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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Pensando e relatando a vida há sessenta anos

 Nasci em 1955, na aldeia onde não  havia, água corrente, electricidade e muitas vezes pouca lenha para o lume.
Tudo se poupava, os fósforos,  o petróleo e as velas de estiarina.
As casas eram pequenas e os móveis escassos, assim como as roupas e calçado que passava de uns irmãos para os outros, assim como os livros.
As maçãs, as peras, toda  a fruta e verdura era a da estação, mas não havia carne e peixe, à parte de sardinhas, algum frango nas festas e a carne da salgadeira não se comia porque não se podia comprar.
As pessoas compravam meio quilo de massa ou arroz, um quarteirão de azeite e dez tostões de cevada.
Não  havia, na maior parte das casas, quarto de banho, as fraldas tal como as de hoje não existiam e muita gente da minha geração foi criada com farrapos velhos até começar a andar.
A escola era uma casa velha, para onde mais de noventa por cento dos alunos iam descalços, com roupas pouco recomendadas e muitas vezes o cabelo sem pentear e a cara cheia de moncos, a casa de banho era debaixo da vinha e das laranjeiras do Manel Pessegueiro.
Muitas meninas não usavam cuecas (calcinhas), quando o frio era muito urinavam pelas pernas abaixo para aquecer os pés.
Os medicamentos eram escassos, inexistentes, diria eu, por estes lados.
Médicos? Os médico eram poucos, e a pagar, mas por aqui havia uma santa mulher, a Olivinha, que era a enfermeira, a parteira e aquela que nos curava as feridas e nos punha as injecções.
Férias? Nada disso existia, os poucos que tinham direito a elas aproveitavam para trabalhar e fazer pequenas obras em casa para não pagar a um jornaleiro. 
Nós, desde tenra idade, eramos ensinados a trabalhar, pastar o gado, acarretar água e lenha, ir á "benda" e fazer tudo que os pais ou avós mandavam, a palavra "não", não existia e o respeito e obediência aos mais velhos era obrigatório.
Os professores eram venerados, mesmo que depois de umas quantas reguadas o tema não  fosse interessante.
A roupa era dividida, a do domingo e a da semana, não havia transgressões e a canalha não  tinha prendas, no máximo um arroz de frango e um leite creme no dia do aniversário.
Carro? Carros eram os dos bois para ajudarem no transporte de tudo que uma casa de lavoura necessitava e todos da família colaboravam nos trabalhos sazonais, a vindima, a desfolhada, malhar o centeio e o feijão ou ripar a azeitona.
Quem fazia os recados eram as crianças que como já disse eram ensinados a trabalhar desde bem pequenos.
A gente andava a pé e ía de umas freguesias para as outras fazer as coisas necessárias.
As mulheres, essas, ficavam prenhas e pariam quando chegava a hora, sozinhas ou com a ajuda da parteira, e neste tempo as famílias tinham por norma um rancho de filhos.
Reformas? Ai reformas! Quem conhecia esta palavra, a reforma era trabalhar até cair, não havia subsídios de parto, de malandros nem de coisa nenhuma, era trabalhar até morrer.
Ah! E agora, agora que tudo mostra indícios de riqueza e de grandeza, em festas e banquetes, em casarios e carrões, a luxos e desperdícios obscenos, agora está tudo mal.
Nunca o mundo viveu como agora, com direitos, bem viver, desperdiçando e gritando que não se pode viver.
Mas fazem ideia o que é viver há 60 anos?
Afinal só quem vem lá de trás pode avaliar a sorte de nascer neste tempo.

(Manoella de Calheiros)

P. S.
Seria pedagógico ensinar às novas gerações a saber e conhecer estes caminhos, embora alguns da minha geração se neguem a admitir que mijavam no penico.

1 comentário:

  1. (...) -"Numa época de mentiras universais, dizer a verdade é um acto revolucionario". -Quem disse isto foi George Orowell, confirmo o que a Senhora relata, eu vivo desde o fim da decada de 1960 na selva urbana a sul, mas estive aí no distrito de Bragança até entrar na idade adulta, quando a queda de neve coincidia com muito vento chamavam-lhe: "neve buraqueira", sabem porquê? -Porque muitas casas ou algumas das "paupérrimas" divisões não eram "forradas" dormia-se debaixo das telhas tradicionais produzidas artesanalmente, desde há centenas de anos, etc. etc. Eu vi, assisti, a tudo isso, resumindo vivenciei. Recomendo às gerações que já pouco ou nada sabem sobre estas questões, que leiam o que o escritor J. Rentes de Carvalho, (natural de Estevais de Mogadouro), escreveu num pequeno resumo a pedido da Fundação Francisco Manuel dos Santos, aí por Maio de 2017 designado: Trás-os-Montes o Nordeste. Minha Senhora, o meu respeito, admiração e, o meu obrigado, por caracterizações tão verídicas, contidas no seu texto.

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