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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

A dimensão sagrada e medicinal do vinho


“Percorrendo as civilizações antigas, no 3° milénio antes de Cristo, podemos acompanhar a evolução da Europa Mediterrânica através da trilogia da sua alimentação básica: trigo, azeite e vinho.

O vinho era, de facto, uma bebida fortificante, alimentícia, cujo trato e cultivo mereceu ao homem mediterrânico particular interesse e carinho, aliás, a exemplo do que se verificara nas civilizações da Mesopotâmia e do Médio Oriente.

Quem, como a Bíblia, soube transmitir a mensagem da importância do vinho para a vida do homem?

Não podemos deixar de trazer aqui à colação a quele emblemático texto do livro do Génese (7, 18-27) onde, em aparente anedota etiológica, se faz a defesa da crença do monoteísmo javeísta contra a paganizante divinização das forças da natureza e se tenta desmitologizar a origem do vinho atribuindo-a à inventiva e trabalho do homem.

É nesse sentido que a Bíblia projeta para a Proto-História da Humanidade, para o reinício dos tempos pós-diluvianos a história da bebedeira de Noé ou, como se diria hoje, para o começo do Neolítico, quando o homem deixou de ser recolector para se tornar sedentário, cultivando as terras.

O patriarca Noé, salvo por Deus do castigo do Dilúvio, terá empreendido para a nova humanidade a tarefa da plantação da vinha.

Na alegria da colheita, terá experimentado, pela primeira vez, os efeitos inebriantes deste delicioso néctar.

Apesar da narrativa etiológica do Génese, o Povo de Israel não deixou de apreciar o vinho e, mesmo reconhecendo os malefícios no excesso do seu consumo, valorizou o vinho em múltiplas dimensões, relacionado com a vida, a alimentação, a alegria, a felicidade, o prazer, tomado como sinal religioso da Aliança de Deus com o Seu povo e símbolo da alegria do banquete escatológico no Reino de Deus.

Para o homem bíblico, a idílica expressão «habitar debaixo da vinha» (Mq. 4,4; Zc. 3,10; I Re. 5,5; I Mcb. 14,12) com uma «mulher fecunda» (Sl. 127,3) era símbolo premonitório de felicidade e de paz!

O cristianismo não se afastou desta visão quase sagrada do vinho e Jesus elevou-o a elemento sacramental para que o sacrifício do Seu sangue se perpetuasse em rito de eterno memorial: «Bebei todos, porque isto é o meu sangue, o sangue da Nova Aliança» (Mt. 26,27-28).

Mas a Antiguidade também descobriu as qualidades profiláticas e medicinais do vinho, a ponto de S. Paulo recomendar ao seu discípulo Timóteo a conveniência dum moderado copo de vinho «por causa do estômago e das frequentes fraquezas» (1Tm. 5,23).

Não é, por isso, de admirar que algumas religiões atribuíssem aos deuses a sua origem, sobretudo no que toca ao vinho que sustenta, cura e alegra o homem.

Assim, para os gregos, Dionísio era o deus do vinho e, para os romanos, lá estava o deus Baco, prazenteiro e folgazão, inebriado com os etílicos aromas e deliciosos sabores do vinho, convidando os mortais para uma experiência gustativa.

Em Roma, a aproximação do culto de Baco aos mistérios de Dionísio levou a excessos de licenciosidade e subversão, degenerando nas chamadas orgias de fraternidade e amor, até que, por razões, morais, religiosas e políticas, a ponto de um senato-consulto do ano 186 a.C. proibiu as festas Bacanais (Tito Lívio – Ab Urbe condita XXXIX, 8,3-19,7).

Desde então, o culto de Baco ficou conotado com erotismo e subversão moral e social, o que, naturalmente, veio adulterar a imagem e o culto inicial deste deus do panteão romano, mas sem conseguir diminuir o apreço que os romanos tinham pelo vinho.

Os romanos conheciam um verdadeiro ciclo do vinho com as festas respetivas.

Em meados de Agosto, a 19, por altura das vindimas, celebravam as VINALIA RUSTICA, associando o culto de Júpiter, Pai dos deuses e fonte de todo o bem, a Vénus, deusa do amor e da alegria.

A 11 de Outubro festejavam as MEDITRINALIA, palavra derivada de medeor = curar, quando se provava o vinho novo e se armazenava em grande vasilhas chamadas «dolia» e ânforas.

Depois, a 23 de Abril, celebravam as VINALIA PRIORA, festas das primícias do vinho em honra de Júpiter.

Foram os romanos, sem dúvida, quem mais desenvolveu o cultivo e a técnica de fabricação e conservação do vinho.

Ninguém melhor do que eles saboreou o vinho no que ele tem de prazer e de regalo; ninguém como eles explorou e estudou o carácter medicinal e curativo do vinho.”

Fonte: Geraldo J. A. Coelho Dias, in “As confrarias báquicas: sua natureza e função associativa” (“Douro – estudos e documentos” – nº 6 – Outono 1998) – texto editado

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