Mas que imposição feita por Deus ou em nome de Deus há aí que não tenha sido desobedecida alguma vez? Ou, perguntando doutra maneira, será que o pecado não existe? Acaso ignoramos que há mulheres que não só desobedecem aos maridos, como lhes impõem a sua própria vontade — às vezes de maneira tão subtil, que as ‘vítimas’ nem se apercebem? Com este tema, há uma impagável conta que ouvi contar, há muitos anos, aqui no Nordeste. Soube mais tarde que a mesma história foi também recolhida por Teófilo Braga, na sua obra “Contos tradicionais do povo português”, que li e cotejei com a versão nordestina. E aqui temos a confirmação duma ideia que aflorei acima, a saber: as contas não são vasilhas estanques que impeçam osmoses e contaminações. Não podemos dizer, lá por Teófilo Braga a ter recolhido nos Açores, que se trata duma historieta açoriana, nem que, lá por eu a ter ouvido contar no Nordeste, que se trata duma conta nordestina. Até dizer que é uma conta portuguesa é arriscado, pois pode muito bem acontecer que exista e seja contada também noutros países.
De qualquer modo, ela aí vai:
O padre duma freguesia estava muito descontente com os fregueses, porque se constava que andavam todos ao mando das mulheres, e o bispo ralhava muito com ele. Então do que se havia de lembrar? Um dia, na missa, disse que no domingo seguinte dava um saco de nozes ao homem que mostrasse que lá em casa era ele que mandava, e não a mulher.
No domingo seguinte, depois da missa, apresentou-se-lhe na sacristia um homem que toda a gente sabia que era muito ralhador e falava grosso e de mau modo com a mulher e com os filhos.
− Venho buscar as nozes, senhor padre, porque acho que cá no povo não há quem fale mais alto em sua casa do que eu.
− Já me tinha constado – disse o padre. – E, como mais ninguém se apresentou, as nozes são tuas. Trouxeste um saco?
− Está aqui o saco.
− Ó homem, eu, quando dou, gosto de dar coisa que se veja. Não tinhas lá em casa um saco maior?
− Ó senhor padre, eu ter, tinha, e era para o trazer. Mas a minha mulher pôs-se a dizer que era uma vergonha vir cá com um saco tão grande, e olhe, eu dei-lhe razão e trouxe este que sempre é mais maneirinho.
− Ai foi? – disse o padre. – Muito me contas... Podes voltar pelo mesmo caminho por onde vieste, que as nozes não são tuas.
− Não são minhas?! Então porquê?!...
− Porque, pelo que me contas, quem manda lá em casa não és tu, mas sim a tua mulher.
Esta conta lembra-me um apontamento que li no Abade de Baçal sobre um caso semelhante. Não tenho neste momento acesso ao lugar onde li, mas sei que li e inclusivamente o escrevi num papel de que uma parte desapareceu. Mas capacito-me que posso ainda restituir o essencial. Aí vai:
Um homem a quem a mulher batia forte e feio foi pedir ao padre da freguesia remédio para o caso, que era na verdade um escândalo. O padre disse-lhe então que quando a mulher começasse a ralhar e ele a visse a pontos de lhe ir ao pêlo, enchesse a boca de água benta, e não a deitasse fora enquanto ela não se calasse. Foi remédio santo, porque enquanto ele tivesse a boca cheia de água benta não podia retrucar à mulher, e assim não lhe dava azo a que ela chegasse ao ponto de lhe bater.
A gente ouve contar estas contas, e ri-se, e, se tem espírito curioso, procura indagar onde está a graça. Porque a graça não está sempre no mesmo sítio.
De qualquer modo, ela aí vai:
O padre duma freguesia estava muito descontente com os fregueses, porque se constava que andavam todos ao mando das mulheres, e o bispo ralhava muito com ele. Então do que se havia de lembrar? Um dia, na missa, disse que no domingo seguinte dava um saco de nozes ao homem que mostrasse que lá em casa era ele que mandava, e não a mulher.
No domingo seguinte, depois da missa, apresentou-se-lhe na sacristia um homem que toda a gente sabia que era muito ralhador e falava grosso e de mau modo com a mulher e com os filhos.
− Venho buscar as nozes, senhor padre, porque acho que cá no povo não há quem fale mais alto em sua casa do que eu.
− Já me tinha constado – disse o padre. – E, como mais ninguém se apresentou, as nozes são tuas. Trouxeste um saco?
− Está aqui o saco.
− Ó homem, eu, quando dou, gosto de dar coisa que se veja. Não tinhas lá em casa um saco maior?
− Ó senhor padre, eu ter, tinha, e era para o trazer. Mas a minha mulher pôs-se a dizer que era uma vergonha vir cá com um saco tão grande, e olhe, eu dei-lhe razão e trouxe este que sempre é mais maneirinho.
− Ai foi? – disse o padre. – Muito me contas... Podes voltar pelo mesmo caminho por onde vieste, que as nozes não são tuas.
− Não são minhas?! Então porquê?!...
− Porque, pelo que me contas, quem manda lá em casa não és tu, mas sim a tua mulher.
Esta conta lembra-me um apontamento que li no Abade de Baçal sobre um caso semelhante. Não tenho neste momento acesso ao lugar onde li, mas sei que li e inclusivamente o escrevi num papel de que uma parte desapareceu. Mas capacito-me que posso ainda restituir o essencial. Aí vai:
Um homem a quem a mulher batia forte e feio foi pedir ao padre da freguesia remédio para o caso, que era na verdade um escândalo. O padre disse-lhe então que quando a mulher começasse a ralhar e ele a visse a pontos de lhe ir ao pêlo, enchesse a boca de água benta, e não a deitasse fora enquanto ela não se calasse. Foi remédio santo, porque enquanto ele tivesse a boca cheia de água benta não podia retrucar à mulher, e assim não lhe dava azo a que ela chegasse ao ponto de lhe bater.
A gente ouve contar estas contas, e ri-se, e, se tem espírito curioso, procura indagar onde está a graça. Porque a graça não está sempre no mesmo sítio.
(Continua.)
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