A primatóloga que nos deixou no dia 1 de Outubro esteve em Portugal duas vezes. Em 2013, a convite do Rotary Club, e em 2017 no âmbito do National Geographic Summit. Resgatamos, por ocasião da sua morte, uma entrevista feita há oito anos.
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| Hugo van Lawick |
Estudou chimpanzés como nunca ninguém os estudara e extraiu dessa investigação elementos decisivos sobre o comportamento destes animais. Jane Goodall, fundadora do Instituto Jane Goodall e Mensageira da Paz das Nações Unidas, regressa a Portugal para uma conferência no âmbito do National Geographic Summit, no dia 25 de Maio. Jane abriu o trilho da investigação continuada em ambiente selvagem. Os próximos passos cabem a cada um de nós.
National Geographic (NG): A década de 1960 foi um momento de mudança dos papéis tradicionais atribuídos às mulheres. Concorda que foi mais longe na sua especialidade?
Jane Goodall (JG): Cheguei a Gombe, na Tânzania, em Julho de 1960. Não tinha nenhum diploma universitário e ia acompanhada da minha mãe. Depois de observar pacientemente e à distância os chimpanzés em ambiente selvagem, consegui finalmente observá-los a criar e utilizar ferramentas. Anteriormente, pensava-se que apenas os humanos tinham essa capacidade. Fui a primeira mulher a desenvolver este tipo de trabalho no terreno e abri caminho para outras.
NG: Os biólogos tentam manter-se objectivos em relação aos sujeitos de estudo. Porque mostrou proximidade física e emocional com os chimpanzés?
JG: Demorou alguns meses até os chimpanzés permitirem que eu me aproximasse o suficiente para observar o seu comportamento. Usava todos os dias roupas da mesma cor e observava-os pacientemente. Ao fim de algum tempo, alguns aceitaram a ideia de que eu não representava uma ameaça. Passei a minha infância a aprender o que podia sobre animais e sabia que a observação paciente e sistemática resultaria. Ser tolerada ou “aceite” pelos membros do grupo foi muito útil para conseguir perceber o comportamento dos chimpanzés e a sua estrutura familiar.
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| Martin Schoeller |
NG: Chegou a Gombe sem preparação académica. Foi uma vantagem que lhe permitiu observar aquele ecossistema com um olhar mais “limpo”?
JG: Como não tinha formação académica específica, não estava consciente de restrições à pesquisa. Não sabia que não devia personalizar os nomes dos chimpanzés mas sim registá-los com números. Aprendi que as famílias de chimpanzés mostravam muitos dos mesmos traços das relações entre humanos e que cada chimpanzé tinha a sua personalidade. Com nomes, os chimpanzés de Gombe, e os seus descendentes tornaram-se famosos em todo o mundo quase 60 anos depois.
NG: De que forma os esforços de conservação de natureza e as iniciativas de paz podem ser articulados?
JG: O Instituto Jane Goodall tem conseguido proteger os chimpanzés de Gombe através do trabalho com as comunidades locais. No programa JGI Tacare, as comunidades locais são formadas no desenvolvimento de programas que possam melhorar o equilíbrio dos solos, a saúde comunitária e a educação, transformando-se em parceiros na conservação da natureza. Três viveiros mantidos pelas populações locais permitiram que as árvores crescessem até produzir frutos. Tudo isto ajudou a enriquecer os terrenos na zona e criou uma zona-tampão para o Parque Nacional de Gombe. O Instituto Jane Goodall implementou o mesmo tipo de programa noutros países africanos, trabalhando com as comunidades locais no sentido de desenvolver programas de sustentabilidade.
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Em Portugal, vocês têm espécies protegidas em perigo como o lince ibérico. Só tentando descobrir mais sobre essas espécies e trabalhando com as comunidades locais que partilham o seu habitat é possível ajudar a protegê-las.
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| Hugo van Lawick |



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