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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

Sabotagem no Paraíso - Segunda parte - Paraíso ou Nem Por Isso

 Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")


Samael resolveu ficar invisível e explorar cada pedaço do jardim escondido pelo Criador. Cada dia que passava, sentia-se mais fascinado pela fantástica Obra que havia sido feita. Conseguia perceber, pelos seus olhos divinos, a graciosidade, a mestria do intrincado das Palavras que terão sido usadas e reconheceu o poder e sabedoria do Criador.

Ocasionalmente, tornava a revelar-se a Lilian e deixava-se bombardear pelas perguntas da inocente criatura, cada dia mais fascinado pela sua perfeição e pelo encanto da voz e da aparência. Ao fim de algum tempo, porém, aborrecia-se do interrogatório e partia intempestivamente, como da primeira vez. Voltava no dia seguinte, assim que a encontrasse sozinha.
Desde o primeiro dia, Samael solicitou-lhe que não mencionasse os seus encontros a Adam ou ao Criador; era o primeiro pecado cometido por omissão no paraíso. Ele próprio, não revelara aos seus irmãos que descobrira o esconderijo. Primeiro, fizera-o porque pretendia exibir-se junto deles por conseguir desvendar o segredo sem ajuda, depois, porque queria saber mais, antes que tudo fosse destruído, finalmente, sentia-se culpado pela ocultação e pelo carinho que nutria pela criatura.
Se Miguel ou Rafael soubessem o que ele descobrira, em pouco tempo todos os outros acabariam por saber. Samael enfrentaria forte resistência aos seus intentos e seria rapidamente denunciado. Havia muitos, como aqueles dois, que defendiam as Intenções do Criador cegamente, enquanto outros não teriam descanso enquanto não matassem as criaturas e abrissem o Jardim do Éden a todas as outras. Nem queria imaginar o que faria Lúcifer com esta informação…
Claro, que o Criador não permitiria que o Seu segredo fosse divulgado ou o Seu trabalho destruído…, mas, para isso, era preciso que soubesse o que acontecia. Samael teria de esforçar-se enormemente para não se denunciar, pois, se fosse confrontado com uma pergunta direta, não conseguiria mentir, como qualquer entidade angelical.
Os lamentos de Lilian sucediam-se à medida que sabia mais sobre o mundo que não conhecia. Ela ridicularizava Adam, que se divertia a escutar o falar limitado dos pássaros ou das cabras e até a observar as evoluções que uma folha fazia ao cair das árvores. Isso era muito pouco para ela, queria conhecer mais. A parte pior, porém, era quando ele queria que ela se lhe submetesse e ficasse por baixo e quieta, durante as relações sexuais, que só aconteciam quando ele desejava.
O anjo percebeu, ali, a possibilidade de minar o trabalho do Criador; aumentando o descontentamento da mulher, traria a infelicidade e o desequilíbrio à relação. Como já estava fragilizada, bastaria uma pequena ajuda.
Os contactos com Lilian tornaram-se mais frequentes e prolongados. Quando o tema “das coisas do mundo” se esgotava, Samael ensinava-lhe as palavras para fazer surgir fogo ou água, ou para provocar um pequeno remoinho de vento que erga uma pilha com os galhos caídos na clareira. Por fim, ensinou-lhe a palavra que lhe permitia sair do jardim e ver com os seus próprios olhos, sempre acompanhada, como era o mundo para lá do lugar onde vivia.
Ela não ficou muito impressionada com o que viu do exterior. Lá fora, havia casas e roupas, mas também deserto, calor imenso e falta de água, alguns animais eram perigosos e nenhum falava ou dava mostras de a perceber! O jardim era muito mais bonito e organizado; tudo era calma, havia muita sombra e água e os animais eram pacíficos e faladores. Aqui não precisava de usar roupas, no entanto, sentia-se amarrada no jardim e parecia-lhe que se respirava melhor fora, mesmo no ar seco do deserto.
Um dia, durante uma das longas conversas, foi inevitável, as bocas de ambos tocaram-se e Lilian conheceu, naquela tarde, o verdadeiro significado de clímax e êxtase. Foi a primeira traição do paraíso…, mas repetiu-se muitas vezes a partir daí.
Claro que, se o sexo de Lilian com Adam já era muitas vezes uma situação tensa, por recusa dela em fazê-lo ou submeter-se aos desejos dele, a partir daquela altura piorou. A mulher recusava ser possuída e a harmonia do paraíso estava ameaçada; quando estavam juntos discutiam e, quando separados, ficavam amuados e sombrios.
Adam solicitou ajuda ao Criador e, juntos, questionaram Lilian, com o Pai tentando demonstrar doçura e compreensão, ao contrário do companheiro. Ela mostrou-se obstinada e recusou-se a responder a algumas perguntas, para estupefação do Criador, que começava a ficar altamente desconfiado de que havia elementos estranhos na equação.
Por fim, o Pai confrontou-a com uma pergunta direta: — Diz-me, minha filha, falaste com mais alguém além de nós e os animais do jardim?
Lilian abriu muito os olhos. Desprezava Adam, pois já percebera as suas limitações, mas tinha medo da reação do Criador. Hesitante, com o rosto muito corado e os braços estendidos, como que afastando os interrogadores, deu uns passos atrás, sem saber o que fazer. Balbuciou, no entanto, um tímido “Não.” Foi a primeira mentira do paraíso.
O Pai sorriu tristemente e repetiu a pergunta.
Para espanto dos dois, Lilian proferiu a palavra que Samael lhe ensinara e evaporou-se em pleno ar.

Manuel Amaro Mendonça
é licenciado em Engenharia de Sistemas Multimédia pelo ISLA de Gaia. Nasceu em janeiro de 1965, em Portugal, na cidade de São Mamede de Infesta, no concelho de Matosinhos; a Terra de Horizonte e Mar.
Foi premiado em quatro concursos de escrita e os seus textos foram selecionados para mais de duas dezenas de antologias de contos, de diversas editoras e é membro fundador do grupo Pentautores (como o seu nome indica, trata-se de um grupo de cinco autores) que conta já com cinco volumes de contos publicados.
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (2015), "Lágrimas no Rio" (2016), "Daqueles Além Marão" (2017), “Entre o Preto e o Branco” (2020), “A Caixa do Mal” (2022), “Na Sombra da Mentira” (2022) e “Depois das Velas se Apagarem” (2024), todos editados e distribuídos pela Amazon.
Colabora nos blogues “Memórias e Outras Coisas… Bragança” https://5l-henrique.blogspot.com/, “Revista SAMIZDAT” http://www.revistasamizdat.com/, “Correio do Porto” https://www.correiodoporto.pt/ e “Pentautores” https://pentautores.blogspot.com/
Outros trabalhos estão em projeto, mantenha-se atento às novidades em http://myblog.debaixodosceus.pt/, onde poderá ler alguns dos seus trabalhos, ou visite a página de autor em https://www.debaixodosceus.pt/ 

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