Número total de visualizações do Blogue

Pesquisar neste blogue

Aderir a este Blogue

Sobre o Blogue

SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Douro - Sabedoria popular preserva património oral

«Há um sítio na aldeia de Zedes, do concelho de Carrazeda de Ansiães, que é conhecido por `ermo` e onde nenhuma erva nasce apesar de a terra ser boa. Dizem os antigos que aquele é o sítio da reunião das bruxas e que, por isso, a erva ali não consegue nascer». Assim começa a lenda «Ermo das Bruxas», uma das inúmeras histórias, passadas de geração em geração, e que constam do livro «Património Imaterial do Douro - Narrações Orais».
Ao todo são 250 lendas e 166 contos populares que estavam em risco de extinção que Alexandre Parafita fez questão de resgatar às palavras guardadas na sabedoria dos mais velhos. Um trabalho só possível graças à transmissão de geração em geração daquilo que o tempo não apagou.
Desde «A mulher enterrada viva» ao «Carpinteiro e as feiticeiras» passando pela «Enxada que vertia sangue», são várias as lendas e contos recolhidos em Tabuaço, Carrazeda de Ansiães e Vila Flor. O autor explica ao Café Portugal como nasceu a ideia de preservar este património de memória popular. Um trabalho de recolha que demorou três anos.
O
projecto nasceu em 2007 para cumprir um dos objectivos que presidiu à Função do Museu do Douro (onde a obra foi apresentada oficialmente a 26 de Novembro de 2010) e que reside na inventariação, recolha, investigação, valorização e divulgação do património imaterial do Douro Vinhateiro.
«Na sua primeira fase, o projecto incidiu sobre o concelho de Tabuaço, para, ao mesmo tempo, implementar a entrada em funcionamento neste município de um dos pólos museológicos do Museu do Douro (o Museu do Imaginário Duriense), o que foi conseguido», afirma o mentor da obra.
Alexandre Parafita, também investigador do Centro de TradiçõesPopulares Portuguesas da Universidade de Lisboa, resgatou à memória de cerca de cem idosos dos concelhos de Vila Flor e Carrazeda de Ansiães, dezenas de peças de romanceiro e cancioneiro, lengalengas, rezas e mezinhas.
O autor salienta que a inventariação e o estudo do património imaterial é hoje um «imperativo das sociedades civilizadas, não só no quadro de uma preocupação global com a diversidade e o entendimento entre as culturas, mas também como forma de potenciar novas ofertas culturais a partir do exotismo e raridades etno-tradicionais».
«O Museu do Douro, com base neste trabalho, está em condições de estimular e potenciar projectos de turismo cultural e turismo do imaginário e outros associados aos lugares de memória da Região», sustenta.
Sobre a forma como os intervenientes reagiram a este levantamento, Alexandre Parafita diz que os idosos são, geralmente, «verdadeiras bibliotecas de saberes acumulados».
«Se soubermos estabelecer com eles uma saudável relação convivial, prontamente desfiam as suas memórias e, desse modo, lá vêm as lendas, as variantes de contos tradicionais, os romanceiros, cancioneiros e tudo o mais que tiverem para transmitir. E reagem muito bem, sobretudo quando percebem que, quem está ali para os ouvir, é alguém disponível para dar alguma nobreza aos seus saberes, e não para os ridiculizar, como tantas vezes sucede», acrescenta.
Segundo Alexandre Parafita, as muitas dezenas de contos tradicionais inventariados, obedecem a um critério científico adoptado pelos últimos catalogadores internacionais, e inscrevem-se em «sub-grupos de contos de animais, contos religiosos, contos de fadas, contos do ogre estúpido, mas também contos jocosos e divertidos (de padres, mulheres levianas, avarentos, doidos) e contos enumerativos».

Por sua vez, as inúmeras lendas traduzem explicações populares de fenómenos sagrados, diabólicos, mitológicos, históricos, entre outros, onde entram os episódios milagrosos sobre a origem de capelas, santuários, ou cruzeiros. Há, ainda, os rituais de almas penadas em tornos de antigas necrópoles, ou as sagas dos lobisomens nas suas encruzilhadas.
Sobrenatural e pagão
Em muitos destes contos e lendas existe uma grande marca do sobrenatural cristão e pagão. O autor realça que as populações rurais são profundamente religiosas e, nessa medida, são muito influenciadas pelo sobrenatural atrás indicado, mantendo formas de comunicação com o Além, através de orações, rezas e ensalmos, que traduzem momentos de inquietação absolutamente singulares.
«E nestes cenários lá vêm também as lendas de milagres e de almas inquietas, mas também de metamorfoses diabólicas, de lobisomens, etc. Se pretende saber se hoje as pessoas ainda acreditam, respondo-lhe que em muitos casos não tenho dúvidas disso. Algumas das lendas de almas penadas, de bruxas ou lobisomens, têm ou tiveram protagonistas conhecidos nas comunidades», sublinha o autor.
«Quando em Vilas Boas a alma de uma menina da aldeia apareceu nua na procissão nocturna, as pessoas acreditaram, pois a situação era verosímil no contexto creencial local. Os pais haviam-se esquecido, após a sua morte, de distribuir as roupinhas da filha pelos pobres, contrariando um costume ancestral», exemplifica.
O autor considera importante que o inventário nacional do Património Cultural Imaterial, a que Portugal está obrigado por força da convenção da UNESCO que subscreveu, se faça com «celeridade e com critério».
«Com celeridade, para recuperar a tempo o riquíssimo potencial da memória de quem ainda estão entre nós; com critério, para garantir a genuinidade do espólio cultural resgatado, evitando que sofra os flagelos da manipulação ou aculturação», argumenta.
E está convicto de que a memória oral «jamais deixará de ser um recurso importante na reconstrução da história». De resto, muitos documentos históricos tiveram, em algum tempo, «a memória oral como fonte credível».
«Muitas lendas, que tiveram a oralidade como meio exclusivo de transmissão, têm sido fundamentais para a descoberta de vestígios arqueológicos no nosso território, e têm permitido também equacionar factos históricos ignorados, ou reequacionar outros que vêm persistindo em nebulosas mais ou menos controversas», explica Alexandre Parafita.
Por fim, realça que o inventário do Património Imaterial do Douro não vai ficar por aqui. «Há muito trabalho para fazer, pois o Douro Vinhateiro tem ainda dezenas de outros concelhos muito ricos culturalmente e não seria justo que ficassem de fora. Contudo, tão importante como a realização do inventário é a realização dos estudos necessários sobre o espólio inventariado», conclui.


Ana Clara; Fotos: Livro 'Património Imaterial do Douro - Narrações Orais'
in:cafeportugal.net

Sem comentários:

Enviar um comentário