O rebaixamento dos níveis freáticos obriga as novas captações de água a atingir profundidades que actualmente podem atingir os 150 metros, quando antes era encontrada por volta dos 20 metros.
Governo restringe a abertura de furos mas liberaliza a instalação de charcas GETTYIMAGES |
Furar a terra: a água que antes estava a 20 metros agora só aparece aos 100
Perante ciclos de seca intensa, os agricultores e produtores pecuários têm na abertura de furos o derradeiro recurso para garantir o abeberamento do gado e a produção de pastos, forragens e fenos para alimentar os animais em períodos críticos como os que estão a ser vividos neste momento, pese embora as chuvas das últimas duas semanas. A falta de alimentos e de água desesperam um número crescente de agricultores no norte, centro e sul do país.
Mas a drástica redução que se observa nos lençóis freáticos sobretudo na região alentejana e no nordeste transmontano, já obrigou o Ministério do Ambiente e da Acção Climática (MAAC) a restringir, ao máximo, a abertura de novos furos, como relatou ao PÚBLICO, Manuel Barreirão, dono de uma empresa de captação de água, enquanto abria um furo no concelho de Serpa. “O ministério do Ambiente é que manda” ao não aprovar pedidos de licenciamento para a captação de água.
Para mitigar o stress hídrico que afecta uma área significativa do território nacional, o Governo publicou na passada semana um despacho que “simplifica” criação de charcas, pequenos reservatórios de água que passam a estar isentos de licenciamento na maior parte dos casos.
As pessoas estão a abandonar as suas terras
Noutro ponto do território, na Guarda, Francisco Varandas acrescenta aos condicionalismos impostos pelo MAAC as precárias condições económicas dos poucos agricultores que ainda permanecem na região centro do país. “Não há muitas aberturas de furos porque o dinheiro é pouco e a agricultura bateu no fundo nas nossas aldeias”, frisando que as pessoas abandonaram as suas terras e deixaram de produzir as batatas, o feijão ou as couves. “E esta realidade acaba por ter reflexos até na abertura de furos que já não são necessários”, constata.
A sul do Tejo as restrições à abertura de furos “são enormes”, confirma Adelino Casola Bernardino, que também se especializou na abertura de furos. E a norte do rio, na região da Golegã e noutras onde se pratica agricultura de regadio, “também se criam dificuldades”. Na bacia do Tejo os licenciamentos para abrir furos “são quase inexistentes”, acrescenta Casola Bernardino.
Não há muitas aberturas de furos porque o dinheiro é pouco e a agricultura bateu no fundo nas nossas aldeias.
As opiniões divergem quando se coloca a questão da reserva de água subterrânea. “Na minha observação constato que os furos na região centro e no norte do país têm alguma água. O Inverno foi chuvoso e houve recarga. “A excepção está no nordeste transmontano e no Alentejo", sublinha o empresário da Guarda.
Já Manuel Barreirão, diz que nota uma diferença quando abre furos: "Há 15 anos encontrava água até aos 20 metros. Agora tornou-se habitual abrir furos entre os 75 e os 150 metros, como está a acontecer no litoral alentejano, onde “99,9% da água consumida é proveniente dos lençóis freáticos” salienta Luís Dias, presidente da Associação de Agricultores de Grândola (AAG).
“As coisas estão a agudizar-se no maior aquífero da Península Ibérica”, nos sistemas de aquíferos: aluviões do Tejo e bacia Tejo-Sado (margens esquerda e direita), onde a precipitação “decresceu ao longo dos últimos 20 anos e o consumo subiu quase abruptamente”, sobretudo ao longo da última década.
“Há um grande conjunto de poços que estão praticamente secos", refere o presidente da AAG, frisando que à medida que um poço seca, a alternativa está na abertura de furos que “não apresentam água senão para lá dos 100 metros”. Tornou-se recorrente: "Falta água faz-se um furo.” A pressão sobre os lençóis freáticos está a traduzir-se no estado sanitário do montado. “As árvores estão a secar", conclui Luís Dias.
“O Estado não sabe quanta água está a ser extraída.”
Na região alentejana de Campo Branco, que se estende pelos concelhos de Castro Verde, Aljustrel, Ourique, Mértola e Almodôvar, Rita Alcazar, dirigente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), fez ao PÚBLICO um balanço do stress hídrico que persistentemente afecta a actividade agrícola e pecuária na região. “Apesar das últimas chuvas e trovoadas, a alteração tem-se revelado pouco significativa.”
E explica a razão: “Chove, mas o calor e o vento intenso que se seguem quase anulam a humidade no solo e mantêm-se os aquíferos com débitos reduzidos.” E como já não se fazem poços “abrem-se furos porque têm maior capacidade de encaixe”. A dirigente da LPN questiona-se: “Pergunto-me até que ponto existe conhecimento sobre o número de furos existentes em Portugal.”
Mário de Carvalho, docente e investigador em Ciências Agrárias na Universidade de Évora (EU), reforçou ao PÚBLICO a questão levantada por Rita Alcazar. “O Estado não sabe quanta água está a ser extraída.” E no que se refere à perda de recursos hídricos subterrâneos, o país está em maus lençóis. “Temos mais furos a extrair água, seja na região oeste, na bacia do Tejo, litoral alentejano ou no Algarve”, que é canalizada para a rega “à custa das reservas subterrâneas num volume muito superior à sua reposição”.
Os poços secaram ABHISHEK JAIN
Furos a 400 metros
O investigador classifica a situação como “alarmante”, e dá um exemplo: “Na região oeste já se fazem furos até 400 metros” e no Alentejo assiste-se à instalação de culturas permanentes com “altos consumos de água num clima em que chove cada vez menos, e não se ajuda o sequeiro.”
Um relatório publicado em Março pela OCDE, sobre o desempenho ambiental de Portugal, concluía que “a seca é estrutural e a escassez de água é motivo de grande preocupação nas bacias dos rios Sado e Mira e nas bacias hidrográficas do Algarve”.
O boletim semanal das albufeiras, publicado esta semana pelo Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH), assinala que, das 82 barragens públicas monitorizadas, 40 apresentam um volume de água armazenada superior a 75%. De uma capacidade total de 13.058 hectómetros cúbicos (hm3), os reservatórios nacionais armazenavam, no dia 31 de Maio, 10.495 hm3 (79%).
Apesar de persistir uma grande diferenciação nos volumes armazenados nas barragens a norte do país e a sul do Tejo, a entrada no período estival que se aproxima garante algum conforto em termos de recursos hídricos para a agricultura irrigada, que ocupa, a nível nacional, uma superfície irrigável de 626 820 hectares e uma superfície regada de 562 255 hectares (pública e privado), cerca de 15% da superfície agrícola útil (SAU) nacional. A agricultura de sequeiro, cultura em terreno que não é regado, ocupa pelo menos 80% da SAU, cerca de 3,7 milhões de hectares.
É nesta imensa área territorial, maioritariamente ocupada por actividades agro-silvo-pastoris, que os agricultores e os produtores pecuários se têm confrontado, anos a fio, com a extrema escassez hídrica. A retenção de água para as agriculturas de sequeiro, que não podem passar pelo regadio, é a solução que preconizam há décadas.
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