sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

As atitudes que revelam quem verdadeiramente somos

Por: António Pires 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Na sequência da minha recente publicação, suportada com imagem fotográfica, sobre os manos “Guitchos”, foram muitos aqueles que, nos respectivos comentários, reconheceram que estas duas simpáticas, singulares e cativantes figuras da nossa terra possuíam uma candura poética, sendo unanimemente reconhecido que estamos perante a personificação da bondade e da humildade.
Sobre o segundo traço comportamental, a humildade, num sentido mais amplo, tenho a seguinte opinião: ser humilde não é necessariamente uma qualidade de quem é pobre. Podemos ser humildes, mesmo que tenhamos um bentley, uma vivenda luxuosa ou um MBA tirado na Harvard University; e, ao contrário, sermos pobres, sinónimo de indigência, e termos uma arrogância cujo umbigo não nos cabe na barriga. Ou seja, a humildade, como o cavalheirismo, a honradez e afins, é um estado de alma permanente, é a essência inalterável do indivíduo.
Dois exemplos que sustentam a “minha” teoria.
Há uns tempos, falando deste tema com uns amigos, veio à baila um episódio passado na zona da Lombada. Dois jovens soldados da GNR, em funções de fiscalização e controlo rodoviário, mandaram parar um sujeito que, tendo, aparentemente, bebido acima do permitido por lei, para o exercício da condução, se recusou fazer o teste do balão. O argumento foi que, imagine-se, era militar de alta patente (major ou tenente coronel), tendo ameaçado os subalternos, caso estes insistissem em não acatar as suas ordens. Não sei qual o desfecho. Mas sei que há por aí rapaziada que, tendo conseguido os galões através do elevador, têm a arrogante de Generais, caso ela fosse (longe de o ser) proporcional ao valor simbólico das divisas.
Recuando 40 anos, no início dos anos 80, pude assistir a um comportamento oposto, verdadeiramente exemplar, ao qual recorro com frequência, mas que infelizmente longe de fazer escola. Um momento que precisa de contextualização, para mais facilmente ser entendido.
Tinha eu os meus 20 anos e, no Verão de 1981, participei no afamado torneio de futebol da cidade de Bragança, vestindo a camisola da discoteca Roll, em Macedo (na altura, o melhor espaço dançante nocturno do distrito), de que era - e continua a ser - proprietário o Senhor Nuno Baptista. Era uma discoteca que tinha ambiente selecionado. A entrada era reservada a casais e vedada àqueles tipos com propensão para os desacatos. Como, contrariando todas as expectativas, ganhámos o torneio (habiam de ser bôs ou outros!), com uma equipa capaz de destruir a carreira a qualquer treinador (além da minha pessoa, dela faziam parte o meu irmão Mário, o Jorge Tripa, o Zé Silva e o Rui Sena), a partir daí, e por essa razão, passámos a ter um tratamento de excepção, que nos permitia entrar na dita, sem sermos acompanhados das ladies. 
Uma certa noite de que não me recordo o mês, a nossa entrada na Roll coincidiu com a do então Comandante da PSP de Bragança, Monteiro Lopes, acompanhado dum amigo, acabados de chegar duma reunião que se prolongou até um bocadinho mais tarde. Engravatados, discretos e de postura cortês, manifestaram ao porteiro o propósito de entrar. Este, limitando-se a cumprir as regras internas da casa, disse-lhes que não podiam entrar. Resignado perante o impedimento, Monteiro Lopes, de cujo currículo constava, à data, entre vários louvores, o da distinção de Mérito Militar e da Ordem de Avis, não puxou dos galões. Não, este SENHOR deu as boas noites ao porteiro, desejou-lhe bom trabalho e, elegantemente, como fazem os cavalheiros, deu meia volta e foi embora. 
E o mundo pula e avança, como sempre assim foi, com gente pobre e rica de espírito, independentemente do saldo bancário ou do estatuto social.

António Pires


António Pires
, natural de Vale de Frades/S. Joanico, Vimioso. 
Residente em Bragança.
Liceu Nacional de Bragança, FLUP, DRAPN.

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