Por: Manuel Eduardo Pires
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
O mal está feito, por isso não sei se algum deus alguma vez nos perdoará o pecado de termos alterado as estações do ano. No final deste último verão, quem se quis dar ao incómodo reparou que hortas e pomares tinham deixado de produzir como era costume e depois com novembro a mais de meio quase ainda andávamos de mangas curtas. Aqui chegados é bem possível que uma dúvida ocorra às pessoas da minoria à qual pertenço: aquilo que engolimos durante décadas com o atrativo rótulo de desenvolvimento não teria sido um presente envenenado? Entretanto, por desgraça, sobre estas questões reina ainda e sempre a inconsciência geral. As mentalidades são calhaus duros, pelo que duvido seriamente da possibilidade de mudar o que era preciso mudar sem haver sofrimento.
Já a cassandra dos antigos troianos, por adivinhar cenários tristes, lançava avisos a que ninguém ligava meia. Percebe-se, eram coisas terríveis, embora ela não pudesse fingir que não sabia o que sabia. No que diz respeito ao ambiente também não ouvimos as cassandras atuais, preferindo meter a cabeça na areia. Apesar de nos julgarmos lógicos e guiados pela ciência, as nossas vontades são maioritariamente irracionais, logo muito difíceis de contrariar. Além disso, alguém fez de nós seres inquietos e irrequietos para quem mexer e explorar funcionam como antidepressivos, sempre na esperança ilusória de que a agitação preencha os vazios imensos que nos habitam. Basta pensar nos automatismos sem sentido com que nos esgadunhamos a obter bens e serviços em quantidades que vão muito para lá daquilo que sobraria para viver com tranquilidade.
Uma consequência inevitável é que, sem qualquer exceção, o que fazemos durante vinte e quatro horas sobre vinte e quatro gasta recursos e energia, quase toda ainda retirada de fontes poluentes. O mínimo gesto implica resíduos e degradações. E todos temos telhados de vidro. Manifestações, ocupações, cimeiras, greves, mesmo as mais bem-intencionadas, geram uma série de efeitos que vão contaminar e aquecer mais a atmosfera, tornar as florestas menos verdes, os mares cheios de plástico e menos azuis. Quanto a isto, por muito que custe ouvir, todo o combate atrai aquilo que diz querer combater. O que fazemos para apagar os incêndios leva a mais incêndios. A própria pesquisa científica, que se esforça por nos abrir os olhos, também ajuda à festa e a tecnologia, longe de ter uma varinha de condão, vai criando monstros sobre monstros.
As nossas maiores aflições não têm alívio fora de cada indivíduo. Aliás, sempre que procuramos refúgio num magote qualquer, o mais certo até é agravá-las. Sem a noção da responsabilidade pessoal, há pouca esperança de acudir aos males do mundo. Quem o muda são aqueles que nas suas vidas privadas mudam a forma como se relacionam consigo e com a existência, o que neste caso passaria por ceder parte das comodidades, dos privilégios, da segurança material de que desfrutamos e contrariar o desejo instintivo de os ampliar tanto quanto possível. É por aí que entra a minha irritação com muitos “ativistas”. Nas suas palavras de ordem, birras e desacatos nunca se visam a eles mesmos. Vociferam contra os governos, a sociedade, o capital, para não terem que pensar na parte que lhes toca, para afastar a ideia incómoda de que os males resultam dos seus próprios atos multiplicados por milhões. Colocam-se fora da equação agarrados ao tique infantil de acusar os outros meninos sempre que os doces desaparecem da lata, omitindo que eles também lhes deram bom um avanço.
É pensar nos betinhos das marchas pelo clima. Um desprevenido pode ver neles generosidade juvenil, a geração mais escolarizada de sempre a abraçar uma grande causa. Mas só se não vir que também é a mais materialista e consumista, ou que as regalias e mimos com que tem sido estragada, e de que nunca irá abdicar, são pura energia obtida de combustíveis fósseis. Não é a saúde do planeta que os mortifica. Por detrás das suas patetices há na verdade um s.o.s: “alguém faça qualquer coisa, e depressa, para continuarmos a fantasiar com a visão instagram da realidade, a vivenda vistosa, a bela máquina, a viagem de avião, o paraíso tropical, as marcas da moda, o smartphone xis pê tê ó, as compras sem regra; mexam-se para podermos manter tudo o que temos, e dez vezes mais, sem que isso nos tire o sono”.
Já a cassandra dos antigos troianos, por adivinhar cenários tristes, lançava avisos a que ninguém ligava meia. Percebe-se, eram coisas terríveis, embora ela não pudesse fingir que não sabia o que sabia. No que diz respeito ao ambiente também não ouvimos as cassandras atuais, preferindo meter a cabeça na areia. Apesar de nos julgarmos lógicos e guiados pela ciência, as nossas vontades são maioritariamente irracionais, logo muito difíceis de contrariar. Além disso, alguém fez de nós seres inquietos e irrequietos para quem mexer e explorar funcionam como antidepressivos, sempre na esperança ilusória de que a agitação preencha os vazios imensos que nos habitam. Basta pensar nos automatismos sem sentido com que nos esgadunhamos a obter bens e serviços em quantidades que vão muito para lá daquilo que sobraria para viver com tranquilidade.
Uma consequência inevitável é que, sem qualquer exceção, o que fazemos durante vinte e quatro horas sobre vinte e quatro gasta recursos e energia, quase toda ainda retirada de fontes poluentes. O mínimo gesto implica resíduos e degradações. E todos temos telhados de vidro. Manifestações, ocupações, cimeiras, greves, mesmo as mais bem-intencionadas, geram uma série de efeitos que vão contaminar e aquecer mais a atmosfera, tornar as florestas menos verdes, os mares cheios de plástico e menos azuis. Quanto a isto, por muito que custe ouvir, todo o combate atrai aquilo que diz querer combater. O que fazemos para apagar os incêndios leva a mais incêndios. A própria pesquisa científica, que se esforça por nos abrir os olhos, também ajuda à festa e a tecnologia, longe de ter uma varinha de condão, vai criando monstros sobre monstros.
As nossas maiores aflições não têm alívio fora de cada indivíduo. Aliás, sempre que procuramos refúgio num magote qualquer, o mais certo até é agravá-las. Sem a noção da responsabilidade pessoal, há pouca esperança de acudir aos males do mundo. Quem o muda são aqueles que nas suas vidas privadas mudam a forma como se relacionam consigo e com a existência, o que neste caso passaria por ceder parte das comodidades, dos privilégios, da segurança material de que desfrutamos e contrariar o desejo instintivo de os ampliar tanto quanto possível. É por aí que entra a minha irritação com muitos “ativistas”. Nas suas palavras de ordem, birras e desacatos nunca se visam a eles mesmos. Vociferam contra os governos, a sociedade, o capital, para não terem que pensar na parte que lhes toca, para afastar a ideia incómoda de que os males resultam dos seus próprios atos multiplicados por milhões. Colocam-se fora da equação agarrados ao tique infantil de acusar os outros meninos sempre que os doces desaparecem da lata, omitindo que eles também lhes deram bom um avanço.
É pensar nos betinhos das marchas pelo clima. Um desprevenido pode ver neles generosidade juvenil, a geração mais escolarizada de sempre a abraçar uma grande causa. Mas só se não vir que também é a mais materialista e consumista, ou que as regalias e mimos com que tem sido estragada, e de que nunca irá abdicar, são pura energia obtida de combustíveis fósseis. Não é a saúde do planeta que os mortifica. Por detrás das suas patetices há na verdade um s.o.s: “alguém faça qualquer coisa, e depressa, para continuarmos a fantasiar com a visão instagram da realidade, a vivenda vistosa, a bela máquina, a viagem de avião, o paraíso tropical, as marcas da moda, o smartphone xis pê tê ó, as compras sem regra; mexam-se para podermos manter tudo o que temos, e dez vezes mais, sem que isso nos tire o sono”.
Manuel Eduardo Pires. Estes montes e esta cultura sempre foram o meu alimento espiritual, por onde quer que andasse. Os primeiros para já estão menos mal, enquanto a onda avassaladora do chamado progresso não decidir arrasá-los para construir sabe-se lá o quê, mas que nunca será tão bom. A cultura, essa está moribunda, e eu com ela. Daí talvez a nostalgia e o azedume naquilo que às vezes digo. De modo que peço paciência a quem tiver a paciência de me ir lendo.
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