sábado, 30 de novembro de 2019

A Bragança, minha desconhecida.

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")



Ao escrever este título, faço-o com um certo ar de perplexidade, pois do alto da minha ridícula presunção e convencimento de que conheço a minha cidade muito bem, hoje, inesperadamente, concluí, que afinal, não conheço! Enquanto fui miúdo percorri com toda a liberdade a cidade cruzando-a e escrutinando-a, hoje compreendi-a, na sua "Quase" totalidade. Passo a explicar-me:
Hoje participei conjuntamente com os outros alunos da Universidade Sénior numa "Aula"de História, que versava temas tão diversos como Iconografia, Arquitetura, Pintura e Mitologias grega e romana. Isto que nos levou até ao conceito de Europa, a da filha do Rei de Tiro que assim se chamava quando "Zeus Incarnado no corpo de um Touro a levou para Creta perdido de amores" (Fausto B.Dias) e a outra, a nossa, que S. Bento idealizou e que "nascida da Ásia profunda "(Fausto, idem), se transformou na sede dos maiores poderes materiais e intelectuais. 
Há a referir que o Padroeiro da minha Diocese é justamente este Santo, quase para mim desconhecido, mas ao qual em tempos, na minha cidade, foi construído um Convento e uma Igreja que lhe foram votados, reconhecendo quem o mandou fazer, o poder espiritual que este Santo granjeou para si e para Glória da Igreja. 
É exatamente esta igreja que tanta história encerra, o motivo da minha perplexidade. 
Já antes de ir para a Escola, eu cirandava pelas ruas da cidade e dentro da moderação que se impunha, eu metia o bedelho em cantos e esquinas, portas e janelas, pátios e lojas, residências e comércios, fornos e padarias, igrejas e claustros, cartórios e escritórios e tudo o que eu fosse capaz  pensava eu, tinha-as visitado a todas incluindo as capelas espalhadas dentro e fora de portas, sendo de boa memória o meu amado Divino Senhor da Piedade, o guerreiro S.Jorge, das memórias de Aljubarrota (por Santiago, Castela-por S.Jorge,Portugal). O São Lázaro, com as laranjas e os mergulhos inaugurais no Sabor, o meu querido S. Sebastião, que em Janeiro acompanhando a minha mãe visitava, para assistirmos à missa e entregarmos os pés do porco e duas chouriças, por mor da proteção dispensada ao reco que naquele tempo jazia já na salgadeira coberto com duas sacas de sal que se comprava no Marcolino Moreno.
O Santo António no Toural, rondei-o milhentas vezes por fora, tentando vê-lo no seu abrigo, mas foram poucas as vezes que vi a porta aberta, mesmo assim e por insistência, consegui vê-las escancaradas e conhecer uma capela maneirinha e agradável que os que substituíram os Jesuítas na Quinta da Rica Fé mantinham como relíquia para lhe ilustrar o nome e que por isso, que não pelas missas que se lá rezavam se conservou limpa e escarolada, bela e agradável e indiciando por fora um fausto que não possui por dentro. A Igreja da Sé, onde fui batizado e frequentei a catequese, conheci-a como às minhas próprias mãos. É algo indelével na minha memória e não houve canto ou corredor onde eu e os garotos da Caleja não tivéssemos metido o bedelho. Com a presença sempre por perto do Machadinho sacristão e da tia Rosa mulher serena, eternamente vestida com casaco de homem e com um molho de chaves no bolso do avental, dois dos meus tipos inesquecíveis, também a figura que me parecia imponente do Senhor Cónego Ruivo e o tagarelar constante das meninas catequistas, Antónia e Odete Feio, Gabriela do Galinho, Teresinha e irmã, de Donai, Natália Pisco e a minha principal, Maria dos Prazeres (Chavasca), para além de outras que iam chegando e partindo, a Sé era um alfobre pronto a se transformar em roseiral ou nascente de cravos dos mais belos, apenas igualados pelos que a Senhora Natália e o Senhor Mário Samões possuíam em frente da sua Casa de Cantoneiros, à ponte Nova do Sabor.
S.Vicente, onde casei e que naquele tempo servia de sede à Paróquia de S. Maria e que teve o padre mais carismático de todos os que paroquiaram nesta cidade e que através dele e dos seus Pardais, se pressentia renascer dum tempo que fora de "apagada e vil tristeza". Cola-se-me à memória a imagem do Padre Miguel, do meu amigo Toninho Seixas, que fazia às vezes de Sacristão, e também do meu querido amigo Zé Azevedo mais o Daniel e Sérgio Vilar sempre em companhia e comunhão com o filho do Senhor Manuel da Marisqueira, que era vizinho do Zé Azevedo e do Manuel Cowboy, que da Carrasqueira no Sabor lançava o grito de Tarzan, que sendo ficção de Edgar Rice Boroughs era interpretado por John Weissmuller e que vimos todos sentados na Geral do velho Cine Teatro Camões.
Recordo a Quinta-feira Santa em que íamos à noite a S. Francisco na visita às igrejas que de portas abertas e velas e círios acesos esperavam o povo de Deus para que refletisse no que relatam os Evangelhos que descrevem as últimas horas de Cristo após a Ceia, a traição, a negação, o martírio e após a promessa feita ao ladrão arrependido, a morte secundada de raios e coriscos que prenunciaram as trevas que se foram, para dar lugar à luz radiosa que acolheu as santas mulheres no seu caminho até ao túmulo onde o anjo lhes disse: - Aquele que buscais não está! Ressuscitou dos mortos, conforme as Escrituras(Marcos 16 : 6).
Desta igreja que também não conheci bem, pois nesse tempo estava o Asilo do Duque de Bragança ali instalado e esse facto condicionava a nossa curiosidade , estava quase sempre fechada e penso que negligenciada. Como o asilo era feminino a acesso a rapazes era muito controlado. O único elemento que eu via entrar e sair sem restrições era o Dr. Miranda que creio, era o diretor e como que "dono daquilo tudo", freiras incluídas. "Onde há galos não cantam galinhas". Sumariamente passei em revista as igrejas da Cidade e fiz um balanço dos espaços mais abertos e mais recolhidos destas, para mim, caixinhas de surpresas.
Ficou por breve menção a Igreja que foi parte do Convento de S. Bento.
Falta abordar a Igreja da Misericórdia e a de Santa Clara que deixarei para mais tarde, pois merecem uma recordação mais pormenorizada, dada a minha presença e escrutínio, já na fase da adolescência.
Deixo também a Capela do Senhor dos Aflitos que no meu tempo de menino era ponto de encontro quando íamos para as Águas Férreas ou para as bicicletas do Snr Joaquim da Flôr da Ponte. Mencioná-la- ei num registo mais de reduto de confluência das tribos do Loreto, Boavista e Caleja. E sem chegar ao Senhor dos Perdidos que com Santa Apolónia eram pertença respectivamente das famílias do Nuno Câmpios e do Senhor António Dias. Fecharei com o S. Bartolomeu que nesse tempo tinha os caminhos cuidados, a capela a cheirar a novo e as casas da quermesse e coreto acabadinhas de pintar e tinham o zelo dedicado do Senhor Dias Parente, que lia "O Debate" na alfaiataria do Reinaldo Gago, na companhia do Senhor Barata que levantava o braço, tirava o chapéu e gritava: -Viva o Rei!
Há ainda a Santa Rita que visitávamos no Verão quando a minha mãe e a Senhora Maria Luísa, mãe do Manuel Pereira, juntavam toda a garotada da Caleja e de farnel no cabaz onde colocavam maravilhas saborosas, subíamos o Cabeço pela estrada de Turismo e chegados ao mirante em frente do Escadario, havia a primeira maravilha a contemplar. Na parte inferior do mirante há uma escada e um espaço aberto com janela de vidro, onde havia uma série de elementos de fascínio. A saber, um moinho de água com roda exterior um homem flanqueando um burrico carregado com três sacos de cor parda com laivos brancos a denunciar a presença de farinha, num plano mais baixo e liso alinhados em formatura uma dúzia de soldadinhos de chumbo. Para mim era a plena fascinação, olhar aquele grupo e sonhar que eu poderia, quem sabe, um dia, possuí-los foi dos sentimentos mais deliciosos que me foi dado sentir. 
A verdade é que nunca possuí um que fosse desses soldadinhos que me pareciam a coisa mais bela que no mundo se tinha manufaturado. 
Um pouco mais à frente virávamos à esquerda e lá estava a capelinha da Senhora Santa Rita. Rezavam ambas que eram devotas e a seguir à merenda descíamos de novo o Cabeço e chegados à Flor da Ponte o grupo começava a diminuir, já que os mais crescidos começavam a ficar para trás, como quem tem outras contas a contar. 
Voltando à Aula na Universidade Sénior, é mister dizer que o palestrante foi o Dr . Alexandre Rodrigues, que nado e criado aqui e do meu tempo de catraio, sabe disto que até dói. Não há segredos e os que ainda lhe faltam para serem desvendados, estão em banho Maria para não arrefecerem até que ele tenha tempo de descortinar o Xis do problema . E começou o Alexandre a mostrar imagens que preparara para nos fazer entender coisas que sendo públicas, nós, pelos afazeres diários e algumas vezes por preguiça ou desdém , não atinamos em conhecer.
Sendo assim, eu pessoalmente, só de velho aprendi que S . Bento em Bragança é um repositório de arte e simbologia! Falta -me agora repetir as incursões de menino, mas desta vez e porque não posso começar já hoje, parto para Londres, vou ao médico, decidi fazê-lo no próximo dia 13 de Dezembro, em companhia dos meus e minhas condiscípulas atuais, guiados pelo Dr. Alexandre Rodrigues e pela sua sapiência. Será o acrescentar ao registo memorial, os encantos que a história mostra aos leigos que não sabem, mas gostam de saber. Tenho no entanto de confessar que a minha ignorância acerca da Igreja de S. Bento se deve muito ao facto de que quando eu era miúdo a dita estar quase sempre de porta fechada. Depois a acrescentar ao facto, a presença no edifício do Governo Civil e da Esquadra da Polícia, onde o polícia de sentinela à porta sempre me meteu respeito, foram sempre algo que me fez conter a aventurar em incursões ilícitas. 
E o tempo foi correndo e perdi a liberdade de garoto, o que fez com que só em 2008 e por necessidade de servir de cicerone ao Ross, o meu genro americano, que quis visitar o Arquivo Distrital, se proporcionou a oportunidade de eu entrar em S. Bento e um pouco à pressa ver que haviam feito reparações na igreja e ter prendido a minha atenção o coro e o teto. Devo acrescentar que a fachada da Igreja, essa sim faz parte das minhas memórias dos primeiros anos de aventuras.
Prometo voltar ao tema logo que esteja na posse de elementos que me permitam voltar a pensar que conheço a minha cidade.




Bragança 30/11/2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

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