No quadro da guerra dos sete anos, o período das operações militares que decorreram em Território Nacional foi chamado de “Guerra Fantástica”, porque não são claros os objectivos que o invasor pretendia alcançar; porque não aconteceu a batalha; e porque aquilo que vemos são apenas marchas e contramarchas e alguns recontros.
Nestas circunstâncias o levantamento e a análise dos planos dos exércitos Borbónico e do exército Anglo-Português, que devem ter orientado as operações militares, podem dar algumas pistas para a compreensão daquilo que se passou em Portugal, nesta guerra, no longínquo ano de 1762.
Em 24 de Fevereiro de 1762, Carlos III dá ordem ao marquês de Sarriá para entrar em Portugal, mas as forças ainda não estavam preparadas para a acção e só em 2 de Março o Comandante-em-chefe estabelece o seu Quartel-General em Salamanca. Em 16 de Março o Rei assina o plano de operações, que prevê a invasão na fronteira do Nordeste Português entre Puebla de Sanábria e Ciudad Rodrigo. Há depois uma troca de correspondência entre o Rei e Sarriá, em que se nota a impaciência de Carlos III para que se execute a invasão, a qual colide com as razões locais de impossibilidade de passar o Douro internacional e de dificuldade em transpor o Esla, afluente da sua margem direita.
Nos finais de Março o Rei continua a insistir para que se passe à acção, mas só no fim de Abril parece estar preparada a força. Em 29 de Abril o Marquês informa a Corte, em Madrid, que vai iniciar o movimento e tomar a praça de Miranda do Douro. Sarriá deixa Zamora em 1 de Maio e, fazendo o exército marchar em 3 colunas, progride sobre Alcanises, onde acampa em 4 de Maio. No dia seguinte uma parte significativa das forças entra em território português.
É difícil entender o objectivo que a força inimiga pretenderia alcançar ao iniciar as operações, em Portugal, com a invasão daquela província. Desejaria testar a vontade de defesa dos portugueses? Concretizar a ameaça da invasão para assim obter do monarca português a adesão ao Pacto de Família? Num primeiro passo conquistar o Porto, negando-o aos ingleses, para conseguir uma mudança da posição portuguesa ou, em caso negativo, marchar sobre Lisboa? Ou seria apenas ocupar uma parte do país? Não conhecemos claramente a intenção que levou à escolha deste plano, mas existem certas pistas e pode levantar-se algumas conjecturas.
Para Lúcio de Azevedo, a ideia do gabinete francês era a de que se marchasse directamente sobre Lisboa, que, segundo Choiseul, “produziria effeito immenso se os hespanhoes o teem sabido pôr em pratica”.
Mas Carlos III, desejando que sua irmã ficasse afastada da guerra, em vez de fazer avançar o exército sobre Lisboa, por Almeida, pretendeu apoderar-se do Porto. Entrando por Trás-os-Montes, foi porém obrigado a mudar a base de operações de Ciudad Rodrigo para Zamora. Lúcio de Azevedo também sugere que, caso as forças inimigas conquistassem uma parte de Portugal, poderiam obter da Inglaterra, no fim da guerra, “valiosas compensações”.
O argumento de poupar a raínha também é corroborado pela História de España, quando refere que Carlos III, desejando que Maria Victória, sua irmã e mulher de D. José, “no se visse obligada a presenciar de cerca los horrores de la lucha”, aceitou um plano de operações do engenheiro catalão Gabert, pelo qual o Marquês de Sarriá “debia ocupar las Provincias de Tras-Os-Montes y de Entre Duero e Miño, y hacerse dueño de Oporto”.
Para o Conde de Lippe, a decisão de atacar a Norte do país estaria ligado ao fraco dispositivo militar naquela província, que lhe daria grande liberdade de acção, parecendo “que o fim da sua invasão em Traz-os-Montes tinha sido reconhecer esta província e as margens do Douro” para, passando-o, “fazer as correrias na Beira Baixa como tinha intentado”.
Este plano não obteve os presumíveis objectivos, já que passados dois meses a força retirou para Espanha, tendo deixado apenas na praça de Chaves uma guarnição militar.
Esta atitude deveu-se, certamente, ao seguinte: os esforços que foram feitos para chegar a Braga e ao Porto, por Montalegre e, mais a sul, por Vila Pouca de Aguiar e pelo Marão, encontraram a resistência de forças regulares e milícias; as tentativas para passar o Douro em Vila Nova de Foz Coa também não tiveram sucesso e encontraram a resistência das milícias; e, além disto, porque as forças irregulares causaram grandes dificuldades aos movimentos logísticos, situação que levou Sarriá a dizer que estava num país sublevado em que era claro o “implacable horror com que nos miran”; e a determinar que a ligação com as forças na região de Chaves se fizesse pelo itinerário de Puebla de Sanábria para a Galiza, evitando o território português.
Revista Militar
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