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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

FALAI COM OS VOSSOS FILHOS!

 Conversando com as pessoas mais velhas, não é difícil descobrir que alguém, um parente direto mesmo; um avô, tio, tia, tiveram um passado perturbado, ou de órfão, ou que fora mais ou menos abandonado, e consigo hoje medir e sentir o peso do segredo, por vezes o poder da vergonha, as repercussões desta infelicidade sobre toda uma genealogia, quando tudo isso é silenciado. E digo para mim mesmo que se somente… essas crianças, esses adolescentes “assistidos”, esses jovens adultos tivessem tentado falar, ousado contar de donde vinham, o seu percurso, tudo aquilo que atravessaram, teria sido uma confissão, um diálogo aberto e um alívio para todos. E hoje sinto a vontade de dizer, a cada um de entre nós e quaisquer que sejam os passados, a família, o percurso, a cada um de entre nós apetece-me dizer: falai com os vossos filhos.
Falai com os vossos filhos, dizei-lhes donde vêm, dizei-lhes que cada destino carrega a sua coragem, as suas feridas e a sua nobreza. Dizei-lhes que todos somos mais ou menos corcundas, que ninguém é verdadeiramente campeão, nem mesmo aquele que recebe medalhas, prémios, votos, não há ninguém sem as suas lutas nem derivas, toda a gente têm dúvidas e vacila, toda a gente um dia ou outro dança num só pé, perde o equilíbrio, toda a gente num momento da vida levanta os olhos para o céu e fica com vertigens, e treme e se agarra aos ramos, às convicções, ao apelo das sereias por vezes, aos falsos profetas e aos verdadeiros sábios. E seguidamente de tempos a tempos, também se escuta com alguma confiança, ouve os seus próprios murmúrios, as suas intuições e os seus desejos mais inesperados. E lança-se de corpo e alma na aventura duma vida.
Falai com os vossos filhos, dizei-lhes que eles vêm de algures. Que desde sempre o homem viaja e passa e ultrapassa fronteiras, na alegria e na pena, legal ou ilegalmente, o homem procura sempre fugir para salvar a pele, reencontrar os seus ou descobrir o mundo, percorrer, escapar-se, evadir-se, quer-se e por vezes crê-se livre, e por vezes num instante de resplandecência e luz, é-o.
Dizei-lhes que é o direito inalienável de cada ser humano de ser deste lugar e doutro mais, do mais distante dos traçados oficiais, das montanhas e dos mares, das pontes e das barragens, dizei- -lhes que somos todos de sangues misturados, todos o resultado de cruzamentos sucessivos e selvagens, incontroláveis, surpreendentes nesse aspecto, magníficos. Dizei-lhes que nenhum de entre nós nasce por acaso, mas sim pela surpresa, e que se alguns não foram desejados, a revolta é possível. Dizei-lhes que cada ser humano nasceu para nos surpreender, para nos mostrar algo diferente, e que com eles, construímos a fabulosa aposta da diferença. Dizei-lhes que nasceram de relações apaixonadas ou aventurosas ou fugazes, ou brutais, arranjadas ou pouco razoáveis, mas que estão bem presentes, e que o mundo esperava por eles. Dizei-lhes que têm todo o direito de dançar nos passeios, de cantar à chuva, de seguir a sua própria melodia, a sua comédia musical mais íntima.
Ensinai-lhes os contos, as fábulas, os mitos, e as lendas familiares também, contai-lhes, não são mentiras, são a trama do tecido duma família, dum grupo, dum casal, duma aliança. Sede generosos! Contai-lhes as epopeias, histórias de coragem e valentia. Contai-lhes os livros que vos transformaram, cantai-lhes as canções que ouvistes aos vossos pais, e antes aos pais deles, fazei-os ouvir música, as narrações das quais são feitos os vossos sonhos, as utopias que nunca abandonastes, tudo o que vos embalava na vossa infância e adolescência, todos os possíveis, lembrai-o, encontrai o poder da exaltação. E depois dizei-lhes que são bonitos. Que não esperáveis tanto, que não esperáveis nada, mas que os esperáveis a eles. Dizei-lhes para não ter medo. 
Dizei-lhes que as contradições e reviravoltas da vida não são erros, que as hesitações não são fracassos, e que é preciso de tudo um pouco para fazer um mundo; solitários e chefes de fila, líderes e sonhadores, desertores e entusiastas, derrotistas e perfeccionistas, contemplativos, hipersensíveis, homens e mulheres de acção, maratonistas e apaixonados pelo vagar. Dizei-lhes que os amais.

Adriano Valadar

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