(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
A minha avó Maria Oliveira andava muito consumida com a sua vida e com os despropósitos do seu único filho rapaz em se querer casar com a filha dum lavrador que mourejava de sol a sol nas ladeiras de Carção.
- Quando já se viu um rapaz judeu casar com a filha dum lavrador?!
E abanava a cabeça, naquele seu jeito que revelava um nervoso miudinho que lhe era peculiar.
Como ninguém dava opinião, a Maria Oliveira concluía ela própria o discurso em jeito de reforço da argumentação:
- E há tão boas raparigas da nossa gente judia em Carção… raparigas que sabem fiar, bordar, tecer… raparigas bem prendadas e este diabo para o que lhe deu!
Mas o Serafim, que muitos e muitos anos mais tarde seria o meu pai, já tinha comprado um fato novo para o casamento e até já estava guardado na casa da rapariga, filha de lavradores e pouco se interessava dos recados e do desgosto materno.
Mas por acaso, nas voltas que o mundo dá, o Serafim encontrou o seu amigo Aníbal, que tinha uma cunhada solteira a viver lá em casa. Mais um peso para a economia doméstica de almocreve remediado, sempre dependente das contingências do negócio.
- Podias casar com a minha cunhada Eugénia? Olha que é boa rapariga, fina como as libras e trabalhadeira!
Sugeriu o tio Aníbal, naquele seu modo de judeu, sempre agradado em arranjar bons casamentos.
E assim, nas mesmas voltas que o mundo e o negócio dão, o Serafim e a Eugénia, cunhada do tio Aníbal, lá se encontraram e agradaram-se.
Passado pouco tempo tinham o casamento apalavrado para contentamento da Maria Oliveira, pois a Eugénia era judia, era prendada e sabia bordar, fiar e tecer.
E assim o fato do casamento com a rapariga dos lavradores, lá ficou em casa dela… e assim foi possível nascerem os meus cinco irmãos e já muito mais tardiamente nascer eu.
… e por pouco não estaria aqui hoje a contar esta conta. Agradeço ao tio Aníbal o ter aparecido em boa hora.
Claro que Maria Oliveira ficou feliz, até ao final dos seus dias, com o casamento do seu filho tão amado, de nome Serafim, com a estimada Eugénia, filha de Judeus respeitados e oficiais do seu ofício.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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