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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos - JORGE DE LEÃO (N. MOGADOURO, 1507)

António de Leão e Maria Lopes eram judeus castelhanos. Terão vindo para o Mogadouro depois do decreto de expulsão, em 1492. Seriam “batizados em pé”, tomando então aqueles nomes. Trata-se de gente importante, a avaliar pelos casamentos e cursos de vida seguidos pelos filhos que tiveram e foram os seguintes:

Catarina de Leão, que casou em Mogadouro com Gaspar de Carvajal. Estes foram os pais de Luís de Carvajal, o Conquistador do México.

Duarte de Leão que foi para Cabo Verde como fator da Casa da Guiné e se fez mercador, metido especialmente no tráfego negreiro. (1)

Isabel de Leão casou em Mirandela com Diogo Pimentel.

Francisco de Leão que estudou em Salamanca.

Afonso de Leão, o mais novo, que vivia em Mirandela, em casa da irmã.

Álvaro de Leão, nascido por 1511, casou com Leonor, filha de Luís de Carvajal, morador em Sambade. Ali viveram também algum tempo, e Álvaro, para além de outras atividades e mercancias, era então sócio de Francisco Carlos, (2) de Trancoso, ambos arrematando a cobrança das rendas do arcebispado de Braga, na região de Freixo de Espada à Cinta. Também nesse tempo, pelos anos de 1539/40 quando lhe disseram que andavam os cristãos-novos quotizando-se para “trazer de Roma uma bula” que os livrasse da inquisição, ele se apressou a contribuir com um dobrão, quota bem avultada que ele justificou dizendo “que dera por ser rico e mal quisto”. Posteriormente estabeleceu morada na vila de Cortiços, onde foi preso com a mulher e levado para a cadeia de Algoso e dali para Évora. Na cadeia, por várias vezes tentou suicidar-se e “em uma noite do mês de janeiro do presente anos de 1546, meteu com as suas mãos um ferro no umbigo que fez com ele uma ferida de 4 dedos em comprido”. (3)

Em Cortiços se tinha já estabelecido Jorge de Leão, outro filho de António de Leão e Maria Lopes. Nascido por 1506, em Mogadouro, tinha uns 12 anos quando a mãe faleceu e seu pai casou novamente. Então ele abandonou a casa paterna e foi-se para Mirandela, iniciando uma bem-sucedida carreira de mercador. Teria uns 24 anos quando casou, com Branca de Leão, natural de Vinhais. O casal teve uma filha, chamada Catarina de Leão, que casou nos Cortiços com Francisco Domingues, cristão-velho, ”cavaleiro e homem honrado, que não tinha muito de seu, sendo ele réu homem rico e abastado que podia casar sua filha com o mais rico e honrado cristão-novo que houvesse”.

Se Álvaro era homem rico, muito mais o era seu irmão Jorge. Grande mercador, especialmente de produtos de seda que eram fabricados por sua conta e sob seu controle, para o “que ele tem continuadamente duas rodas de seda em sua casa e que fiam seda de noite e de dia. E que tem 3 ou 4 candeeiros de noite acessos (…) e isto são todas as noites de toda a semana que são de trabalho”.

Provavelmente era o homem mais conceituado da terra, pois que em sua casa ficavam hospedados os “clérigos que vinham ajudar ao santo ofício e lhes dava de comer quando estavam no dito lugar (…) e sempre tratou e comunicou com licenciados, abades, clérigos e pessoas de qualidade e pousava em suas casas e comia e bebia com eles”.

Porém, a maior prova do elevado estatuto social de Jorge de Leão era uma bula que o autorizava a que rezassem missa em sua própria casa, tendo para isso, vestimenta para o sacerdote, frontal para armar o altar e as mais coisas necessárias a tal cerimónia.

O ano de 1539 foi de grande escassez de colheitas e muita fome em terras Trasmontanas “despovoando-se a maior parte da comarca em redor” dos Cortiços. Ali, porém, Jorge de Leão deu ordem para dar mantimentos aos pobres, de modo a que não morresse ninguém de fome.

Foi ao início do verão de 1544. Francisco Gil andava em Trás-os-Montes “à caça de judeus”. Aos ouvidos deste, terão chegado denúncias contra Jorge, contra seu irmão Álvaro e contra as suas mulheres. Em consequência, em nome do santo ofício e usando os poderes de que estava investido pelo inquisidor geral, mandou prender os quatro. (4)

A partir daí foi um verdadeiro calvário. Juntamente com outros prisioneiros apanhados em outras terras Trasmontanas, num total de 11, foram metidos no inóspito castelo de Algoso e ali sujeitos aos maiores tormentos. (5) Em determinada altura, os guardas fariam uma fogueira no largo fronteiro e nela queimaram um cão, para exemplo do que estava para eles destinado.

Os prisioneiros imploravam que os levassem para as cadeias da inquisição e homens nobres da região apresentavam propostas para os levar, pagando 80 mil réis, comprometendo-se a proporcionar bestas para os prisioneiros e suas tralhas. Um deles foi Afonso Galego, da Granja “que é um dos homens honrados e ricos e abastados que há na maior parte da província” e comprometia-se com uma fiança de 100 mil réis a entrega-los em Évora. Outro foi António de Reboredo, vedor da alfândega de Miranda, “cavaleiro, da Casa de el- Rei”.

Possivelmente instruído por Francisco Gil, o corregedor da comarca, Dr. Pedro Lopes da Fonseca, responsável pelo castelo e pelos prisioneiros, rejeitou todas as propostas. Em determinada altura apresentou-se em Algoso, por ordem do corregedor, o meirinho da correição, Diogo Osorez, acompanhado de Luís do Vale e Duarte Martins, com vários criados e cavalgaduras, dizendo que iam levá-los a Évora.

Saíram do castelo os prisioneiros, arrastando os grilhões por umas centenas de metros, até à ermida de S. Sebastião, que fica no extremo do povoado. Aí montariam nas bestas e seguiriam viagem. Ilusão! Certamente o espetáculo foi montado para humilhar os prisioneiros, com o povo cristão a assistir e vomitar impropérios sobre os judeus. Humilhados, os presos foram mandados regressar ao castelo onde continuaram, por mais duas semanas a sofrer afrontas escarninhas.

Terminado o verão, com os dias a diminuir e as chuvas a dificultar a marcha, foram os prisioneiros levados para Évora. Obviamente que, em vez dos 80 mil réis acima referidos, tiveram de pagar mais do dobro.

Os pormenores desta trágica aventura foram contados em uma exposição enviada pelos prisioneiros ao inquisidor geral, o infante D. Henriques, exposição que anda a fs 56-58 do processo de Jorge de Leão.

Para além das queixas contidas nesta carta para o inquisidor-mor, Jorge de Leão denunciou perante os inquisidores outros abusos cometidos por Francisco Gil, dizendo que tinha tomado a ele e a seu irmão as bestas e dinheiro, em fiança. “Muito dinheiro” também lhe tomaram, abusivamente, no decurso da viagem e disso culpava também o corregedor Pedro Lopes da Fonseca. Responderam os inquisidores da seguinte forma:

- Se o dito Jorge de Leão pretender ter algum direito contra o dito corregedor ou outra alguma pessoa, que demande a quem de direito e o deve fazer.

Terminamos com um excerto do mesmo processo, muito interessante, por nos revelar a sua forma de estar face às romarias e os Caminhos seguidos para Santiago de Compostela:

- (…) Foi a Santiago da Galiza em romaria, para ganhar as indulgências do jubileu e no caminho visitou a casa do Bom Jesus, que é de grande romagem e devoção e mandou dizer uma missa, que ouviu; e dali se foi a Orense e visitou o famoso Crucifixo, e mandou dizer outra missa, que ouviu; e dali se foi a Santiago, onde esteve quatro dias e mandou dizer muitas missas (…) e estando doente que tomou com as quartãs pelo caminho, uma jornada de sua casa, e por cumprir sua romaria, se não quis tornar a casa e visitou o corpo de Santa Susana, que está fora da cidade e mandou ali dizer uma missa que ouviu; e dali foi ao Padrão e ali mandou dizer uma missa na igreja velha de Santiago; e dali se foi para Tui e visitou o Corpo Santo e mandou dizer uma missa e a ouviu (…) de Tui se veio para Braga e se tornava já para sua casa e pegou-lhe tanto a doença que esteve em passo de morte e como bom católico cristão, mandou trazer as relíquias de S. Geraldo (…) ao qual aprouve de lhe dar saúde, sendo já desconfiado dos físicos que o curavam…

Notas:
1-ANDRADE e GUIMARÃES – Marranos de Trás-os-Montes na rota do comércio de escravos da Guiné para as Américas, in: jornal Terra Quente de 1.7.2012.

2-Francisco Carlos, era natural de Trancoso, filho de Mestre Carlos, que fora rabi com o nome judeu de Ça-Cohen. Maria Draga, mulher de Francisco Carlos e, com ele, presa na inquisição de Évora, pertencia a uma família igualmente célebre, repartida por Trancoso, Vinhais e Bragança.

3-Inq. Évora, pº 8779, de Álvaro de Leão. Até hoje não foi identificado pelos arquivos da Torre do Tombo o processo de Leonor de Carvajal.

4-Idem, pº 11267, de Jorge de Leão; pº 9019, de Branca de Leão.

5-GUIMARÃES, Maria Fernanda – Antes em Miranda que no Castelo de Algoso, in: jornal Terra Quente de 1.6.2003.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães

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