiares. Mesmo que se admita ser exagerada a penalidade aplicada, não deixa de ser claramente condenável, pelos vistos a montanha de dinheiro dos cofres benfiquistas saiu em valores individualmente modestos, meras ofertas de cortesia e que não há qualquer prova nem indício razoável de consequentes benefícios, e ainda que, sendo inocente de quaisquer acusações que, bem ou mal, constem dos autos, António Costa é o responsável pelo epíteto de “melhor amigo” (a pretensa infelicidade do gesto igualmente não pode ser assacada a mais ninguém) e pela sua intervenção, remunerada ou não, em processos relevantes e de impacto na vida comum e ainda, apesar de vários avisos, a escolha do chefe de gabinete foi uma prorrogativa exercida conscientemente pelo detentor da chefia do governo.
Não deixa, igualmente, de ser verdade que a condição de inocente não isenta ninguém de ser alvo de suspeitas e pode reconhecer-se alguma lógica na argumentação dos que defendem que quem está inocente se deve comportar de forma serena e não usar o cargo e o lugar onde o exerce para lançar dúvidas sobre a legitimidade das averiguações em curso. Perante este cenário é normal a disparidade de opiniões dos comentadores… Já os políticos deveriam reconhecer que as leis que aportaram a esta realidade foram feitas por eles!
José Mário Leite, Nasceu na Junqueira da Vilariça, Torre de Moncorvo, estudou em Bragança e no Porto e casou em Brunhoso, Mogadouro.
Colaborador regular de jornais e revistas do nordeste, (Voz do Nordeste, Mensageiro de Bragança, MAS, Nordeste e CEPIHS) publicou Cravo na Boca (Teatro), Pedra Flor (Poesia), A Morte de Germano Trancoso (Romance) e Canto d'Encantos (Contos), tendo sido coautor nas seguintes antologias; Terra de Duas Línguas I e II; 40 Poetas Transmontanos de Hoje; Liderança, Desenvolvimento Empresarial; Gestão de Talentos (a editar brevemente).
Foi Administrador Delegado da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana, vereador na Câmara e Presidente da Assembleia Municipal de Torre de Moncorvo.
Foi vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes.
É Diretor-Adjunto na Fundação Calouste Gulbenkian, Gestor de Ciência e Consultor do Conselho de Administração na Fundação Champalimaud.
É membro da Direção do PEN Clube Português.
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