Anualmente, é escolhida uma pessoa para encarnar a figura de um rei que organiza a festa e traz consigo uma coroa carregada de ouro emprestado pelos habitantes, que vale milhares de euros.
Mas as tradições fora do comum não se ficam por aqui. As crianças andam pelas ruas com maços de tabaco e, excecionalmente, têm permissão dos próprios pais para fumar, mas só durante os dois dias que dura a festa.
Ora a festa já começou, ontem, ao início da noite bem gelada, os termómetros marcam um grau. Luís Lourenço, o escolhido para ser o Rei da festa, comanda um grupo de tocadores de gaitas de fole, caixas e bombos e prepara-se para dar início às atividades que vão durar dois dias. “Fizemos uma arruada e a seguir vamos fazer a entrega de cerca de 200 quilos tremoços e 200 litros de vinho por todos os habitantes da aldeia. A quem me abrir a porta vou deixar tremoços e vinho”, conta.
Primeira paragem é na casa de António e Teresa, um casal que reside grande parte do ano no Porto, mas que nesta altura nunca falta à receção do Rei. “É uma questão de cortesia, porque vêm aqui desejar boas festas e nós fazemos questão de que eles entrem e bebam um copo e comam qualquer coisa. É um prazer recebê-los”, contam
A visita às casas da aldeia prolonga-se durante toda a noite com os gaiteiros do grupo “Encharca o Fole”. 16 jovens da terra que aceitaram o desafio, em 2019, de aprender esta arte. “Tínhamos sempre o gaiteiro de Vale Martinho que entretanto faleceu e havia dificuldade em arranjar um gaiteiro para fazer a festa, pelo que criamos este grupo para colmatar essa dificuldade”, conta Carlos Cadavez, ex-presidente da junta, e um dos fundadores do grupo.
Atrás dos gaiteiros seguem algumas crianças que vão fumando cigarros. “Já fumamos desde que somos pequeninas, mas só nestes dois dias”, garantem Sara e Luísa que têm 14 e 15 anos, mas o Rui tem apenas 10. “Há três anos fumei três maços e agora deve ser a mesma quantidade, mas não fico com o vício”, afirma.
E a avó Rosa faz questão de desdramatizar as possíveis consequências de fumar cigarros em idades tão precoces. “O pai dele já foi Rei e quando era pequenino como ele também fumava, mas nunca mais pegou nos cigarros, só naqueles dias e nada mais. Isto já acontecia no tempo do meu bisavô que morreu com 98 anos”, assegura.
Ninguém sabe ao certo como e quando começou esta estranha tradição, nem o que ela possa significar, mas há relatos escritos que indicam ser para simbolizar a emancipação dos jovens.
Para Luís Lourenço, não há dúvidas: ser rei da festa “é uma pretensão de todos os habitantes e dou mais valor a esta festa do que há que acontece no Verão, porque é diferente é só nossa com as especificidades nas tradições dos tremoços do vinho dos gaiteiros percorrerem a festa e damos valor a isto”, confessa.
Este dia 6, começou bem cedo para o Rei que ostenta uma coroa revestida a veludo e adornada de objetos em ouro, emprestado pelos habitantes, como símbolo de riqueza e poder, volta a percorrer a aldeia para receber a "manda", ou seja, os donativos para custear a despesa da festa.
No centro da aldeia, quando o Rei chega, as pessoas presentes são convidadas a dançar a "Murinheira", (típica dos Celtas), uma dança vigorosa, um bailado guerreiro com um misto de cortesia.
A festa acaba com a celebração da missa, onde acontece a cerimónia de entronização e passagem do testemunho. O rei retira a coroa e coloca-a no novo “monarca” que vai organizar a festa em 2024.
Sem comentários:
Enviar um comentário