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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

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COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

ARTUR BOTELHO — 7

 Já não é sem tempo. Vamos agora, finalmente, passar em revista alguns dos comentários com que Artur Botelho visa destruir a reputação poética de Guerra Junqueiro. 
O livro tem, como dissemos, quinhentas e tal páginas de crítica cerrada que às vezes se confunde com ódio puro e simples. Não vamos dizer que Artur Botelho nunca acerta nas suas considerações. Às vezes acerta, e até dá a entender que leu e assimilou e é capaz de citar apropriadamente alguns pensadores da época. Mas o despeito é muito grande e dir-se-ia que em muitos casos Artur Botelho se deixa cegar pelo rancor e escreve coisas que raiam os limites do insulto e, muitas vezes, do grotesco. Mas não há nada como exemplificar.
Já fiz em tempos um levantamento das curiosas (eufemismo para estapafúrdias)  apreciações de Artur Botelho, que peço licença para transcrever com ligeiros retoques e uma ou outra adenda:
«Comentando o verso junqueiriano ‘Estes golpes cruéis, estas horríveis dores’, escreve Botelho judiciosamente: “Verso redundante. Nos golpes cruéis já estão incluídas as dores.” 
Comentando as palavras de Cristo para Judas, no verso ‘Eu tenho até prazer, bem vês, no sacrifício’, Botelho sentencia: “’O ‘bem vês’ do 4º verso está mal. Além de ser frouxo, o Judas não via Cristo do lugar onde estava.” Argumento de peso, como se vê. 
Junqueiro escreve, no poema “O melro”: ‘Recolhiam-se a casa os lavradores./ Dormiam virginais as coisas mansas:/ Os rebanhos, as flores,/ As aves e as crianças.’ Botelho comenta: “Que é isso do ‘dormir virginal’? Então à hora do crepúsculo já ‘dormiam os rebanhos, as flores, as aves e as crianças?’” Questão pertinentíssima.
Os versos ‘Chegou a coisa a termo/ Que o bom do padre cura andava enfermo’, do mesmo poema, estão errados porque (Botelho dixit) “o facto do melro comer os trigais (!) ao cura não era motivo para que ‘andasse enfermo’. Demais, o enfermo não anda; está na cama.”
Não raro, o assanhado crítico, qual árbitro ou sacerdote da pureza poética, permite-se corrigir Junqueiro. Em vez de ‘Ó almas que viveis puras, imaculadas’, propõe: “Ó almas que viveis joviais e imaculadas.” Elimina o pleonasmo, é certo; mas introduz arbitrariamente um elemento estranho — a jovialidade — que podia não estar nem no pensamento nem nas intenções de Junqueiro.
O verso ‘Como uma harpa eólia a cantar a distância’ provoca-lhe uma autêntica girândola: “Este verso devia ser: ‘Como som duma harpa a vibrar a distância’, ou como o poeta quis dizer e não soube: ‘Como um som de harpa eólia a vibrar a distância’, ou ainda melhor: ‘Como voz divinal cantando-me a distância’.” 
Impagável, na verdade. Por vezes o riso torna-se irreprimível.
Estamos em crer que, se por acaso em algum poema tivesse surgido um verso parecido com ‘Voa, pensamento’, Artur teria condenado: ‘Não pode ser. O pensamento não tem asas.’
E que diria ele dos versos do seu venerado Camões “Se de humano é matar uma donzela/ fraca e sem força”, referidos a Inês de Castro — que, sendo mãe de três filhos, não podia à luz desta concepção literal da poesia ser contada no número das donzelas? Estou que substituiria ‘donzela’ por ‘manceba’, que era na verdade a condição que convinha à bela espanhola. Mas, se é certo que metricamente a substituição não causava estorvo, toda a estrofe teria de ser corrigida por causa da rima. As piruetas que o génio poético de Artur não seria obrigado a fazer sobre a serena beleza dos versos camonianos — tudo em nome de uma poesia submissa à realidade e à lógica, ou seja, uma poesia de que as metáforas são expulsas a chicote.
Não há dúvida: Artur Botelho é um autêntico “bulldozer” demolidor de toda a liberdade poética.»
Não creio que valha a pena citar mais. Mas vale a pena referir ainda palavras de Artur Botelho, que, pelos vistos, acredita ter feito mossa na reputação de Guerra Junqueiro e solta aos quatro ventos este imodesto grito de vitória: «A nossa ignorância deu foros de génio a esse anão e sublimou-o às maiores alturas, deificando-o, e foi preciso que um homem, obscuro e humilde como eu, mas que raciocina e se esforça por conhecer a verdade, aparecesse de camartelo em punho para fazer ruir o pedestal em que se levantava, radioso e ovante, tão burlesco e miserável manipanso.»
Como se vê, não se tinha em pouca monta, este Artur Botelho. Infelizmente para ele, os cem anos que passaram sobre este “fait divers” literário não causaram o mínimo arranhão ao poeta Guerra Junqueiro, mas também não salvaram do olvido o poeta Artur Botelho.

A. M. Pires Cabral

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