quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Das festividades e dos espetáculos em Bragança

Por circunstâncias já referidas, que levam ao aperfeiçoamento de “mecanismos de controlo”, e pela evolução 
dos tempos produzem-se, inexoravelmente, alterações culturais e civilizacionais. Longe de desaparecerem, como é óbvio, as festas tradicionais populares que invadiam as ruas e os largos, as festividades, "tendem a transformar-se, progressivamente, em espetáculos". Os festeiros deverão ser “espectadores que assistem ao espetáculo de longe, geralmente sentados” e sem terem participação ativa. São mais ou menos enclausurados em salas adequadas às novas exigências de relacionamento e de controlo comportamental. Podemos referir, para o nosso Distrito finissecular, os novos edifícios concebidos para novos espetáculos – caso dos recintos para touradas, edifícios para teatros e comícios políticos, palestrantes ou consumo de novas artes cinematográficas, como aconteceu em quase todas as vilas e cidades do Distrito neste período".
Com espetáculos teatrais e representações variadas também se urdia o tecido cultural da urbe. Em fevereiro de 1908, num fim-de-semana, representa-se um autor local, Raul Teixeira. Peça ao jeito revisteiro: "Bragança por um canudo". "Teatro cheio e noites cheias, as de sábado e de domingo! Sim, senhores. Uma revista em Bragança!
E pegou!... É que Raul Teixeira tem talento e observação… A peça caustica, com bom humor e ironia fina, os costumes e tipos da terra, sem ofender ninguém. Vê-se que o autor se preocupou com o propósito de não ferir melindres, para os quais um meio pequeno como o nosso é propício".
Neste texto teatral, da autoria de uma das mais proeminentes – e controversas – figuras da terra brigantina, o autor não se esqueceu, como informa o cronista, "de aproveitar um dos melhores assuntos de crítica: a imundície das ruas brigantinas". Deve sublinhar-se que, por estas terras, havia dramaturgos, ensaiadores, compositores musicais, músicos, artistas, ativos e atuantes.
Tempos depois, o Jornal de Bragança não esquece a efeméride, ao invocar, no terceiro aniversário da "première", a revista de "costumes locais, Bragança por um canudo". Acrescenta esta informação: "Dias depois de ser tirada de cena, porém, começa a ser zurzida". E este comentário: "coisas do mundo e manifestações significativas deste fruste meio bragançano". Continuava a achar-se apropriada – o que é significativo – a designação de "fruste" para o meio citadino.
Em relação a representações artísticas, são surpreendentes as notícias sobre um “famoso” espetáculo proveniente de Espanha. O Jornal de Bragança de 22 de junho de 1910 descreve, com adjetivação laudatória, a performance de La Nereida, artista de renome internacional, de quem se fala com muito entusiasmo – porventura excessivo. Aqui está a prova de que chegam a Bragança espetáculos inesperados e inusitados. No cinematógrafo Pathé, no Teatro Camões, atuou a "insinuante e graciosa couletista e bailarina espanhola Consuello Serrano, La Nereida, estrela dos salões de Madrid e San Sebastian e dos cinemas de Biarritz”. A atriz “tem agradado muito”, porque “La Nereida tem um fio de voz agradável e imprime uma graça picante e canalha às cançonetas que diz".
Dado o êxito, prosseguem os espetáculos. “Hoje 22, há duas extraordinárias sessões com novas couplets e interessantes cançonetas bailadas". No dia 29 ainda se mantinha em cartaz: "Tem agradado muito nas suas cançonetas e bailados a insinuante Nereida". O número de espetáculos apresentados leva-nos a admitir, como hipótese, que teriam vindo espectadores de fora para verem esta “estrela” internacional.
Do cinematógrafo
Em 1908, Bragança vê chegar uma das maravilhas da civilização. Com o cinema, a Cidade ficava ainda mais perto do mundo. Estas conquistas técnicas, que se põem ao serviço do público, deviam ser publicitadas.
Em meados de maio de 1908, “funcionou pela primeira vez nesta Cidade o Cinematógrafo Pathé”. A “concorrência foi enorme”. E sobre a atividade cinematográfica, noticiava-se em junho: a empresa “já tem novas máquinas a funcionar”, tendo recomeçado, “depois de uma pequena interrupção”, as sessões.
Mais (e melhores) espetáculos cinematográficos deviam animar a Cidade. A notícia de que se constituiu “uma sociedade para explorar um excelente cinematógrafo” data de finais de 1908. “As sessões realizar-se-ão no Teatro Camões, que será iluminado a luz elétrica. Deve começar a funcionar em janeiro”.
Além de notícias sobre filmes – nomeadamente os mais "badalados" –, também se inserem anúncios nos periódicos locais. Anuncia-se a exibição, para 20 de junho de 1908, e nos oito dias seguintes, no “Cinematógrafo Pathé” que funciona no salão da “Associação Artística de Bragança”, da “incomparável fita "A vida e paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo", película deslumbrante. Esta fita é colorida e mede 1 200 metros de comprimento; é o mais prodigioso trabalho cinematográfico. Durante a sua exibição, um excelente gramofone executará um escolhido programa”. Além da publicidade às excelências do filme, felicita-se a empresa por, “ao contrário do que outros cinematógrafos têm feito”, não ter aumentado os preços.
Sobre a programação ficamos a saber – o que é dito com algum exagero – que as fitas "são todas exibidas pela primeira vez nesta Cidade… Uma delas, O Avô, é uma das fitas mais interessantes que temos visto”. O que parece certo é que numerosas películas que entravam no circuito comercial eram aqui exibidas.
Durante as sessões, verificavam-se, com alguma frequência, manifestações excessivas e ruidosas. No Jornal de Bragança, alguém – com certeza Raul Teixeira – chama a atenção do Administrador do Concelho para a “balbúrdia infernal” que se verifica nos espetáculos. “Um desaforo” a que é preciso pôr cobro, “sob pena de não se poder frequentar o teatro”.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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