sábado, 26 de novembro de 2022

DO MUSEU À MESA: ARTE E GASTRONOMIA CONVIDAM A VISITAR BRAGANÇA

 De olhos bem abertos e ouvidos atentos, percorremos as 14 salas de exposição do Museu Abade de Baçal, enquanto viajamos na história. E porque a arte está também presente na gastronomia, sugerimos algumas experiências arrebatadoras que pode usufruir à mesa, em Bragança.


O Museu Abade de Baçal é um dos grandes ícones da cultura do Nordeste Transmontano. Instalado num edifício nobre do séc. XVIII, o antigo Paço Episcopal, expropriado à Igreja durante a 1ª República, o Paço foi entregue à Câmara Municipal de Bragança para receber organismos estatais a que a edilidade tinha de fornecer acomodação. E aqui sediaram a Guarda Nacional Republicana, a Conservatória, as Finanças, a Caixa Geral de Depósitos, o Arquivo Distrital, a Biblioteca Erudita e o Museu Regional, criado em 1915.

O Museu do Abade de Baçal dispõe também de um amplo jardim relvado, com cerca de quatro mil metros quadrados, de acesso gratuito. Uma curiosidade, as sebes ali colocadas, que parecem desenhar um pequeno labirinto, afinal pretendem desenhar o perfil do rosto do próprio Abade de Baçal.

Museu Abade de Baçal créditos: DR

COLEÇÕES E CURIOSIDADES

Sala a sala as diversas exposições do Museu Abade Baçal conseguem sempre surpreender-nos.

Começamos pela sala do território, um espaço dedicado à arqueologia, com peças que datam da proto-história e que nos vão contado a historia da ocupação humana do Nordeste Transmontano.

As peças ali expostas falam das atividades económicas, das hierarquias sociais, das crenças, da religião, da arte e tantas outras coisas. Há documentos e há objetos que nos vão guiando na história e que refletem o poder. Por exemplo, com símbolos do poder municipal podemos ver as varas atribuídas a quem era detentor do poder e da justiça, mas também uma coleção de quadros dos pelourinhos edificados na região. Também podemos compreender os hábitos de quotidiano da população, das famílias ricas e das famílias pobres. E como as comunidades viviam em sociedade, como, por exemplo, condenavam o mal dizer, estando exposto no Museu um objeto, que será peça única em Portugal, um freio para os crimes de língua.

Freio para os crimes de língua créditos: DR

Os quadros com os serões à volta da lareira falam de vivências, da reunião das famílias, da tradição de rezar ao serão, os utensílios domésticos, como o cântaro para ir à fonte, ou o pote onde se cozinhava. Há no Museu Abade de Baçal vários braseiros que revelam a posição social de quem os possuía em suas casas.

Noutra sala, podemos através da epigrafia, compreender o período da Pax Romana instituída pelo império que marca a evolução da economia de subsistência para uma economia de mercado baseada em cidades, com generalização da circulação de moeda e uma nova reorganização territorial e social. Isto exigiu a criação de uma cada vez mais complexa rede viária para a circulação do exército, de bens e de mercadorias. Desta rede viária são provenientes os marcos miliários que pertencem à coleção do Museu, os quais continham informações relativas à via onde estavam colocados e informação sobre a distância ao Fórum Romano.

Como curiosidade, percebemos como os marcos miliários em algumas ocasiões eram aproveitados como sarcófagos, estando ocos por dentro, onde possivelmente depositavam os corpos.

A epigrafia romana, e mais especificamente a do povo Zoela que habitava a região de Bragança, é também bastante significativa na coleção do Museu. O conjunto numeroso de achados é representativo da existência de elites locais com poder económico que lhes permitia mandar esculpir este tipo de objeto funerário, ele próprio símbolo de distinção social. Da análise da forma e decoração destas peças, ressalta-se a sua leitura tripartida: a cabeceira, como símbolo astral, simbolizando a fonte da vida; a base, como o mundo terreno, e entre eles, a mensagem funerária, que representa a comunidade em que se insere o defunto, traço de reafirmação da importância da estrutura familiar e de linhagem.

ARTE SACRA

No interior do Museu Abade Baçal existe uma sala especial que conserva o texto e um altar da capela original do antigo Paço Episcopal. É apenas uma das relíquias de arte sacra que ali existem. Na escultura a obra mais antiga é uma Virgem com o Menino, proveniente da Igreja de São Vicente, data provavelmente do século XV.

Virgem com o Menino créditos: DR

No que respeita ao mobiliário sacro a peça mais significativa é a Arca dos Santos Óleos, datada do século XVIII, ostentando as armas de Dom Frei Aleixo de Miranda Henriques, 23º bispo de Miranda (1758–1770). Produzida em pau-santo, esta arca tinha como função a guarda dos três Santos Óleos a utilizar durante o ano em toda a diocese e consagrados na cerimónia litúrgica da quinta-feira santa, sendo nessa ocasião solenemente benzidos e conservados em três âmbulas de prata, pertencentes à Diocese de Bragança-Miranda e também apresentadas na exposição permanente do Museu. Para além desta arca, destaque ainda para a cama em pau-santo, orientalizante, que ostenta as armas de Dom João Franco Oliveira, 19º bispo de Miranda (1701-1715). Há têxteis e tapeçarias, peças de ourivesaria e outras, que integram um espólio diversificado e de enorme valor.

COLEÇÃO DE ILUSTRAÇÕES DE ALMADA NEGREIROS

Na área da pintura e desenho, entre diversas obras de diferentes autores que podemos ver no Museu Abade de Baçal, destacamos a coleção de ilustrações a tinta-da-china, de Almada Negreiros, para a obra Fábulas, de Joaquim Manso.

Mas a pintura está presente não apenas na sala final de exposições, onde também encontramos trabalhos de José Malhoa, Veloso Salgado, Aurélia de Sousa, Abel Salazar, entre outros. O Museu exibe quadros de artistas desconhecidos, alguns pintados por encomenda, em que eram apenas facultados ao artista os materiais para que pudesse expressar na tela a sua arte. Presume-se que será o caso do quadro com o retrato do próprio Abade de Baçal, que encontramos numa das primeiras salas de exposição.

Coleção Almada Negreiros créditos: DR

ARTE NA GASTRONOMIA

Trás-os-Montes tem fama de possuir uma excelente gastronomia e Bragança faz jus a esta afirmação. A intensidade que denotam os objetos, e que nos falam da identidade forte dos povos que passaram por este território, que podemos perceber através da arte exposta nos museus, nos edifícios e nas ruas, também vigora à mesa dos restaurantes locais.

Nesta visita tivemos a oportunidade de usufruir de quatro experiências gastronómicas, completamente diferentes, mas todas elas extraordinárias.

Começamos com um jantar no Solar Bragançano. Situado no coração da cidade, em plena Praça da Sé, este restaurante sempre foi sui generis, pelo requinte e elegância, que sempre funcionou num edifício do séc. XVII. Possui diversas salas de refeições, mesas com enorme requinte, um jardim interior, onde no verão também se servem refeições, e uma sala dedicada à literatura.

Há livros por todo o lado, um convite ao conhecimento, como também o é cada experiência gastronómica da casa. A cozinha, que confeciona a fogo lento, com tempo, dedicação e muito amor e respeito pela gastronomia, é “comandada” pela dona Ana, mulher do Sr. Desidério, um contador de histórias que coordena o serviço de sala com mestria e não deixa nenhum cliente indiferente, porque tem sempre alguma peculiaridade que acrescenta a cada visita, tornando cada experiência única.

Solar Bragançano créditos: DR

As características da cozinha regional acentuam-se nalguns dos seus pratos, como a Sopa de Castanhas, o Cabrito, a Perdiz, a Lebre, o Veado, o Faisão ou os mais variados Peixes, mas também podemos usufruir da famosa posta de vitela mirandesa, com a certeza que foi grelhada na brasa.

Bem diferente, mas nem por isso menos interessante, foi a experiência que usufruímos na aldeia de Espinhosela. Depois de uma manhã a apanhar castanhas, foi-nos servido, por Lena Rodrigues que possui a empresa de catering D&L, um fabuloso galo no pote, confecionado nos tradicionais potes de ferro, em fogo lento ao lume. O acompanhamento é simples, mas perfeito: batata da Terra Fria Transmontana cozida nos mesmos potes de ferro. O galo no pote é um dos pratos mais típicos da região, comida de conforto caseira, que aos residentes sempre recorda a comida da avó, a comida da aldeia.

Galo no pote créditos: DR

Com poucos meses de serviço, o Restaurante Maria Luís, localizado em Alfaião, a cinco minutos de Bragança, ofereceu-nos um conceito mais intimista, igualmente de excelente qualidade. Margarida e José, os proprietários, pensam em cada detalhe das ementas. Margarida nos comandos da cozinha é uma verdadeira criativa, que experimenta ingredientes e cria sensações em cada prato que apresenta. Oferecem comida de “conforto”, garantindo satisfação ao cliente.

Na nossa visita provamos as entradas fantásticas, polvo, risoto de bacalhau e à sobremesa rabanada com bola de gelado. Woow, de chorar por mais.

Restaurante Maria Luís créditos: DR

A experiência terminou em pleno castelo de Bragança, na Tasca do Zé Tuga. Detentor da distinção Bib Gourmand, atribuída pelo, Guia MICHELIN, este espaço cultiva a arte e a poesia que podemos encontrara na gastronomia. Luís Portugal é o chef que conduz o cliente por experiências arrebatadoras e o melhor mesmo é dar-lhe total liberdade. Luís Portugal, que um dia trabalhou num banco, tem alma de poeta e cada prato que apresenta é uma criação única e irrepetível. É um chef criativo e atrevido, que trabalha os cinco sentidos de quem prova as suas criações.

Respeitador dos produtos locais, da sazonalidade, dos produtos da época, as experiências que coloca sobre a mesa confundem-se com a intensidade com que pode ser sentida a região. Cada prato é um aconchego à alma, serviço com requinte, elegância e algumas pitadas de humor, que caracterizam um chef de aparência séria e simultaneamente frágil, mas que na sua relação com os tachos e as panelas, se transforma num gigante criativo.

Na Tasca do Zé Tuga recomendamos sempre aquela que for a sugestão do chef, basta segui-lo sem contestar.

Tasca do Zé Tuga créditos: DR

Esta visita aconteceu a convite da Associação Comercial, Industrial e Serviços de Bragança (ACISB), no âmbito do projeto +Bragança (2a edição), cofinanciado pelo Norte 2020, Portugal 2020 e União Europeia, através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), que se tem empenhado em promover o território em todas as suas vertentes.

Ana Fragoso

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