Por: António Pires
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Faço parte daquela longínqua e saudosa geração de meninos que jogavam à bola em terra batida e no alcatrão. Morava na “Bila” e, desafiados durante a semana no recreio da Escola da Estacada, lá íamos nós, sábados ou domingos, quais pássaros desaninhados, a pé, indiferentes ao frio, à chuva e ao calor, do Castelo aos mais emblemáticos relvados da época, para aquilo que considerávamos ser não o jogo das nossas vidas, mas o jogo do ano.
Indo, mais tarde, com 10 anos, viver para o Bairro São João de Brito, os “campeonatos” eram disputados aos sábados à tarde, impreterivelmente, em três “estádios”, à torna jeira - como diria um ex presidente do GDB: no lameiro do Mãe d´ Água Stadium, no São João de Brito Arena e no Estádio Olímpico do Seminário Maior de São José. Do “onze” faziam parte, além de mim, o Manuelzinho Barros, o Toneca, o Zé Lopes (Lolão), o Fernando Pires, o Fernando Pinto, o João Pinheiro, o João Talhas, o meu irmão Mário, o Lito Sardinha, o Delfim Gomes (actualmente, Vossa Excelência Reverendíssima) e o Tó Ferreira. O meu lugar a titular era garantido, não por causa do valor que o justificasse, mas porque era eu quem disponibilizava a bola (de cautchu, raridade, na época), organizava os jogos, era responsável pela “logística” e marcava o campo. O Tony Rodrigues, nosso treinador, não tinha, pois, coragem para me relegar para o banco.
Diria que o nosso grande rival era a rapaziada dos Batocos, liderada pelo talentoso e promissor Luís Parente. Os jogos eram sempre em nossa casa, porque a SAD da equipa adversária não possuía campo. Raro era o jogador que não jogava às escondidas dos pais. A maior parte das vezes, para marcarmos presença nos encontros, ou mentíamos, ou, num golpe mais arrojado, evitávamos o garantido “não”, com uma saída sem “visto de autorização”, pela janela - arriscando, no regresso, uns “merecidos” açoites.
Ao contrário da nossa, a equipa dos Batocos era fortíssima. Não obstante a enorme diferença técnico- táctica entre os dois emblemas, nunca nos ganharam. Por uma única razão: o nosso adversário tinha que se sujeitar às inflectíveis regras do (nosso) jogo, porque a bola e o campo eram nossos. Os golos na nossa e na baliza adversária, por mais indiscutíveis que fossem, só eram validados ou anulados, de acordo com a nossa soberana decisão. Os jogos só terminavam, quando o dia se finava. Passados mais de 45 anos, e porque o “crime” já prescreveu, estou à vontade, ainda que com remorsos, para reconhecer que houve ali um escandaloso apito dourado kid/infanto – juvenil.
Sem me atrever a fazer qualquer confronto geracional – por não fazer sentido comparar o que não é comparável, e achar que os pais de hoje “são uns pantomineiros com os filhos”, porque os levam de carro aos treinos de futebol, ao balet, à música, ao caraté, à explicação de matemática etc .., (se não fazemos sacrifícios pelos filhos, por quem o faremos?!), nem cair no ridículo de pensar que “no meu tempo é que era bom” - não posso, no entanto, deixar de estabelecer um termo de comparação entre o “antes” e o “agora”, em termos de liberdade e autonomia dos petizes, dando como exemplo o desporto rei.
De vezes em quando, aos sábados, costumo ir ver uns jogos de futebol dos futuros Messis e Ronaldos, que actuam no Mãe d`Água, no GDB e na Escola Crescer. Dá-me pena – lamento dizê-lo - dos Vicentes, dos Martins, dos Santiagos e dos Vascos, porque, em campo, os papás (mais as progenitoras) os pressionam de tal maneira, que os levam, meios apardalados, a interrogar-se sobre quem é verdadeiramente o treinador, o “mister”, a autoridade a que devem obediência. Os (des)incentivos aos filhotes, sob a forma de neologismos do futebolês, são do género: “Vai, filho, dá uma linha de passe!”, “anda, amor, ataca a bola!” ou “vai, querido, bascula, bascula!”.
Sem pretender fazer qualquer juízo de valor, e tendo em conta que estas mamãs são presença assídua nos treinos e nos jogos dos meninos (o que é saudável), vibrando, euforicamente, do princípio ao fim, com as exibições dos filhotes, não os deixando respirar, qual marcação cerrada dum Bruno Alves, estou convencido que o insucesso escolar seria incomparavelmente menor, se este apoio se verificasse nas disciplinas de Português, Matemática ou Ciências. Mas cada um sabe de si!
Estes papás têm que meter na cabeça que os treinadores estão ali, mandatados pelas direcções dos clubes, para ensinar os seus filhos a jogar futebol e a incutir-lhes os supremos valores do desporto. Substituir-se a eles é, no mínimo, desrespeitoso, por se desautorizar quem, com conhecimentos da matéria, está ao comando – o que o fazem com total desprendimento, carolice e abnegação.
Estes papás têm que meter na cabeça, de uma vez por todas, que há mais mundo para além dos Ronaldos e dos Messis. Estes papás treinadores de bancada, com responsabilidades educativas inerentes à condição paternal, deviam saber que, como se costuma dizer, o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes.
Porquê que uma criança chora, quando perde um jogo (uma cena triste, que vi ontem, sábado, no campo de futebol do CEE, numa partida entre o Futebol Clube Mâe d´Água e o GDB)? Porque os papás treinadores de bancada lhes exigem a vitória, e os miúdos não os podem desiludir, porque sobre eles foram criadas expectativas elevadas. Porque, em vez desta “disciplina militar”, onde não há lugar à derrota, os papás treinadores de bancada dissessem aos seus educandos, recorrendo à frase – feita de que “perder e ganhar é desporto”, e que o Francisco e o Gaby, que jogaram na equipa contrária, são adversários, e não inimigos.
Porque o saber - estar, o educar e o decoro são intemporais….
António Pires
Indo, mais tarde, com 10 anos, viver para o Bairro São João de Brito, os “campeonatos” eram disputados aos sábados à tarde, impreterivelmente, em três “estádios”, à torna jeira - como diria um ex presidente do GDB: no lameiro do Mãe d´ Água Stadium, no São João de Brito Arena e no Estádio Olímpico do Seminário Maior de São José. Do “onze” faziam parte, além de mim, o Manuelzinho Barros, o Toneca, o Zé Lopes (Lolão), o Fernando Pires, o Fernando Pinto, o João Pinheiro, o João Talhas, o meu irmão Mário, o Lito Sardinha, o Delfim Gomes (actualmente, Vossa Excelência Reverendíssima) e o Tó Ferreira. O meu lugar a titular era garantido, não por causa do valor que o justificasse, mas porque era eu quem disponibilizava a bola (de cautchu, raridade, na época), organizava os jogos, era responsável pela “logística” e marcava o campo. O Tony Rodrigues, nosso treinador, não tinha, pois, coragem para me relegar para o banco.
Diria que o nosso grande rival era a rapaziada dos Batocos, liderada pelo talentoso e promissor Luís Parente. Os jogos eram sempre em nossa casa, porque a SAD da equipa adversária não possuía campo. Raro era o jogador que não jogava às escondidas dos pais. A maior parte das vezes, para marcarmos presença nos encontros, ou mentíamos, ou, num golpe mais arrojado, evitávamos o garantido “não”, com uma saída sem “visto de autorização”, pela janela - arriscando, no regresso, uns “merecidos” açoites.
Ao contrário da nossa, a equipa dos Batocos era fortíssima. Não obstante a enorme diferença técnico- táctica entre os dois emblemas, nunca nos ganharam. Por uma única razão: o nosso adversário tinha que se sujeitar às inflectíveis regras do (nosso) jogo, porque a bola e o campo eram nossos. Os golos na nossa e na baliza adversária, por mais indiscutíveis que fossem, só eram validados ou anulados, de acordo com a nossa soberana decisão. Os jogos só terminavam, quando o dia se finava. Passados mais de 45 anos, e porque o “crime” já prescreveu, estou à vontade, ainda que com remorsos, para reconhecer que houve ali um escandaloso apito dourado kid/infanto – juvenil.
Sem me atrever a fazer qualquer confronto geracional – por não fazer sentido comparar o que não é comparável, e achar que os pais de hoje “são uns pantomineiros com os filhos”, porque os levam de carro aos treinos de futebol, ao balet, à música, ao caraté, à explicação de matemática etc .., (se não fazemos sacrifícios pelos filhos, por quem o faremos?!), nem cair no ridículo de pensar que “no meu tempo é que era bom” - não posso, no entanto, deixar de estabelecer um termo de comparação entre o “antes” e o “agora”, em termos de liberdade e autonomia dos petizes, dando como exemplo o desporto rei.
De vezes em quando, aos sábados, costumo ir ver uns jogos de futebol dos futuros Messis e Ronaldos, que actuam no Mãe d`Água, no GDB e na Escola Crescer. Dá-me pena – lamento dizê-lo - dos Vicentes, dos Martins, dos Santiagos e dos Vascos, porque, em campo, os papás (mais as progenitoras) os pressionam de tal maneira, que os levam, meios apardalados, a interrogar-se sobre quem é verdadeiramente o treinador, o “mister”, a autoridade a que devem obediência. Os (des)incentivos aos filhotes, sob a forma de neologismos do futebolês, são do género: “Vai, filho, dá uma linha de passe!”, “anda, amor, ataca a bola!” ou “vai, querido, bascula, bascula!”.
Sem pretender fazer qualquer juízo de valor, e tendo em conta que estas mamãs são presença assídua nos treinos e nos jogos dos meninos (o que é saudável), vibrando, euforicamente, do princípio ao fim, com as exibições dos filhotes, não os deixando respirar, qual marcação cerrada dum Bruno Alves, estou convencido que o insucesso escolar seria incomparavelmente menor, se este apoio se verificasse nas disciplinas de Português, Matemática ou Ciências. Mas cada um sabe de si!
Estes papás têm que meter na cabeça que os treinadores estão ali, mandatados pelas direcções dos clubes, para ensinar os seus filhos a jogar futebol e a incutir-lhes os supremos valores do desporto. Substituir-se a eles é, no mínimo, desrespeitoso, por se desautorizar quem, com conhecimentos da matéria, está ao comando – o que o fazem com total desprendimento, carolice e abnegação.
Estes papás têm que meter na cabeça, de uma vez por todas, que há mais mundo para além dos Ronaldos e dos Messis. Estes papás treinadores de bancada, com responsabilidades educativas inerentes à condição paternal, deviam saber que, como se costuma dizer, o futebol é a coisa mais importante entre as menos importantes.
Porquê que uma criança chora, quando perde um jogo (uma cena triste, que vi ontem, sábado, no campo de futebol do CEE, numa partida entre o Futebol Clube Mâe d´Água e o GDB)? Porque os papás treinadores de bancada lhes exigem a vitória, e os miúdos não os podem desiludir, porque sobre eles foram criadas expectativas elevadas. Porque, em vez desta “disciplina militar”, onde não há lugar à derrota, os papás treinadores de bancada dissessem aos seus educandos, recorrendo à frase – feita de que “perder e ganhar é desporto”, e que o Francisco e o Gaby, que jogaram na equipa contrária, são adversários, e não inimigos.
Porque o saber - estar, o educar e o decoro são intemporais….
António Pires
Meu caro António Pires,
ResponderEliminarQue belo texto!
Parabéns!