Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite, Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues, João Cameira e Rui Rendeiro Sousa.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 27 de outubro de 2025

A «matança do porco», um ilustre bragançano e histórias que vão para lá do «desde que me lembro»


 Pelo ilustre bragançano começando, há dois dias publicava ele, por aqui, as «Memórias da matança do porco em Trás-os-Montes». Por lá deixei o comentário «acho que já me deu o mote para, um qualquer dia, por aqui trazer a História da Matança do Porco, por estas bandas». Para os que dúvidas tenham, o ilustre bragançano é o administrador desta página e merece a reverência de todos os Bragançanos (nesta designação genérica incluídos todos aqueles que têm ligações aos doze concelhos que fazem parte do distrito). A minha, pelo menos, merece. À custa do seu excelso trabalho de divulgação da região, por aqui vou debitando palavras. É a minha humilde forma de lhe prestar tributo.

Muitos, ou a esmagadora maioria, identificarão o “lato da bianda” que acompanha estas letras. Também poderia ser “ua caldeira da bianda”, mas foi o que se arranjou. Tal como muitos, “dez’de que m’alembro”, o porco sempre fez parte, até determinada época, do quotidiano. Aliás, eram sempre um par, um casal, que não apenas serviam para reprodução, como depois um exemplar, quando “cebado”, serviria para a «matança», e o outro para ir vender à feira. Ficavam na “loije”, e lá me fui habituando a expressões como “ac’modar a tenda”, na qual, para lá dos “recos”, ou “cotchinos”, ou “laregos”, muitos nomes lhes ouvi chamar, também havia “pitas, parrecos, garnizos e pirús”, mas estes iam para a capoeira. Tudo isto no meio da “bila”, coisa impensável nos dias de hoje. Tal como impensável é fazer-se uma «matança» quase no centro da dita “bila”. Mas fazia-se…

Porém, ao ouvir os «mais antigos», bem como ao “scarafuntchare” tudo o que relação tenha com a história desta magnífica e incomparável região, nem sempre foi assim. Para lá do “dez’de que m’alembro, outras alembraduras hai”. Não irei aqui recordar os «dias da matança», muitos terão, até, maiores e melhores recordações. Porém, para os que interesse tiverem, em final de tarde na qual já se sente o horário de Inverno, já é de “noute”, ou de “neite”, “ó consoante” da região, outras realidades por aqui trago. Porque, de facto, nem sempre foi assim…

Aliás, segundo testemunhos dos mais “belhos”, muitas famílias, lá pelos anos 50 ou 60, “nim sequera tinham um porquinho pra matare”. E ouço e leio histórias sobre esses tempos nos quais os «ricos» davam aos «pobres» uns “catchicos do cotchino”, normalmente as partes menos valiosas do “reco”. Aí incluídos relatos de que, pelo Natal, os «cabaneiros», ou «jornaleiros», lá comiam um “cibeco” de bacalhau e os «miúdos do porco» que os “labradores mais abastados” lhes davam. Tempos outros nos quais o estatuto social e económico era medido pela capacidade de ter ou não criado um porco, ou pelo número de exemplares que criados eram. Diz-nos o Abade de Baçal, ainda no primeiro quartel do século XX, que era comum dizer-se «é tão pobre que nem matou», para caracterizar a condição social de «pobre». 

Quando se recua a períodos anteriores ao século XX, a situação ainda era mais precária. A “ceba” de um porco estava apenas reservada aos mais capacitados financeiramente. O comum Povo “nim sequera le tcheiraba a tchitcha ó pórco”, quanto mais ingeri-la. Limitava-se à trilogia pão (centeio), vinho e castanhas. É incrível perceber o regime alimentar da esmagadora maioria dos nossos bisavós/trisavós! Na qual ainda não entrava a tão nossa e querida batata, que só muito tarde, já por finais do século XIX, inícios do XX, é que começou a consumir-se por aqui. Mas isso é outra história… 

A «matança do porco», enquanto fenómeno social ou de demonstração do estatuto, apenas começou no período pós-Revolução Liberal, quando foi quebrada a hierarquia social que o «Antigo Regime» impunha. Foi aí que alguma gente do Povo começou a aceder à categoria de «proprietário», entre outras coisas servindo a capacidade de criação do porco como marcador de estatuto social. Um pouco mais tarde, acrescentou-se-lhe a «festa da matança», na qual se incluíam lautas refeições para as quais se convidavam, dependendo do estatuto, mais ou menos pessoas. Foi aí que nasceu, já em pleno século XIX, a tradição da referida «festa da matança», a qual, quanto mais opulenta se revelasse, maior era a categoria social do promotor da dita festa. Como tal, o «mata-bitcho da matança», o «jantar da matança» e, por vezes, a «ceia da matança», eram indicadores do estatuto de quem as promovia. Aqueles que iam ascendendo na hierarquia social, logo tratavam de imitar os que os antecederam em tal ascensão, vulgarizando-se, com o decorrer do tempo, esse dia festivo representado pela «matança do porco». O que é um fenómeno relativamente recente…

Épocas essas em que os «ricos», as «casas grandes», tal era o valor que os porcos tinham, até os incluíam nos seus testamentos! Ou tinham criados específicos para conduzirem os seus rebanhos de porcos, vezeiras designados, assim como vezeireiros era denominados os «pastores dos porcos». Curiosidades… Palavra puxa palavra, já me estendi… Não tenho de ir “ac’modar a tenda”, nem de ir aos vizinhos pelos “restos pr’á bianda”, mas outros afazeres há. É sempre um prazer renovado vir aqui para ir partilhando algumas «tolices», ou “tchalotices”, “bá já que m’ássim”… 

Temas não se esgotam, nestas soberbas terras!...

Rui Rendeiro Sousa

Sem comentários:

Enviar um comentário